Wishlist & Wishread
A minha lista de livros por ler e por comprar (nem sempre coincide) não pára de crescer. Entretanto, desde 28 de fevereiro que me dediquei à tarefa megalómana de ler Os Irmãos Karamazov, porém tarefa não tão megalómana quanto terá sido para o senhor Fiódor Dostoievski escrevê-lo no fim da sua vida (aos 58 anos). Em suma, ainda que esteja a intercalar essa leitura com o meu próprio Os Pássaros, a verdade é que livros bons como este russo, que mexe com a natureza humana e as suas múltiplas complexidades nos põe em sintonia com dezenas de outros livros que gostaríamos de ler.
A somar a esta inspiração avassaladora vinda de terras russas, tenho seguido o Rodrigo Guedes de Carvalho no Jornal da Noite e no Instagram, e cada vez admiro mais a pessoa e o criador. De tal modo que, ao assistir ao lançamento do seu novíssimo Margarida Espantada, decidi incluir uns quantos volumes da sua autoria na minha já bastante extensa lista de livros-a-comprar/a-ler. E gostei muito de uma sinopse de um livro de Miguel Real, mas quando vi que o livro tem quase 500 páginas fugi... Também costumam fugir de livros com base no tamanho? O tamanho importa quanto aos livros que decidem ler? Verdade seja dita que me está a custar a dar conta dos manos Karamazóv, com as suas 785 páginas de cumprimento, mas a culpa não é deles mas sim da minha preguicite aguda.
Canário, Rodrigo Guedes de Carvalho
Confia nas grades. Aproxima-te. Vou-te contar. Vá lá, aproxima-te, leitor. E tu, leitora. Não tenhas medo. Estou preso vai para três anos. Não vês as grades? Não te consigo tocar. Receias sequer olhar-me? Então escuta só, vou contar-te do escritor conceituado. Soube agora que sou seu filho. Não se lembra sequer da minha mãe, não sabia de mim. Recompôs-se, aceita-me, vem-me buscar. Vai-me conseguir a liberdade. É famoso, influente, já viste a minha sorte? Se me ouvires, vais saber que a mulher dele nem sonha que existo, vais ver o neto autista que ele finge não ver. Mais o padre que se dedicou a mim na prisão, que acredita que ainda vou a tempo, que jurou que não me deixa apodrecer aqui. O padre que me perdoa o crime horrível. Sim, o crime. Mas não te assustes. Não te afastes agora. Confia nas grades. Aproxima-te. Vou-te contar.
Margarida Espantada, Rodrigo Guedes de Carvalho
Margarida Espantada é sobre família. Sobre irmãos. É sobre violência doméstica e doença mental. É um efeito dominó sobre a dor. A literatura é um jogo do avesso. Os bons romances são sempre sobre amor, e os melhores são os que fingem que não são. Não devemos recear livros duros. As histórias que mais nos prendem trazem uma catarse que nos carrega as mágoas, personagens que apresentam as suas semelhanças connosco. Gosto da ficção que é número arriscado de circo, com fogo e espadas, que nos faz chegar muito perto da queimadura que não vamos realmente sentir. Mas reconhecemos.
Assistiram ao lançamento no Direto do Instagram?
Disponível em e-book e audiobook aqui.
A Família Golovliov, Saltykov-Schchedrin
Intensamente quente no verão e fria no inverno, a herdade da família Golovliov é o final do caminho. É lá que Arina Petrovna comanda os em- pregados e a família — até ceder o poder ao seu filho Porfírio. Um dos mons- tros mais memoráveis da literatura mundial, Porfírio é o perfeito hipócrita e maquinador que ataca sem remorsos aqueles que dele se aproximam. Mas no final até ele se revela incapaz de resistir a Golovliovo.
«… o grande romance A Família Golovliov, o mais sombrio e implacável exemplo de comédia negra na literatura russa do século XIX.» [V. S. Pritchett]
«A linhagem que começa com Dostoievski, passa por Shchedrin e chega a Hamsun é visível. Assim considerado, A Família Golovliov, um livro estranho e áspero, cujas personagens a um tempo sofrem a doença do nada e aspiram a ela, um livro que é por vezes uma ampla sátira, outras um livro de terror gótico, e outras ainda um anti‑romance, torna‑se cada vez mais moderno com a passagem do tempo.» [James Wood]
A Ilha de Sacalina, Antón Tchékhov
Quando Tchékhov, então um jovem médico, partiu para a ilha de Sacalina em Abril de 1890, ninguém compreendeu as suas motivações. Ele próprio, incapaz de se explicar, falou de mania sachalina.
Nabokov fez-se eco dessa perplexidade: «Normalmente, os críticos que escrevem sobre Tchékhov repetem que acham de todo incompreensível o facto de, em 1890, o escritor ter empreendido uma perigosa e fatigante viagem à ilha de Sacalina para estudar a vida dos condenados aos trabalhos forçados.»
Trata-se, de qualquer modo, do episódio mais estranho da vida de Tchékhov. Tendo decidido investigar aquele lugar maldito, pôs-se a caminho, em condições mais do que precárias. Decidira não se apresentar como jornalista e não possuía qualquer carta de recomendação ou documento oficial. Após dois meses e meio de viagem extenuante, o mais provável era ser obrigado a regressar.
Enfrentou o frio, a chuva, as inundações e os incêndios, e finalmente lá estava, ao largo da Sibéria, a ilha de Sacalina: «Em redor o mar, no meio o inferno.»
Deixo link para uma artigo do público de 2011 que explora esta viagem acidentada do autor aos confins do império russo.