#46 - BASU, Kunal - O Português Inquieto
Sinopse: Lisboa, 1898: António Maria, jovem médico e afamado playboy, descobre que o seu pai está a morrer de sífilis, a terrível praga que afeta todas as camadas da sociedade. Órfão de mãe desde criança, António não se conforma com a ideia de perder o pai tão cedo. Determinado a encontrar a cura, parte para Pequim, na esperança de que a medicina tradicional chinesa tenha a resposta que teima em escapar ao Ocidente. Sob a orientação do Dr. Xu, António inicia-se naquela prática ancestral. Contudo, esta não vai ser a sua única revelação a Oriente. Quando conhece a sedutora e independente Fumi, ele apaixona-se pela primeira vez. Mas à sua volta, a violência eclode. A Rebelião dos Boxers ameaça todos os estrangeiros a viver no país. António terá de decidir-se rapidamente entre a fuga e a permanência na China, a sua segurança pessoal e a possível cura para a doença. E há ainda Fumi, o amor a que ele não tenciona renunciar e que o leva a questionar tudo, alterando irreversivelmente o rumo da sua vida.
Opinião: Tireimuitos apontamentos ao Português Inquieto enquanto o lia. Primeiro apercebi-meque as páginas fluíam, ao início a justificação foi simples: era um escritorIndiano a escrever sobre um médico português no século XIX, 1898. Era um livrode época a falar de Santo António, sardinhas, noivas, manjericos e tradiçõesantigas, tão nossas. Como podia nãogostar?
Depois,apesar do ritmo continuar parecido – porque ao interesse por Portugal nesteséculo, esmiuçado pelo tal Kunal Basu indiano, sobrepôs-se a vontade deconhecer a China – dessa época ou de outra qualquer, e de facto é um relatocuidado e interessante, que não soa forçado. Mas… conforme avançava, foi-setornando mais óbvio que havia algo em falta. Tive 428 páginas para desvendar oquê, e aqui surgem os motivos pelos quais este livro me deixou um travo acre naboca:
Háum leque riquíssimo de personagens e um tema central riquíssimo, que vai damedicina à cultura chinesa, à política, a tradições, costumes, gastronomia,cheiros, flora, fauna… pareceu tudo novo e vívido, como uma viagem à Chinaoitocentista envolta em nuvens de vapores de ópio… Havia cônsules e personagensde várias nacionalidades, divertidos, outros tempestivos, um padre glutão, ummestre do Nei Ching (medicinachinesa) divertido, e havia os dois eunucos (um carrancudo e outro ingenuamenteadorável), havia a Imperatriz Invisível a morar lado a lado com António nopalácio, sem se deixar ver, e havia um cigano negociante de artefactos eobjectos de valores chineses… Havia ainda a Arees em Lisboa, a suposta “noiva”de António (o português inquieto), com ideais e uma língua que não hesitava em encosta-loà parede, de tal como que comecei por pensar que eles ficavam bem juntos – istono início do livro, antes de conhecer o António e de ele partir para a China.Depois comecei a achar que ela era boademais para ele. E depois havia o António.
Sim, o português inquieto é um AntónioMaria que parte para a China obcecado com a cura da sífilis, a propósito daqual adorei ler. Mas “obcecado” parece ser uma palavra demasiado adequada aeste protagonista. Infelizmente, o António é bidimensional. No início do livrosó quer saber de mulheres. A dois quartos só quer saber da sífilis, na últimametade do livro só quer saber da Fumi – e, por cada coisa em que se foca semver mais nada, dá a vida, a segurança, as noites de sono, os pesadelos, tudo.Além disso, este António é francamente estúpido e cego. De início perguntei-mese seria uma característica da personagem – simplesmente era alheado e largavaconversas a meio. Depois apercebi-me que era o escritor a tentar prolongar os “mistérios”do livro, as “conspirações”, porque chega um momento em que todo o enredodescamba para uma teia de conspirações, dizque disse e etc. O António, como inquieto que é, esmiúça todos a propósitoda sífilis, de início. O médico que o introduz na medicina chinesa, o Dr. Xu,dá-lhe meias respostas. Muito engraçado de início, porque mantém-nosinteressados, mas a meio do livro será viável que o protagonista continue adistrair-se com os grous e as peónias a meio de conversas em que todos parecem fazê-lo de tolo? Não há uma única conversa satisfatória neste livro. Nem uma.Porque todas são interrompidas pelo “primeiro arroz” (pequeno-almoço), pelachegada de alguém, pela morte de alguém, pelos boxers ou pelo cair da noite que seja. Deu-me a ideia que o próprioprotagonista não tinha prioridades, porque o autor não se deu ao trabalho deestabelecê-las. É um burro teimoso que arrasta o leitor sem lhe oferecerrespostas, porque é um frouxo, demasiado fraco para arrancar respostas. E, piordo que isso, quando a verdade está perante os seus olhos, e é péssima: continuaa querer fazer amor com a sua querida Fumi, isto no momento em que descobre aque facção ela pertence, e que nem sabe se a sua vida está segura com ela –tudo na mesma recta de pensamentos que se segue à descoberta. Despedida dela?Não há. Depois de tanta parvoíce em seu nome, não lhe dedica um pensamento nofinal. Deu-me a ideia que é uma história baseada na Madame Butterfly, ummarinheiro que vai ao porto e tem um affair.Sim, um affair, porque onde é quehavia amor ali? O autor justificou-o com os cânones que outros inventaram.Reflexões sobre saudade e inquietude sobre o seu paradeiro e enfrentar riscosdesnecessários para estar na sua companhia. Mas como é que tudo começou? Nãosei, ele estava doente e ela “aterrou”, literalmente, em cima dele. Num momentoele não está certo se aconteceu alguma coisa – teria delirado? -, no parágrafoseguinte são amantes furtivos. Dela o que é que se sabe? Só que tem olhos côrde âmbar, quando a tonalidade, os odores da pele chinesa, o negro lustroso doscabelos chineses teriam tanta poesia para explicar o encantamento (ou palas nosolhos) do António pela Fumi… Eu não simpatizei com ela, terá sido embirrânciaminha ou ela dilui-se realmente no leque de personagens, tal como o próprio Antónioé sempre o interveniente menos interessante em cada conversa?
Nuncavi um livro com tantos problemas de falhas de comunicação. Ninguém falaabertamente, o que talvez seja compreensível se não se sabe em quem confiar.Mas é tudo dito em meias palavras e conversas inacabadas (entretanto chega ochá e muda-se de assunto), o que é um pouco frustrante quando se deseja compreender como eu. As viagens, noinício – Portugal-China -, são omissas, porque de repente ele já lá está. Seriainteressante conhecer alguns pormenores, não?
Comojustifico a estupidez gritante deste “melhor médico de Portugal” e “melhormédico estrangeiro na China”? Bom, havia conversas em que ele perguntava “porquê?”,numa perda de tempo absurda em situações de crise, quando ele devia saber, se eu sabia por conversas que ele tinha tido, os motivos. E eleperguntava “Porquê?” na maior das inocências, sem um clarão de luz que fosse. Emais, num momento crucial em que embarcar pode significar viver quando ficar emterra pode equivaler à morte, é-lhe especificamentedito que na cidade onde se encontra, nas circunstâncias em que se encontra,os chineses são muito mal vistos, principalmente por estrangeiros que têmrelações próximas com eles – por isso, muitocuidado no momento de tentar embarcar o seu criado, Tian, de quem é tambémamigo. Ora bem… o que faz o António para o salvar? São abordados no momentodo embarque e a conversa desenrola-se do seguinte modo:
«-O melhor é dizerem ao vosso criado para se despachar a trazer as vossas coisasde onde quer que as tenham escondido.
[Aoque o brilhante António responde:]
-Ele não é nosso criado.
-Não? – O americano pareceu ficar surpreendido. – Então é o quê?
-Um amigo.»
Ao que terão de descobrir vocês aonde leva estaextraordinária sinceridade do António. Bom, compreende-se que não gosto dele,certo? Da história – muito boa, embora a acção só comece a 50 páginas dofim. Das personagens? Muito boas, excepto o protagonista. Ri com o livro, porcausa de algumas personagens únicas. Com este António só exasperei. O finalpareceu-me muito apressado, meio às três pancadas, e cheguei a perguntar-me seele não teria contraído sífilis e se não estaria também ele louco. Parece umamarioneta desajeitadamente conduzida pelo autor…
Aconselho pelo valor da cultura chinesa e pelos pormenoreshistóricos e, sobretudo, pelo choque de culturas. Se ele voltar a publicar,lerei. Preciso de descobrir se o tolo é o autor (incapaz de criar umprotagonista com substância) ou o António, que era oco, coitado.
«-O melhor é dizerem ao vosso criado para se despachar a trazer as vossas coisasde onde quer que as tenham escondido.
[Aoque o brilhante António responde:]
-Ele não é nosso criado.
-Não? – O americano pareceu ficar surpreendido. – Então é o quê?
-Um amigo.»
Ao que terão de descobrir vocês aonde leva estaextraordinária sinceridade do António. Bom, compreende-se que não gosto dele,certo? Da história – muito boa, embora a acção só comece a 50 páginas dofim. Das personagens? Muito boas, excepto o protagonista. Ri com o livro, porcausa de algumas personagens únicas. Com este António só exasperei. O finalpareceu-me muito apressado, meio às três pancadas, e cheguei a perguntar-me seele não teria contraído sífilis e se não estaria também ele louco. Parece umamarioneta desajeitadamente conduzida pelo autor…
Aconselho pelo valor da cultura chinesa e pelos pormenoreshistóricos e, sobretudo, pelo choque de culturas. Se ele voltar a publicar,lerei. Preciso de descobrir se o tolo é o autor (incapaz de criar umprotagonista com substância) ou o António, que era oco, coitado.
Classificação: 3***