Hámuito que o Nicholas Sparks não me tentava. Comprei o “UmHomem com Sorte” porque vi o filme num momento em que me apetecia algumromance. Já sei sempre o que esperar dele e, tantas vezes, fica aquém do seupróprio melhor. Com melhor menciono sempre o livro “Laços que Perduram”, quenão se vê em lado algum mas que consegui por milagre.
À semelhança do “Laçosque Perduram”, eu entendi que esta história abordava o tema da violênciadoméstica. O trailer do filme (a química evidente entre as duas personagensprincipais) fez-me vê-lo. E revê-lo. Segurei-me para não derramar algumaslágrimas no cinema. Adoro o filme, os actores, a banda sonora, a história.Desci do cinema directa para a banca de livros. “Um Refúgio para a Vida” – check.
Li o livro em quatrodias. Conta a história de Katie, recém-chegada a uma pequena cidade da (sempre)Carolina do Norte. Alex é viúvo (habitual) e tem dois filhos. Katie apega-se àscrianças e apaixona-se por Alex. Uma personagem muito interessante é o rosto dopassado que persegue a reservada Katie – Kevin. Gostei muito desta personagem,que se vai tornando melhor (e mais perturbada) quanto mais o livro avança. É umóptimo suporte, bem sólido, do enredo central.
Mas qual não é o meuespanto ao verificar que o livro é muito diferente do filme. Isto apesar de a Nicholas Sparks Productions estar pordetrás da produção da película cinematográfica. No livro Katie é loira decabelo comprido e, num faça você mesmo,corta o cabelo e pinta-o de castanho. Faz sentido, se o objectivo é serdiscreta. Além disso não deve ser assim tão fácil pintar o cabelo de loiro emcasa. Alex é grisalho, no livro. Hum.No filme ele não parece tão pachorrento, tão “ok, ofendeste-me, vou-me embora”.Silêncio. Os rapazinhos bonzinhos do Nicholas são assim mesmo. Nunca levantam avoz, nunca se exaltam, nunca dizem à mocinha (quando é caso disso, e felizmentecom a Katie não foi) que são umas mimadas de Diet Coke em punho.
Também a acçãoprincipal do filme está melhor. Arrasta-se o mistério durante mais tempo. Katieé mais relutante em confiar. O romance é mais natural, mais credível do que noritmo lento e “doce” do livro, que não se precipita nem tem ímpetos de paixão.O “mistério” é levado a bom porto duma forma muito mais interessante. Muitaspremissas do filme estão ausentes no livro, bem mais simplista. Achei o livro muito visual e cinematográfico, como se já fosse previsto que acabasse no cinema. Coisas como "pestanejou e viu-se na infância", "pestanejou e voltou ao presente", "pestanejou e viu-se de cabelo loiro e comprido", etc.
Em geral gostei dolivro. Vou mantê-lo aqui. Mas é um daqueles casos raros em que o filme émelhor. Aconselho-vos a ver o filme primeiro, porque podem gostar mesmo muito dele. Se lerem o livroprimeiro vão perder a abordagem aprimorada que este faz à história. Mesmo arevelação das últimas três páginas de livro causa muito mais impacto no filme - e não o digo por já conhecer o desfecho.Uma pessoa sai do cinema sem saber se ria se chore. A nota que lhe atribuo é devido à leveza e facilidade com que viajei através dele, fortemente sustentada pelo Kevin, a revelação final e o facto de permanecer em mim após terminado.
O filme deu-me vontade de ler o livro. O contrário talvez não tivesse acontecido...
É para aí o décimo livro queleio de Nicholas Sparks depois de uma pausa de alguns anos… o último que tinhalido foi o Juntos ao Luar. Resumindo: continua o mesmo. Se querem conhecer oestilo recorrente de NS somem estes ingredientes:
- Muitos diálogos a propósitode nada com piadas aleatórias.
- Chavalinho porreiro comcovinhas na cara que bebe cerveja
- Chavalinha com mau feitioque bebe Light Coke
- Encontros comuns – jantares,barbecues – combinados e sem nada de espontâneo, onde eles discutem aespontaneidade e decidem que vão dar um mergulho, aprender a andar de mota,algo do género.
- Beijos conservadores nofinal desse primeiro encontro
- Um viúvo
- Alguém estéril
- Um acidente
- Uma doença
- Um cão (ou mais) - Refeições (com respectiva descrição dos pitéus) - Alpendres - Barquinhos (o senhor costuma adorar velejar)
- Uma ligação inexplicável comum animal que não lembra a ninguém – como o Noah da Alquimia do Amor com ocisne, ou agora o Travis com um pombo.
- Um dilema moral complicado,do género: a) ela está a morrer, vale a pena ficar com ela? b) ela diz que paraficar com ela tenho que deixar de mandar garrafas com mensagens à minha mulherque morreu c) ela não pode ter filhos, fico com ela? d) o irmão dela é queatropelou e matou a minha mulher, fico com ela? e) ela pediu que, caso ficasseem coma, etc., eu devia desligar as máquinas ao final de doze semanas. Desligo?
Este dilema e) teria dado umlivro excelente. A sério. Gabo-lhe o ter pensado nessa questão, embora não sejatotalmente nova, e teria sofrido e vivido realmente este tema. Tudo porque,saberei lá eu explicar, fiz o mesmo pedido a uma pessoa próxima. Se por algummotivo ficar em estado vegetativo, ajudem-me a morrer, já que cá não se podeescolher esse desligar das máquinas, segundo sei. A pessoa disse que não ofaria. Não o faria porque gosta de mim. Bom eu devo ter uma ideia muitodistorcida do amor, detestei. Não, detestei não chega, DETESTEI, em caps, amensagem que o Sparks passa neste livro. Fiquei indignada com a pequenhez desteamor que ele descreve e que vende, e que muitas mulheres/homens, se é que olêem, compram como o ideal. O único, o genuíno. E a dignidade humana? A mulherteria de ficar meses – anos…! – à espera de acordar numa cama, quem sabe seaprisionada no próprio corpo mas consciente, a ansiar por ser libertada? Por podermorrer? Para lhe removerem os tubos que lhe sustêm a vida? Com o corpo a atrofiar-se?O rabo a ser limpo por terceiros? Amor, para mim, tem de ser mais. Mais do que ele gostar delae não imaginar a vida sem ela. Se aama respeita-a. Se a respeita cumpre o que ela lhe pediu, em desespero. Masnão, mais vale arriscar, queimar os papéis legais onde ela estipula esse pedidoe fazer figas para que ainda esteja vivo um dia, se ela acordar. E depois, comoé Nicholas Sparks *spoiler* a senhora claro que acorda. E nem se zanga! É escusadodizer que, se fosse eu, embora agradecesse a oportunidade para ter regressado,me separasse quase certamente de um homem em que não podia confiar. É isso oamor, não? Pedir a alguém que nos dê voz quando ela nos falta, e esperar querepita as nossas palavras sem egoísmos. E ele foi egoísta, tão egoísta…! Não concebo amores assim.
Passada a fase da indignaçãoacrescento que isto representa a segunda parte do livro. A primeira deve-se aomodo como estes dois vizinhos se conhecem e a sinopse só se debruça sobre ela.Ora a senhora tem namorado – quase noivo – e, ao final de três dias, já andaenrolada com o vizinho. True love, says NicholasSparks. Devo mencionar que, dias depois quando um colega de trabalho dela tentabeijá-la o dito vizinho o esmurra e a aconselha a abrir um processo contra elede agressão física? Fuck logic. Aondeestá a explicação dela ao namorado quando o larga? O livro sofre um pulo. Oraestão a passear de mota e conhecem-se há três dias, ora já ela está em coma eele a ama perdidamente, anos depois, casados e com filhos. O senhor escreveu olivro nos joelhos. A Presença, mesmo na 8ª edição, tem o livro cheio degralhas. Não admira que seja dos dele de que menos se fala…
Enfim, se eu entrar em coma,se eu tiver um AVC e não puder falar, se eu partir o pescoço e implorar aalguém que me ajude a ter paz, façam-no! Como dizia Ramón Sampedro (MarAdentro), Aquele que me ama é aquele queme ajudará a morrer.
PS - O nome do livro devia ser "Uma Escolha por Egoísmo Que Acaba Bem Porque, Afinal, é Nicholas Sparks"