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Castelos de Letras

Em torno das minhas leituras!

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Em torno das minhas leituras!

#305 FERNANDES, Madalena Sá, Leme

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Opinião: Lido no kobo, não esperei gostar tanto deste «Leme».

Por um lado, até cerca de um terço do livro, senti que a questão da violência doméstica, por vezes subtil e até passiva, exigia uma estrutura mais densa, outro peso na narrativa que nunca mais vinha. O livro parece, em certa medida, escrito por uma mulher muito jovem, à qual falta uma certa profundidade. Parece uma voz mais juvenil, sobretudo porque antevemos o seu presente, sabemos que é adulta, mas talvez o livro só funcionasse com esse tom mais pueril.

No entanto, na segunda parte da leitura, que me agarrou pelo colarinho e que li de um fôlego, percebi que isto não é um retrato da vida da personagem, e que era essa tridimensionalidade da vida da personagem que estava em falta, e que eu continuava a procurar. Refiro-me a relatos do quotidiano em que o tal Paulo, o padrasto agressivo, não fosse a personagem principal. Foi então que me mentalizei de que o livro é sim um relato da vida com um padrasto abusivo, e vi-me obrigada a repescar o meu próprio lema, segundo o qual menos é mais. Portanto, a autora contornou a palha e levou-nos direitos ao padrasto tóxico.

Somos conduzidos pela sua infância, pelo casamento doloroso da mãe, pelas marcas que essa relação abusiva deixou nela enquanto criança e jovem. Apesar de, a tempos, o sentir um pouco superficial, houve momentos que me arrebataram por me identificar e/ou conhecer pessoas próximas que conviveram com este tipo de violência. Comoveu-me várias vezes, essa violência dos gestos bruscos, das portas a bater, dos estalidos de língua, dos objetos a voar e dos pontapés nas coisas. Toca ainda o tema da molestação de menores que, embora muito sucinto, é muito representativo dos casos reais.

Aquilo que lhe valeu as quatro estrelas foi, acima de tudo, o desprensiosismo ao contar a história, mas também os capítulos curtos que me iam catapultando de uma reflexão para a seguinte. A narrativa não tem exatamente um fio condutor - isto é, não está organizada cronologicamente, por exemplo -, mas isso também não faria sentido. Viajamos de evento marcante em evento marcante, em que por vezes o que dói é apenas a rotina numa casa que não é refúgio.

Houve dois ou três episódios que me atingiram realmente, (view spoiler), e acho que foi nesses momentos que senti a história como real, em que me recordei de que não estava simplesmente perante uma obra de ficção.

Não diria que é um portento da literatura, mas é uma boa estreia de uma autora portuguesa: uma voz sem floreados, episódios palpáveis, um enredo contemporâneo com o qual é fácil identificar-nos.
Vale muito a pena pela abordagem que faz a esta questão de amarmos e odiarmos aqueles que nos são próximos, e a como isso nos rasga a alma.

 

Sinopse: Leme é o relato da vivência de uma rapariga que assiste, durante anos, à erosão dos pilares que sustentam as ligações humanas: vê a mãe subjugada à violência do homem com quem mantém uma relação amorosa disfuncional; vive na pele a distorção dos papéis desempenhados por pais e filhos; alimenta-se da solidão para ultrapassar um quotidiano de medo e fúria; disputa um lugar só para si no meio do caos familiar; aprende a reconhecer o consolo das pequenas vitórias; e, por fim, reconstrói-se a si e às suas memórias.

Nenhuma criança conhece de antemão os nomes das coisas, mas todas as crianças reconhecem instintivamente o perigo. Para a protagonista desta história, o perigo tem o nome de um homem, e é sinónimo de obsessão, desequilíbrio, solidão, desamparo, poucas certezas e muitas dúvidas. Leme é um golpe de escrita para regressar à vida. Uma cintilação plena de vida e um soco no escuro que nos engole: eis um livro que aponta diretamente aos limites do bem e do mal.

#304 FERREIRA, Valentina Silva, Vertigens

Sinopse: Em finais dos anos 70, no Caniço, uma cidade costeira na ilha da Madeira, todos conhecem Ana Clara, a estranha rapariga que não fala e que passa os dias à janela.

Quando Anita Fontoura a vê, também ela presa na sua janela de solidão imposta pelo marido, desenvolve-se entre as duas vizinhas uma amizade inesperada.

Décadas mais tarde, de regresso à ilha para enterrar Anita, a sua filha Oti reencontra-se com Ana Clara, sua madrinha, para tentar compreender a história da família, das mulheres Fontoura, da fuga das duas para Lisboa e daquela mãe que foi tão difícil amar.

Este é um romance sobre liberdade e coragem, sobre forjarmos nosso próprio caminho, sobre gritos no silêncio. Duas mulheres enclausuradas que o destino uniu e que, juntas, encontraram uma forma de voar.

 

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Opinião: EmVertigens, a Valentina Silva Ferreira dá-nos a conhecer um leque de mulheres inesquecíveis. Ainda que as protagonistas sejam, indiscutivelmente, Ana Clara e Anita Fontoura, senti por várias vezes que o verdadeiro protagonista é o sagrado feminino - o ser mulher, as ligações entre as mulheres, a doçura, a força, a resiliência das mulheres e o seu estatuto, à época, de cidadão de segunda.


A minha maior surpresa foi para com a voz narrativa desta jovem autora madeirense. Nunca tinha lido nada da Valentina e, ao abrir o seu livro, senti-me perante um talento colossal. Uma voz poderosa mas que não se esforça, não se afeta. Uma voz acessível mas muito, muito lírica, que polvilha a historia de misticismo. Não conheço muitos livros assim de autores portugueses e, tendo de o aproximar de um estrangeiro, diria que há um quê de Gabriel Garcia Márquez no modo como as vidas das mulheres Fontoura são contadas. Embora sem cair no realismo mágico, há ali uma série de apontamentos memoráveis, de sentido de continuidade, que me remeteu para o universo das goiabas e dos trópicos.


MasVertigensé ainda mais do que isso. É um livro primorosamente escrito que nos traz a Madeira, os madeirenses, a clausura da ilha lado a lado com a sua beleza fatalista. É um livro excepcionalmente envolvente, que merece a distinção como semifinalista do Prémio Oceanos, e que promete um futuro pleno de luz à sua autora.

#303 SILVA, Filipa Fonseca, E Se eu Morrer Amanhã?

Opnião: e-se-eu-morrer-amanhaSL48742-scaled.jpg"(...) É cada vez mais difícil lidar com um corpo que falha. Mais comprimidos, mais uma operação, um coração mecânico, uma válvula aqui, uma placa de titânio ali, a carne macerada, os ossos em franca erosão, tudo preso pela ciência da longevidade e por peças impressas em máquinas 3D, como se a morte não fosse parte da vida, mas, antes, uma sentença adiável, até se atingir o limite do conhecimento humano, que, como se sabe, é impossível, visto que este é como o universo e a estupidez..."


Depois de um longo jejum de leitura - só tenho lido o que estou a traduzir -, decidi apostar no último livro da Filipa Fonseca Silva, porque a sinopse promete uma viagem a lugares que nunca tinha explorado na literatura: a sexualidade geriátrica.

Ultrapassada uma certa resistência inicial, e auxiliada pelo tacto da autora, que nos conduz por esse mundo em que nunca me tinha permitido pensar com sensibilidade e um toque de humor, aventurei-me na viuvez da Helena.

A Helena é uma octogenária que, apenas depois da morte do marido, começou a saciar a sua curiosidade quanto ao mundo do sexo. Na exploração da sua sexualidade, tem o seu primeiro orgasmo aos 70 anos, e essa descoberta desperta-a para tudo aquilo que nunca fez e que não quer morrer sem fazer. E se eu morrer amanhã? torna-se o seu lema e, na sua jornada de descoberta, acaba por ter ainda algumas coisinhas a ensinar aos filhos e à neta. Gostei acima de tudo da relação da Helena com a neta, mas também da abordagem ao sexo como um ato de companheirismo, de confiança, de exploração e de partilha sem preconceitos. Gostava tanto que a Helena fosse minha avó <3

Acabei este livro abraçada a um presente inesperado: a minha vida não vai acabar aos 50, nem aos 60. Se calhar, nem aos 90. Aconselho vivamente este livro para refletirmos com leveza - mas pertinência - em assuntos que nunca nos ocorreram, e que agora vão lançar um novo prisma sobre a vida e as suas infinitas possibilidades.

 

Sinopse: Helena é uma viúva de setenta e nove anos aparentemente pacata. Vive com o gato num apartamento, independente dos filhos e netos adultos, gozando de ótima saúde física e mental. Até ao dia em que, por acidente, pega fogo à sala de estar.

Obrigada a mudar-se para casa da filha, que começa a questionar a sua sanidade, acaba por revelar um segredo que deixará toda a família boquiaberta: afinal, tem uma vida sexual ativa. Muito ativa.

A partir desta confidência, Helena conta-nos as suas aventuras amorosas e o lema de vida que adotou desde a morte do marido, com quem partilhou mais de quatro décadas de descontentamento.

E se eu morrer amanhã? é um romance hilariante, que nos leva a refletir sobre os preconceitos em relação às mulheres mais velhas e o enorme tabu em torno da sua sexualidade. É também uma luz de esperança, iluminando a ideia de que nunca é tarde para descobrir o que nos faz feliz.

#302 PEREIRA, Ana Teresa, Karen

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Opinião: Foi a primeira vez que li um livro da autora Ana Teresa Pereira, uma das favoritas da DGLAB para atribuição de bolsas e prémios. A história é intrigante, bastante interessante - julgo que com laivos de Rebecca, ou daquilo que julgo que será essa obra de Daphne du Maurier.


Trata-se da história de uma pintora que de repente desperta numa casa no interior de Inglaterra, longe de Londres, do seu apartamento e das galerias que costumava frequentar. É-lhe atribuído outro nome e outro passado, e descobre que já não sabe dançar nem consegue pintar, como se fosse outra pessoa apesar de se recordar desse outro passado na capital. Está rodeada de estranhos e é informada de que sofreu um acidente relacionado com uma cascata local.

A linguagem é simples, a escrita fluida, o mistério vai-nos mantendo presos às páginas. Tem passagens realmente belas, tais como:


(...) e as gotas de orvalho de manhã cedo em todas as folhas e todos os ramos de um bosque onde ninguém passa, e o som da água é o som do universo, o som que também está no fundo de nós, misturado com o vazio e a escuridão.


De salientar um ponto de que não gostei e que me parece ser bastante recorrente num certo círculo de autores portugueses: o pedantismo de despejar referências artísticas, musicais e literárias umas atrás das outras, a cada página uma nova exibição da sua formação cultural. É desnecessário e diria até pouco credível escrever-se sobre pessoas comuns que vivem em águas-furtadas com grande simplicidade, mas estão sempre prontas a citar os "grandes".


(...) como as ruazinhas, as pontes, os canais, do filme de Luchino Visconti, como o mosteiro e o vale profundo do filme de Michael Powell e Emeric Pressburger). Uma rapariga casada que vinha a Londres uma vez por semana, ver um filme ou uma peça de teatro, e trocar um livro na biblioteca, livros de Dorothy Whipple, Richmal Crompton, D.E. Stevenson, Winifred Watson. E Francis Burnett.

Não me parece também que o retrato psicológico da personagem principal, esta Karen prestes a completar 25 anos, faça sentido perante estas referências. Uma jovem de 24 anos que vive sozinha em Londres, bebe vinho e ouve música antiga, pinta a óleo e visita galerias e faz caminhadas na natureza e vai ao teatro. Acho que é uma idealização de pessoas de outro tempo, sem raízes na realidade atual.

 

Sinopse: Le Notti Bianche passava‑se numa ponte: Maria Schell esperava o amante que partira há um ano, Marcello Mastroianni apaixonava‑se por ela, e havia música, não sei de onde vinha a música, talvez de um bar ou de uma esplanada próxima; lembro‑me de um barco no canal, e dos sinos a tocarem, e do momento em que começava a nevar, e da rapariga a deixar cair o casaco que tinha sobre os ombros e a correr para os braços de um dos homens. Black Narcissus: Deborah Kerr vestida de freira, e o inesperado dos seus cabelos ruivos quando recordava, porque aquele lugar fazia recordar coisas; Kathleen Byron a tocar o sino do mosteiro na beira do precipício e a pintar os lábios na sua cela, a voltar de madrugada com um vestido vermelho e o cabelo molhado; e depois a luta final entre a jovem com o hábito branco e a jovem com o vestido vermelho, as nuvens lá em baixo, o mosteiro erguia‑se acima das nuvens.
Em tempos pensava que todas as histórias eram uma só, a luta entre o anjo bom e o anjo caído, e sempre à beira de um abismo.

 

Classificação: 3,5/5*****

#289 VELHO, Amaro, Susana, O Bairro das Cruzes

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Opinião: "Afinal as pessoas morriam mesmo. (...) É assim que as pessoas acabam. Em reticências."


Há muitos anos tropecei ocasionalmente em As Últimas Linhas Destas Mãos, e apaixonei-me pela história. Creio que reconheci naquelas linhas parte daquilo que é a minha visão do mundo. Uma perspetiva que reconheço como feminina, mas atenta e que vai muito além dos dilemas do amor.

Em O Bairro das Cruzes, a querida Susana voltou a conquistar-me desde as primeiras páginas. É uma escrita com ritmo, fluidez e sem pretensões, mas, acima de tudo, é um livro com história. É assim que gosto de ler sobre história: os eventos que marcaram todo um povo intercalados com os eventos pessoais que marcaram as personagens que acompanhamos ao longo destas 240 páginas.

Senti, uma vez mais, uma identificação quase imediata com a relação principal, a das primas Luísa - a nossa personagem principal - e Rosa, a sua co-protagonista. A relação destas duas mulheres ao longo de mais de duas décadas, bem como a das pessoas do bairro - o avô democrata, o amigo homossexual, a burguesia bolorenta e em declínio, mas que ainda vive na casa da colina e ainda interfere no quotidiano das pessoas do bairro, e tantas outras personagens inesquecíveis. A jóia do livro é, para mim, a relação de amor-ódio (e muita interdependência) das duas mulheres principais. Mas este livro é muito mais do que isso. Nas últimas dezenas de páginas, torna-se num conto familiar intrincado, com muitas reviravoltas, que de repente encaixa todas as pontas soltas da narrativa. Nunca desconfiei da verdade que a Susana insinuou diante do leitor ao longo de toda a história; caiu-me o queixo de surpresa e, ao mesmo tempo, claro que sim. Claro que a cruz era aquela.

Aconselho muito a que o leiam e se encantem com esta viagem aos anos 60 e 70 do nosso país, contados a partir de um bairro em Mafra. Uma autora a acompanhar de perto.
 
Classificação: 5/5*****
 
Sinopse: «Esta não é uma história de amor. Não uma história de amor convencional, por assim dizer. Não tem um casal que se apaixona e tem filhos. Que troca juras de amor até que se unam na sepultura partilhada, com dizeres e fotografias a sépia. Esta não é, de todo, uma história desse tipo de amor, mas realça o elo indelével entre uma criança, a sua origem e os seus laços familiares.»

O Bairro das Cruzes conta a história da Luísa. E da Rosa. Conta a história das cruzes que carregamos desde a infância e que condicionam escolhas futuras. Caminhos que se seguem e outros que se evitam. O Bairro das Cruzes atravessa o tempo. O espaço. Mistura comunistas e PIDE e sobrevive às cheias de Lisboa. Carrega um fardo pesado e agarra à terra quem lá nasceu. Quem de lá quis sair, mas regressou. Porque o sangue pode pesar tanto quanto a pedra. E pode ser mais pesado que uma cruz
.

#287 CRUZ, Afonso, O Vício dos Livros

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Sinopse: Na biblioteca do faraó Ramsés II estava escrito por cima da porta de entrada: «Casa para terapia da alma». É o mais antigo mote bibliotecário. De facto, os livros completam-nos e oferecem-nos múltiplas vidas. São seres pacientes e generosos. Imóveis nas suas prateleiras, com uma espantosa resignação, podem esperar décadas ou séculos por um leitor.

Somos histórias, e os livros são uma das nossas vozes possíveis (um leitor é, mal abre um livro, um autor: ler é uma maneira de nos escrevermos).

Nesta deliciosa colheita de relatos históricos e curiosidades literárias, de reflexões e memórias pessoais, Afonso Cruz dialoga com várias obras, outros tantos escritores e todos os leitores.

Este é, evidentemente, um livro para quem tem o vício dos livros.

Opinião: Este 3 é, na realidade, um 2,5, arredondado para 3 para a) não dizerem que sou má e b) fazer jus à escrita, que é bastante competente. Mas nunca passa disso: uma tecelagem de assuntos em torno de livros e da leitura, alguns mais interessantes do que outros (gostei da história do prisioneiro leitor), e da associação dos gatos aos leitores e aos escritores. Como li, ainda este ano, Manual de Sobrevivência de Um Escritor ou o Pouco que Sei Sobre Aquilo Que Faço, de que até gostei e que considero superior a este (em termos de associações, de tom, de referências a outros escritores e ao papel dos livros), este livro pareceu-me mais do mesmo. Não me trouxe nada de novo e até me fez torcer o nariz nalgumas partes. Tal como quando se lê que o mundo precisa de pessoas que prefiram cultura a pão (ou uma variante disto), e quando li que um escritor é um ser humano com uma ferida permanentemente aberta, e que isso é também o que define o ser-se humano... ter-se uma ferida aberta? Como assim? O humanos sem dores não são... humanos?

Enfim, eu percebo o esforço para se ser "poético", aliás, muito se fala aqui de poesia e de como é essencial à vida. Fala-se também da diferença, uma vez mais, entre ler qualquer coisa, ler desatento, ou ler "arte", e ler com atenção. Há imensas referências a autores já muito consagrados, como Henry Miller, Kundera, Rilke, e acredito que todos sejam igualmente apaixonados por leitura e escrita, mas continuo à espera que se olhe para isto dos livros de outro modo. Não como um clube de VIPs admirados uns pelos outros, mas com o assombro de quem descobre em cada novo escritor uma nova mente, com novas ideias.

Em suma, o tom delicodoce que vislumbrei ao ler Flores, uma tentativa superficial de enaltecer a arte de escrever e as suas mentes, uma predileção por palavras esquisitas e terminologia inventada que me deixa sempre de pé atrás, uma tentativa gorada desta leitora de encontrar algo de pertinente neste livro sobre livros. Diria que é um livro um tanto "preguiçoso", com muitas citações, do género "mini-tese" acerca de.

No entanto, lê-se muito bem. Há muito tempo que não lia um livro numa tarde!  

#285 TORDO, João, Manual de Sobrevivência de Um Escritor

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Opinião: 

"A literatura nasce de uma necessidade quase atómica de ordenar aquilo que surge catastrófico, de reunir num volume a fragmentada experiência humana".


João Tordo é escritor de profissão. Em 2004 publicou o seu primeiro romance, O Livro dos Homens sem Luz e em 2020 lançou este "manual de sobrevivência" onde compila o conhecimento que obteve ao longo de 16 anos de ofício.

Penso que qualquer escritor ou aspirante a escritor se vai interessar por este livro. Li-o em ebook, o que me permitiu ir sublinhando os pontos cruciais, citações e curiosidades. Achei que as referências são muito acessíveis, pelo menos tendo em conta as minhas leituras habituais.

Identifiquei-me em muitos pontos com aquilo que o escritor expõe - por ex., que um escritor que tenha experienciado dificuldades na vida será, à partida, um escritor mais capaz. Algumas observações pareceram-me muito elucidativas daquilo com que eu própria concordo...

"O papel da ficção não é pedagógico, sob o risco de deixar de ser ficção."


Fora isto, o livro está bem estruturado em capítulos que exploram as expetativas dos aspirantes a autores, os ganhos com livros - para que se desenganem se pensam que vão enriquecer a escrever literatura -, as viagens e residências literárias em torno do ofício, a inspiração ou falta dela, os livros melhor e pior conseguidos, etc. Também parece compartilhar da minha crença de que a literatura de grandes ganhos é a literatura de fenómenos, e que os fenómenos extinguem-se mais ou menos depressa e às vezes às custas da reputação do pretenso autor, que ficará assim rotulado como pertencente a um género pouco literário - a uma fórmula. Enfim, tudo depende do tipo de autor que queremos ser.
Duas notas negativas:
- Discordei do pressuposto mistério sobre o título do romance de J.D. Salinger, The Catcher in the Rye, porque é dos títulos que fazem mais sentido de sempre, perante o enredo.
- A palavra "putativo" surge demasiadas vezes, e causou-me sempre um esgar.

Conclusão: gosto de João Tordo não literário. Sabendo um pouco mais sobre a origem de alguns dos seus livros, talvez venha a ler Ensina-me a Voar Sobre os Telhados ou A Mulher que Correu Atrás do Vento.

Sinopse: O que é um escritor?
Como vive?
Como cria?
Como sente?
Partindo das suas memórias do ofício, João Tordo esboça neste livro uma espécie de manual para todos aqueles que se interessam pelo mundo da escrita sejam escritores a dar os primeiros passos ou leitores curiosos.

Misturando humor e pragmatismo, memórias de vida e conselhos úteis, o autor abre as portas da sua actividade e da sua relação com a literatura e a vida a todos aqueles que experimentam a magia da ficção.

 

Classificação: 4/5*****

#284 NEPOMUCENO, Nuno, A Última Ceia

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Sinopse: Uma nota enigmática é encontrada junto à moldura vazia de um quadro famoso. O ladrão deixou um recado. Promete repetir a façanha um ano depois.

De visita à igreja de Santa Maria delle Grazie em Milão, uma jovem mulher apaixona-se por um carismático milionário. Mas, quando alguns meses depois, é abordada por um antigo professor, Sofia é colocada inesperadamente perante um dilema. Deverá denunciar o homem com quem vai casar-se, ou permitir tornar-se cúmplice deste ladrão de arte irresistível?

Enquanto a intimidade entre o casal aumenta, um jogo de morte, do gato e do rato, começa. E aquilo que ao início aparentava ser um conto de fadas, transforma-se rapidamente num pesadelo, ao mesmo tempo que um plano ousado e meticuloso é urdido para roubar a obra-prima de Leonardo da Vinci.

Requintado, intimista, inspirado em acontecimentos verídicos, A Última Ceia transporta-nos até ao enigmático mundo da arte. Passado entre Londres e Milão, habitado por uma coleção extraordinária de personagens, para as quais a ambição e fama se sobrepõem a qualquer outro valor, este é um thriller sofisticado de leitura compulsiva.
 

Opinião: Esta foi a minha estreia com a obra do Nuno Nepomuceno. Optei por este A Última Ceia apesar de o autor me ter garantido que não há uma sequência obrigatória para compreender a sua obra. Escolhi a obra que envolvia Itália e arte, que são dois temas que casam muito bem e que me fascinam.
Até cerca de 2/3 do livro, e apesar de me interessar o assunto dos quadros roubados e de curiosidades em geral sobre a obra que empresta o título ao livro (por exemplo, que o saleiro na mesa dos Apóstolos representa a traição), avancei devagar. Esperava uma obra ao estilo de Dan Brown, isto é: especial enfoque na ação, e menos detalhe nas personagens. Fiquei assim introduzida ao Nuno, que coloca ênfase no retrato psicológico das suas personagens. O autor manteve a coesão nas ações e mentalidade das suas personagens e, ainda assim, conseguiu surpreender. O último terço do livro foi imparável. Dá-se um twist que me fez admirar instantaneamente a mente por detrás da história e, apesar de não ser um livro de emoções fortes, é um livro tecido com cuidado e minúcia, e as pistas estão lá, na subtileza das entrelinhas.
O próximo a ler do autor será, possivelmente, o Pecados Santos.

#282 TORDO, João, Manual de Sobrevivência de um Escritor

Ou o pouco que sei sobre aquilo que faço

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Sinopse: O que é um escritor? Como vive? Como cria? Como sente?
Partindo das suas memórias do ofício, João Tordo esboça neste livro uma espécie de manual para todos aqueles que se interessam pelo mundo da escrita sejam escritores a dar os primeiros passos ou leitores curiosos.
Misturando humor e pragmatismo, memórias de vida e conselhos úteis, o autor abre as portas da sua actividade e da sua relação com a literatura e a vida a todos aqueles que experimentam a magia da ficção.

Opinião: 

"A literatura nasce de uma necessidade quase atómica de ordenar aquilo que surge catastrófico, de reunir num volume a fragmentada experiência humana".


João Tordo é escritor de profissão. Em 2004 publicou o seu primeiro romance, O Livro dos Homens sem Luz e em 2020 lançou este "manual de sobrevivência" onde compila o conhecimento que obteve ao longo de 16 anos de ofício.

Penso que qualquer escritor ou aspirante a escritor se vai interessar por este livro. Li-o em ebook, o que me permitiu ir sublinhando os pontos cruciais, citações e curiosidades. Achei que as referências são muito acessíveis, pelo menos tendo em conta as minhas leituras habituais.

Identifiquei-me em muitos pontos com aquilo que o escritor expõe - por ex., que um escritor que tenha experienciado dificuldades na vida será, à partida, um escritor mais capaz. Algumas observações pareceram-me muito elucidativas daquilo com que eu própria concordo...

"O papel da ficção não é pedagógico, sob o risco de deixar de ser ficção."


Fora isto, o livro está bem estruturado em capítulos que exploram as expetativas dos aspirantes a autores, os ganhos com livros - para que se desenganem se pensam que vão enriquecer a escrever literatura -, as viagens e residências literárias em torno do ofício, a inspiração ou falta dela, os livros melhor e pior conseguidos, etc. Também parece compartilhar da minha crença de que a literatura de grandes ganhos é a literatura de fenómenos, e que os fenómenos extinguem-se mais ou menos depressa e às vezes às custas da reputação do pretenso autor, que ficará assim rotulado como pertencente a um género pouco literário - a uma fórmula. Enfim, tudo depende do tipo de autor que queremos ser.
Duas notas negativas:
- Discordei do pressuposto mistério sobre o título do romance de J.D. Salinger, The Catcher in the Rye, porque é dos títulos que fazem mais sentido de sempre, perante o enredo.
- A palavra "putativo" surge demasiadas vezes, e causou-me sempre um esgar.

Conclusão: gosto de João Tordo não literário. Sabendo um pouco mais sobre a origem de alguns dos seus livros, talvez venha a ler Ensina-me a Voar Sobre os Telhados ou A Mulher que Correu Atrás do Vento.

Classificação: 4****/5

#280 RUFINO, Lénia, O Lugar das Árvores Tristes

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Sinopse: Isabel não tinha medo dos mortos. Gostava de passear por entre as campas do cemitério, a recuperar as histórias da morte daquelas pessoas. Quando a falta de alguma informação lhe acicatava a curiosidade, perguntava à mãe...
Quando esta se recusa a dar-lhe uma resposta sobre uma mulher chamada Eulália, Isabel inicia uma busca por esclarecimentos. Só que ninguém quer falar sobre o assunto e, inesperadamente, Isabel vê-se confrontada com uma teia de mentiras, maldade, enganos e crimes que a levam a compreender o passado misterioso da mãe e a forma quase anestesiada da sua existência.
Um romance de estreia profundamente sagaz e envolvente que faz um retrato do interior português preso na tradição religiosa da década de 1970.

Opinião: 

"Porque nas aldeias tudo se sabe, mesmo aquilo que ninguém diz."

No calor do momento, tenho a elogiar muito a escrita desta autora em plena estreia. A escrita é muito equilibrada e, melhor, é aplicada na medida certa: sem ser superficial nem desnecessariamente floreada. O embalo da escrita é algo que deixa claro que estamos perante uma nova voz na literatura nacional, outro caso de uma estreia bem-sucedida.

Gosto muito da premissa do livro, da relação mãe e filhos, do mundo rural, das hierarquias que ainda hoje em dia imperam nesses lugarejos do interior. Gosto de como a Lénia põe o dedo na ferida e expõe os podres da autoridade nesses recantos de impunidade.

Por outro lado, houve algumas coisas que deveriam ter sido claras, mas que não consegui compreender (quiçá, por culpa minha):
- Descobrindo-se a possível verdade sobre a morte da D. Eulália, mistério que move a personagem principal, não percebi o porquê do silêncio.
- Estando a Isabel diante do diário da mãe, como pode ter conhecimento de coisas que tiveram lugar fora da vista e do conhecimento da mãe?

"Não se escolhe a hora a que se morre, a não ser que alguém a escolha por nós"

Por último, senti que algumas partes do livro me foram um pouco repetitivas: há uma sequência em que três personagens têm o mesmo tipo de abordagem para com o vilão, e os diálogos entregam as mesmas acusações. Por outro lado, grande parte da história é vista à lente de 1972, o que relega a nossa personagem principal para uma espécie de introdução e epílogo da história, não chegando realmente a dar-se a conhecer ao leitor.

Termino renovando a minha fé em como a Lénia regressará com outros livros e que, a julgar por este, o seu percurso será muito promisssor!