Opinião: Não sei que feitiço me tomou, mas espero que não se fique por aqui. Comecei a ler A Pediatra há dois dias, no Kobo. Todas as minhas leituras têm sido no Kobo. Gostava muito da premissa, mas receei que o facto de a obra ser em PT-BR pudesse desmotivar-me - porque poderia exigir um esforço extra a uma leitora já muito preguiçosa.
No entanto, a premissa tem outra complexidade para além da anunciada, a narrativa é rápida, vertiginosa. Percebemos que estamos perante uma mulher inteligente e altamente qualificada mas com problemas de relacionamento e um certo desiquilíbrio emocional - segundo Cecília, não precisar de ninguém é força, mas creio que se sente a sua carência e a sua solidão nas entrelinhas da sua voz.
Esta pediatra que «não gosta de crianças» é divorciada, vive para o trabalho e a pessoa que tem de mais próxima é a empregada, Deise, que também instrumentaliza a seu bel prazer. No emprego, Cecília é competente, mas não se entrega às crianças, não se enternece com o laço mãe-filho. Simplesmente observa tudo com cinismo, distanciamento, frieza profissional. Achei-a uma personagem muito complexa, irascível, de mau feitio e bastante amargurada com a vida.
O amante, a empregada, o pai que trabalha no mesmo edifício mas que, ainda assim, é sempre mantido à distância, o filho do amante, por quem esta pediatra que «não gosta de crianças» se encanta, sem que o leitor compreenda, sem que ela compreenda.
Acho que Andréa del Fuego criou aqui uma narrativa pujante sobre a atualidade: as lutas interiores e a exaustão de uma vida cheia de exigências em que as mulheres têm de ser exímias em tudo, em que têm de ansiar por ser mães, por uma família, por sucesso profissional e por estarem sempre lindas, perfumadas, frescas. Gostei muito da Cecília, uma mulher claramente à beira do abismo.
Sinopse: Com humor mordaz, o novo romance de Andréa del Fuego apresenta a história de uma personagem muito peculiar: Cecília, uma pediatra nada afeita a crianças.
Cecília é o oposto do que se imagina de uma pediatra – uma mulher sem espírito maternal, pouco apreço por crianças e zero paciência para os pais e mães que as acompanham. Porém a medicina era um caminho natural para ela, que seguiu os passos do pai. Apesar de sua frieza com os pacientes, ela tem um consultório bem-sucedido, mas aos poucos se vê perdendo lugar para um pediatra humanista, que trabalha com doulas, parteiras e acompanha até partos domiciliares. Mesmo a obstetra cesarista com quem Cecília sempre colaborou agora parece preferi-lo. Ela fará, então, um mergulho investigativo na vida das mulheres que seguem o caminho do parto natural e da medicina alternativa, práticas que despreza profundamente. Em paralelo, vive uma relação com um homem casado, de cujo filho ela acompanhou o nascimento como neonatologista. E é esse menino que irá despertar sentimentos nunca antes experimentados pela pediatra.
Opinião: Lido no kobo, não esperei gostar tanto deste «Leme».
Por um lado, até cerca de um terço do livro, senti que a questão da violência doméstica, por vezes subtil e até passiva, exigia uma estrutura mais densa, outro peso na narrativa que nunca mais vinha. O livro parece, em certa medida, escrito por uma mulher muito jovem, à qual falta uma certa profundidade. Parece uma voz mais juvenil, sobretudo porque antevemos o seu presente, sabemos que é adulta, mas talvez o livro só funcionasse com esse tom mais pueril.
No entanto, na segunda parte da leitura, que me agarrou pelo colarinho e que li de um fôlego, percebi que isto não é um retrato da vida da personagem, e que era essa tridimensionalidade da vida da personagem que estava em falta, e que eu continuava a procurar. Refiro-me a relatos do quotidiano em que o tal Paulo, o padrasto agressivo, não fosse a personagem principal. Foi então que me mentalizei de que o livro é sim um relato da vida com um padrasto abusivo, e vi-me obrigada a repescar o meu próprio lema, segundo o qual menos é mais. Portanto, a autora contornou a palha e levou-nos direitos ao padrasto tóxico.
Somos conduzidos pela sua infância, pelo casamento doloroso da mãe, pelas marcas que essa relação abusiva deixou nela enquanto criança e jovem. Apesar de, a tempos, o sentir um pouco superficial, houve momentos que me arrebataram por me identificar e/ou conhecer pessoas próximas que conviveram com este tipo de violência. Comoveu-me várias vezes, essa violência dos gestos bruscos, das portas a bater, dos estalidos de língua, dos objetos a voar e dos pontapés nas coisas. Toca ainda o tema da molestação de menores que, embora muito sucinto, é muito representativo dos casos reais.
Aquilo que lhe valeu as quatro estrelas foi, acima de tudo, o desprensiosismo ao contar a história, mas também os capítulos curtos que me iam catapultando de uma reflexão para a seguinte. A narrativa não tem exatamente um fio condutor - isto é, não está organizada cronologicamente, por exemplo -, mas isso também não faria sentido. Viajamos de evento marcante em evento marcante, em que por vezes o que dói é apenas a rotina numa casa que não é refúgio.
Houve dois ou três episódios que me atingiram realmente, (view spoiler), e acho que foi nesses momentos que senti a história como real, em que me recordei de que não estava simplesmente perante uma obra de ficção.
Não diria que é um portento da literatura, mas é uma boa estreia de uma autora portuguesa: uma voz sem floreados, episódios palpáveis, um enredo contemporâneo com o qual é fácil identificar-nos. Vale muito a pena pela abordagem que faz a esta questão de amarmos e odiarmos aqueles que nos são próximos, e a como isso nos rasga a alma.
Sinopse:Leme é o relato da vivência de uma rapariga que assiste, durante anos, à erosão dos pilares que sustentam as ligações humanas: vê a mãe subjugada à violência do homem com quem mantém uma relação amorosa disfuncional; vive na pele a distorção dos papéis desempenhados por pais e filhos; alimenta-se da solidão para ultrapassar um quotidiano de medo e fúria; disputa um lugar só para si no meio do caos familiar; aprende a reconhecer o consolo das pequenas vitórias; e, por fim, reconstrói-se a si e às suas memórias.
Nenhuma criança conhece de antemão os nomes das coisas, mas todas as crianças reconhecem instintivamente o perigo. Para a protagonista desta história, o perigo tem o nome de um homem, e é sinónimo de obsessão, desequilíbrio, solidão, desamparo, poucas certezas e muitas dúvidas. Leme é um golpe de escrita para regressar à vida. Uma cintilação plena de vida e um soco no escuro que nos engole: eis um livro que aponta diretamente aos limites do bem e do mal.
Synopsys: Catalina Martín desperately needs a date to her sister’s wedding. Especially since her little white lie about her American boyfriend has spiralled out of control. Now everyone she knows—including her ex and his fiancée—will be there and eager to meet him.
She only has four weeks to find someone willing to cross the Atlantic and aid in her deception. New York to Spain is no short flight and her raucous family won’t be easy to fool.
Enter Aaron Blackford—her tall, handsome, condescending colleague—who surprisingly offers to step in. She’d rather refuse; never has there been a more aggravating, blood-boiling, and insufferable man.
But Catalina is desperate, and as the wedding draws nearer, Aaron looks like her best option. And she begins to realize he might not be as terrible in the real world as he is at the office.
My Review:
I think I discovered the formula for this novels:
1. Guy falls first 2. Girl has no idea and antagonizes him or has heard terrible things about him 3. Both are drawn into a situation that could've been easily solved if they were straightforward people 4. She finds out he is not that bad 5. He is huge and his features are echoed once and once again 6. They find out they love each other and they repeat many times that she's his and he's hers and they live happily ever after.
I read it for the steam. The rest of the time is just cringe.
Sinopse: Escrito em plena tormenta da História, Suite Francesa descreve quase em directo o Êxodo de Junho de 1940, que reuniu numa desordem trágica famílias francesas de todos os quadrantes, das mais abastadas às mais modestas. Com grande audácia, Irène Némirovsky persegue as inúmeras pequenas cobardias e os fracos gestos de solidariedade de uma população à deriva. Cocottes abandonadas pelos amantes, grandes burgueses enojados com a populaça e feridos abandonados em quintas entopem as estradas de França bombardeadas ao acaso... Pouco a pouco, o inimigo toma posse de um país inerte e amedrontrado. Como tantas outras, a aldeia de Bussy é então obrigada a acolher o exército ocupante. Exarcebadas pela sua presença, as tensões sociais e as frustrações dos habitantes despertam...
Suite Francesa é, ao mesmo tempo, um brilhante romance sobre a guerra e um documento histórico extraordinário. Uma evocação inigualável do êxodo de Paris após a invasão alemã de 1940 e da vida sob a ocupação nazi, escrito pela ilustre romancista francesa Irène Némirovsky ao mesmo tempo que os acontecimentos se desenrolavam à sua volta. Embora tenha concebido o livro como uma obra em cinco partes (com base na estrutura da Quinta Sinfonia de Beethoven), Irène Némirovsky só conseguiu escrever as duas primeiras partes, Tempestade em Junho e Dolce, antes de ser presa, em Julho de 1942. Morreu em Auschwitz no mês seguinte. O manuscrito foi salvo pela sua filha Denise; foi apenas décadas depois que Denise descobriu que o que tinha imaginado ser o diário da mãe era na verdade uma inestimável obra de arte, que viria a ser aclamada pelos críticos europeus como um Guerra e Paz da Segunda Guerra Mundial.
Romance assombroso, intimista, implacável, desvelando com uma lucidez extraordinária a alma de cada francês durante a Ocupação (enriquecido e completado pelas notas e pela correspondência de Irène Némirovsky), Suite Francesa ressuscita, numa escrita brilhante e intuitiva, um momento decisivo e marcante da nossa memória colectiva.
Opinião: A fascinante Irene Némirovsky, de origem judia e nascida em Kiev, tinha planos para escrever um Guerra e Paz que narrasse a ocupação de França pelos nazis. Tinha-se naturalizado francesa havia muito, era casada e tinha filhas francesas. No entanto, sentia-se vulnerável devido às suas origens, e retirou-se para o campo com a família. Ali, enquanto esperava que o inimigo a encontrasse, acalentava a esperança de que isso nunca acontecesse. Escrevinhou um esquema geral para o romance colossal que pretendia criar, apontou as suas dúvidas, fez pesquisa, tirou notas acerca das personagens e suas vivências.
Suite Francesa é a minha estreia com a autora. Comecei por ler sobre a sua vida, e comovi-me profundamente. É costume dizer que não se deve confundir o autor com a obra, nem ler a obra influenciado pela figura do autor. Neste caso, a narrativa está tão entrelaçada com a voz da autora que a absorvi sempre ciente de quem a escrevia.
A autora criou um mosaico de diversas personagens na França de 1940. Temos os Michaud, uma família que trabalha num banco e aguarda o regresso do filho da frente, após a derrota francesa, os Péricand, da alta burguesia, ricos e, ainda assim, conscientes dos sacrifícios inerentes à época, os Corte, um coleccionador de loiça de Limoges que escapa à evacuação de Paris para depois ser tolhido pelo blackout (não podiam acender luzes em Paris durante a noite, nem sequer de automóveis, devido aos bombardeamentos dos aliados), etc.
A meio da narrativa surgem Lucille e a sogra, a senhora Angellier, bem como o oficial alemão que estas são obrigadas a alojar em casa. Toda a leitura demonstra uma humanidade profunda e espontânea. A autora não odeia o indivíduo alemão, tal como não enaltece o indivíduo francês. Retrata o primeiro com a sua sensibilidade para a arte, o seu sentido de dever e o seu saudosismo para com a Alemanha natal. Retrata o segundo com o seu snobismo de classe, o seu vício da cuscovilhice e da bebida, a sua mesquinhez ocasional. Em suma: permite-nos compreender que os homens são todos iguais, são os governos que diferem e os lançam uns contra os outros.
A narrativa foi interrompida pela deportação da autora para Auchwitz. O marido, sem fazer ideia do que significava esse lugar, bateu-se durante meses com as entidades alemãs para tentar obter notícias da mulher e trazê-la de volta a casa. Os alemães acabaram por se aborrecer com este católico tão aficcionado de uma judia, e acabaram por o executar nos mesmos moldes.
As filhas do casal fugiram com ajuda de amigos da família, estavam expostas e podiam ser consideradas judias por via da mãe. Dos objetos da casa, levaram apenas uma mala com os escritos da mãe. Décadas depois tiveram coragem de abrir o manuscrito, que julgavam ser um diário íntimo da mãe, e compreenderam que é na realidade uma obra de ficção que poderia ser disponibilizada ao público em geral.
Delicado, por vezes irónico, mas sempre pleno daquela compreensão da humanidade que só quem sofre possui, é uma leitura que vale muito a pena.