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Castelos de Letras

Em torno das minhas leituras!

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#225 CARVALHO, Maria João Lopo de, O Fado da Severa

Sinopse: Na Mouraria, cruzam-se dois mundos quando a noite cai. O dos marujos, dos rufiões, das mulheres de má vida, as tabernas enchem-se com os filhos enjeitados da cidade. À procura de consolo, de um regaço pago, de vinho e de fadistagem. Vão eles e os nobres, embuçados, em busca do fruto proibido. 


Longe do São Carlos, onde as damas e as joias são legítimas, dos palácios nas Laranjeiras, mergulham no mundo sórdido e apaixonante onde se canta e bate o fado. E ninguém o faz melhor do que Severa, filha de cigano e de meretriz. Do pai herda o tom de pele, o sangue quente; da mãe a profissão e as artes de prender os homens.
São muitos os que a visitam, mas só um lhe deixa marca, o conde de Vimioso. É dele e da Severa esta história, nascida entre corridas de toiros, casas de má fama, recitais privados. É esse o amor proibido que Maria João Lopo de Carvalho tão bem evoca, num tom que nos remete para uma Lisboa feroz e verdadeira. 
Uma história onde brilham sempre a luz e as sombras dessa Lisboa e o indomável espírito de Severa: a cigana que inventou o fado, a mulher que vendeu o corpo - mas que nunca vendeu a alma.

Opinião: Este livro foi uma grande surpresa.

Em primeiro lugar, tenho sempre muito receio de ler ficção nacional, sobretudo ficção histórica. As experiências que tenham tido levam a uma "santificação" das figuras da nossa História, o discurso desenrola-se em deixas afetadas, o retrato de época costuma ser feito com largo recurso a descargas de informação que cansam até ao bocejo. Mas a Severa não é bem uma figura passível de santificação, era cigana, prostituta e fadista, o que deve convergir para o fundo do poço da sociedade portuguesa no século XIX. A faixa da sociedade que, não fora ela e o fado, mal seria recordada pelos livros de História.

Houve coisas que considerei excelentes, outras que assim assim, outras que me aborreceram. A classificação transmite o prazer que senti ao longo da leitura, e que me fazia regressar a este livro de tanta presença, ainda para mais bonito e com uma letra gorda que muito facilitou a leitura e o avançar das páginas.

Separando as águas, vamos lá avaliar os ingredientes deste romance histórico.

Pontos positivos que engrandeceram a leitura: 
- O linguajar dos fidalgos e da canalha, que tão bem identifica o nível social a que cada um pertence nesta Lisboa da década de 30 e 40 do século XIX;
- O vocabulário de época, que nos imerge na magia desses tempos;
- As deixas românticas, que conseguem convencer sem ser melodramáticas, coisa que não teria sentido num amor entre um leviano e uma prostituta;
- O retrato psicológico das personagens, sobretudo do conde de Vimieiro, mas também da Marta Mamalhuda, do Nisa, etc., personagens com substância que saltam das páginas, e que povoam Lisboa, o que nos faze sentir que dominamos a capital e as suas figuras;
- A pesquisa histórica - é evidente, mesmo antes de chegar à "Bibliografia", que a autora se empenhou numa pesquisa meticulosa para montar a narrativa, tiro-lhe o chapéu por isso!
- As descrições de espaços, miseráveis e imundos, opulentos e vistosos, que tão bem separaram os dois mundos em que o romance se apoia;
- O conhecimento que passa, de modo natural, a respeito do fado, das suas origens e ritos naquela época que o imprimiu na genética dos portugueses.

E os pontos a melhorar que me causaram ocasional enfado: 
- Nem sempre as informações saem com naturalidade, pelo que é frequente haver grandes trechos descritivos e enumerações, ou mesmo quando as mulheres, em diálogo, falam da moderníssima machine à clavier e a descrevem por x polegadas vezes x polegadas, o que me pareceu pouco realista e que identifico como infodump;
- Na continuação do primeiro ponto, as descrições geográfica, aqui e ali, nomes de ruas, esquinas, etc., são informadas de modo exaustivo, o que talvez faça sentido porque as personagens moviam-se ali, mas também acaba por cansar tanto nome de Rua, Largo, Travessa, etc.;
- O ritmo temporal do romance é algo inconstante, porque começa com uma Severa já adulta, e segue até à sua morte, sendo que por 80% do tempo se concentra em dois ou três anos, e depois sofre um salto como se tivéssemos decidido abandonar a personagem e apressar-lhe o fim (consequentemente, rematar o livro);
- A publicidade pouco discreta a outra personagem que a autora abordou em romance, Marquesa de Alorna, apenas porque também não saiu natural;
- O facto de o mesmo acontecimento ser analisado por várias personagens, o que fez sentir que o livro somente se repetia, sem grande avanço;
- O sentir que, apesar de não ter de haver uma aura de misticismo em torno da Severa para explicar o porquê de ela ter ficado para a posterioridade, também não haver nada que dê a entender que ela era diferente das restantes mulheres do seu tempo, porque, além da sua beleza, não há grande ênfase atribuído às suas caraterísticas únicas (o ser meio cigana, o cantar melhor do que as outras, o dançar com mais alma, etc.).
- O facto de a Severa ser tão conhecida pelo seu amante, o conde de Vimioso, e de este lhe ter aberto - creio não estar errada contra esses factos históricos - a porta para os salões nobres do reino, onde ela terá atuado, ficando assim o seu nome para a posterioridade. Esta realidade é explorada de modo muito contido, aflorada apenas ao de leve.
- Por último, não gostei dos últimos dois capítulos do livro - o primeiro apressa o fim da Severa, como um ponto final abrupto, escrito de um modo tão sumário que voltei atrás para conferir se não estava a ler as Notas Finais. O último não me fez qualquer sentido, porque também não serve para mostrar que a Severa será lembrada, foge ao cerne do livro e só vem baralhar e roubar o travo de melancolia que poderia ficar no fim, e que julguei garantido por ser conhecida a sina da pobre fadista.

O balanço é positivo, porque o livro me entusiasmou do início ao fim. A autora criou um ambiente muito intenso e palpável, que acabou por se tornar uma deliciosa viagem ao século XIX. Infelizmente, foi a Severa quem mais se apagou, mas o Portugal do Costa Cabral surgiu-me bem nítido.

Classificação: 4/5*****

#224 STEPHENS, Henry Morse, Portugal - A História de Uma Nação

Sinopse: «A nação portuguesa é um produto da sua História: isto dá à História de Portugal um valor eminente». É assim que Henry Morse Stephens, docente da Universidade da Califórnia, começa esta obra notável, que em muito contribui para trazer ao conhecimento comum diversos acontecimentos até agora desconhecidos da História de Portugal. Abrange a instauração da nacionalidade, a consolidação do território e da independência, atravessa o período heroico dos Descobrimentos e a criação de um império global, as navegações em África, na Índia, no Próximo Oriente e no Brasil, e culmina no período de declínio, que começa na fatídica batalha de Alcácer Quibir e se prolonga mais ou menos até aos nossos dias, iluminado aqui e ali com alguns lampejos de uma glória fugaz.

Na primeira fase, aliou-se uma força combatente a uma sabedoria administrativa e um tato de governo que granjearam o respeito de toda a Europa. Na segunda, a dos Descobrimentos, a visão estratégica dos principais dirigentes do reino e o insuperável heroísmo dos navegadores trouxeram glória e poder à alma lusa. Finalmente, com a perda da independência e as respetivas consequências, Portugal entra na fase mais negra da sua História. Este é um livro essencial para entender o contexto e os acontecimentos que conferiram ao reino uma individualidade e uma existência nacionais de que justamente se orgulha e para vislumbrar como conseguiu um país tão pequeno erguer o primeiro império global da História.

Opinião: Henry Morse Stephens ilustra, em 308 páginas, como se formou o Reino de Portugal (desde a época em que éramos retalhos na Hispânia), até à falência da monarquia com D. Carlos. Atravessa a fundação do país, escolhendo com tacto os pormenores pertinentes para a construção de um ponto de vista: o de que Portugal, sustentado por um senso de nacionalidade/patriotismo precoce na Europa e no Mundo, é levado pelo povo através dos séculos sem nunca abdicar da sua independência. Mesmo quando interesses de nobres, clero, realeza, comerciantes e soldados se incompatibilizam com a soberania do país, o povo insurgiu-se para manter a sua nacionalidade ao abrigo de outros interesses. E também que Portugal foi, no século XVI, a nação mais rica e poderosa de Europa, e que o restante continente se ia movendo na sua retaguarda. Como o meu curso de Informação Turística me levou a conhecer, ao pormenor, a significância dos grandes monumentos do país (como os Mosteiros de Alcobaça e da Batalha), e ainda a sua História em todos os períodos áureos e de declínio, bem como o modo como tocámos em quase todos os continentes e nações no planeta, considero-me patriota. Ler um livro que expõe, de forma tão concisa e acessível a grandiosidade da odisseia dos Portugueses, nunca poderia resultar em desilusão! 

Classificação: 5/5*****