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Castelos de Letras

Em torno das minhas leituras!

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#299 FERRANTE, Elena, História de Quem Vai e de Quem Fica

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Opinião: A grande protagonista da tetralogia de Elena Ferrante é Nápoles. Nápoles e a sua microsociedade, o intrincado das suas ruas, os jogos de poder entre as personagens. A par de Nápoles, a história do século XX, aqui representada numa Itália que se debate entre os saudosistas do fascismo e a novidade do comunismo de rua, ativo e revindicativo, é o outro grande protagonista desta saga.

O fio condutor continua a ser a amizade de Raffaela e Elena, a primeira ficou no bairro, a segunda bateu as asas, experimentou um breve instante de reconhecimento pelos muitos anos de estudo e pelo livro publicado, e vive em Florença. A primeira separada, a segunda casada. A primeira com um filho crescido, a segunda a experimentar a maternidade. Como se a vida corresse mais depressa, mais intensa e impiedosa, para quem fica para trás. Como se Lila, de alguma forma, abrisse sempre o caminho, estivesse sempre mais adiante, soubesse mais da vida, e Elena simplesmente a seguisse, procurando, a todo o instante, validar a sua própria experiência à sombra da que foi de Lila.

As duas são cativantes mas, para mim, o romance ganha fôlego sempre que temos um vislumbre da vida e da mente de Lila. Para mim, a anti-heroína mais fascinante da literatura recente. É admirável que a autora tenha cimentado a inteligência e as capacidades destas duas mulheres para as conduzir por um século conturbado, com grandes mudanças, em que a mulher pela primeira vez pode usar a própria voz para fazer valer os seus direitos.

Profundamente feminista - o feminismo que considero genuíno, porque saído do suor de adversidades reais, por vezes de aspeto intransponível -, mas também realista, a história que continua a ser-nos contada chama cosntantemente o leitor a identificar-se com estas pessoas - não apenas com as mulheres principais, mas com as outras gerações também, com as suas falhas e conquistas. E, em simultâneo, não nos pede nada. Não tem pretensões de ser nada. Avançamos pelas páginas movidos pela curiosidade de saber o que é feito de fulano e beltrano, e acabamos a sentir que a nossa vida se assemelha bastante à deles e que, ao mesmo tempo, não tem nada em comum com a deles. Mas sentimos igual, ou sentiríamos igual.

Vou avançar para o quarto e último volume enquanto tenho estas personagens frescas na ideia. São muitas e todas me parecem relevantes. Não convém esquecê-las.

Sinopse: Elena e Lila, as duas amigas que os leitores já conhecem de A Amiga Genial e História do Novo Nome, tornaram-se mulheres. E isso aconteceu muito depressa. 

Navegam agora ao ritmo agitado a que Elena Ferrante nos habituou, no mar alto dos anos 70, num cenário de esperança e incerteza, tensões e desafios até então impensáveis, unidas sempre com um vínculo fortíssimo, ambivalente, umas vezes subterrâneo, outras visível, com episódios violentos e reencontros que abrem perspetivas inesperadas.

Classificação: 5/5*****

#283 FERRANTE, Elena, História do Novo Nome

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Sinopse: Este romance continua a história de Lila e Elena, tendo como pano de fundo a cidade de Nápoles e a Itália do século XX.
Lila, filha de um sapateiro, escolhe o caminho de ascensão social no próprio bairro e, no final de A Amiga Genial, vemo-la casada com um comerciante. Elena, pelo contrário, dedica-se aos estudos.
Ambas têm agora 17 anos e sentem-se num beco sem saída. Ao assumir o nome do marido, Lila tem a sensação de ter perdido a identidade. Elena, estudante modelo, descobre que não se sente bem nem no bairro nem fora dele.
No início, vemos Elena a abrir um caderno de notas onde Lila fala sobre a vida com o seu marido e as complicadas relações com a Mafia e os grupos neofascistas, que invadem os bairros com as suas proclamações.
Lila e Elena hesitam entre a tendência para a conformidade e a obstinação em tomar nas suas mãos o seu destino, numa relação conflitual, inseparável mistura de dependência e vontade de autoafirmação, em que o amor é um sentimento «molesto» que se alimenta do desequilíbrio até nos momentos mais felizes.

Opinião: Nunca pensei que este segundo volume da tetralogia superasse o primeiro, mas a verdade é que o senti pelo menos tão intenso quanto “A amiga genial”. Senti o livro igualmente profundo, igualmente pertinente. A cada página, Ferrante recorda-nos daquilo que foi o século XX na Europa do Sul, a ascensão de uma pobreza abjeta, de uma miséria obscura, das classes mais vulneráveis para a classe média. O papel dos estudos, do capitalismo, da imagem, no desenvolvimento social e na emancipação das mulheres. Parece-me que a Lila causa aversão a muitos leitores, porém permanece a minha personagem favorita. Ela permite-se ser feliz, permite-se arriscar e não tem medo de nada. Mas a vida, as amarras em torno do seu género, a prisão do bairro e a sua pertença, primeiro ao pai, depois a um marido, impedem-na de exercer o seu direito à liberdade.
Termina com uma reviravolta agradável que me levou aos meus tempos de estudante, à época em que sabia que sem um diploma nunca seria nada, nunca teria nada. E à publicação do meu primeiro livro, e ao sentimento de que, daí, viriam coisas maravilhosas.
Uma obra contemporânea com todos os contornos de um clássico e que conserva o sabor a contemporaneidade. Ferrante recorda-nos da longa estrada até sermos senhoras da nossa voz.
Venceu-se o preconceito de mulheres na escola, de mulheres a tomarem decisões sobre a sua sexualidade. Venceu-se o patriarcado, a ideia de que a mulher pertence aos filhos e à casa. Venceu-se tanto, e tanto há ainda a vencer…