Sinopse:José Costa é um escritor anónimo pago para produzir artigos de jornal, discursos políticos, cartas de amor, monografias e autobiografias romanceadas que outros assinam. Um dia, regressando de um congresso de escritores anónimos em Istambul, é obrigado a fazer uma escala forçada em Budapeste. Fascinado pela língua magiar, «segundo as más-línguas, a única língua que o Diabo respeita», José Costa retorna à capital húngara, passando a ser Zsoze Costa, e tornando-se amante de Kriska, a sua professora. A obsessão de dominar completamente o novo idioma leva-o a viver num tresloucado vaivém entre o Rio de Janeiro, onde vive com a sua mulher Vanda, e Budapeste, onde passa a viver com Kriska. Budapeste é a história de um escritor dividido entre duas cidades, duas mulheres, dois livros e duas línguas, uma intrigante e por vezes divertida especulação sobre identidade e autoria.
Opinião: «Budapeste: no exactomomento em que termina, transforma-se em poesia». Foi isto que li na badana do«Leite Derramado» a propósito do Budapeste e que me deixou de expectativas tãoaltas. Em consequência de ter lido um livro de autor brasileiro, estounovamente escrevendo a crítica nessa língua transatlântica. Devia ser proibido debochar de quem seaventura em língua estrangeira. Como eu adoro aventuras por línguaestrangeira, e conheço bem os seus triunfos e embaraços, achei sublime estaprimeira frase. Tendo gostado bastante do livro anterior, esperei apaixonar-metambém por este outro, sobretudo debruçado sobre uma capital europeia na qualdeposito bastante curiosidade. No entanto, o estilo corrido do livro, por vezesa desconexão dos acontecimentos, fez-me sentir meio perdida no meio do livro.Reconheci-lhe bastante mérito, porque quebrar com a lógica dos eventos é algoque eu não teria ainda coragem de fazer. Por enquanto vou explicando as cabeçasdaqueles sobre quem escrevo. Mas a qualidade da escrita do Chico Buarque éinegável. Tem reviravoltas que apreciei bastante, como um rosto reflectido numalente de câmara fotográfica, ou mesmo um «jacaré com controle remoto» que mepôs a rir no voo. Não perdi a fé no talento deste autor por ter gostado umpouco menos deste segundo livro seu que li. Hei de ler o «Estorvo» também.Felizmente o livro é pequeno e, apesar dos parágrafos de três páginas, li-o emtrês fôlegos.
Sinopse: Um homem muito velho está num leito de hospital.Membro de uma tradicional família brasileira, ele desfia, num monólogo dirigidoà filha, às enfermeiras e a quem quiser ouvir, a história da sua linhagem,desde os ancestrais portugueses, passando por um barão do Império, um senadorda Primeira República, até ao tetraneto, um jovem do Rio de Janeiro actual. Umasaga familiar caracterizada pela decadência social e económica, tendo como panode fundo a história do Brasil dos últimos dois séculos.
«A força maior da narrativa é, neste quarto romance de Chico Buarque, a simplicidade aparente. Lê-se e é como se cada um dos leitores pudesse ocupar um lugar na borda da cama do enfermo Assumpção e o estivesse escutando e segurando-lhe a mão, à espera do seu derradeiro suspiro.»
Jorge Marmelo, Ipsilon
Opinião: Eu tinha posto na cabeça queChico Buarque era só um "cara sensível" da Bossa Nova e que só escrevia baseado na fama que obteve comomúsico. Mas outra das minhas ideias pré-concebidas foi deitada por terra (etanto é que estou louca para ler o Budapeste,que vai directo para a wishlist).Estou até mais perto de adoptar o acordo ortográfico (brincadeirinha), sóporque também se pode fazer poesia sem C em correCto. Enfim, estou até falando português do Brasil.
Leite Derramado é a história deEulálio d'Assumpção, por amor de Deus, não se esqueçam do P em AssumPção, elefaz questão disso. É um centenário estendido numa cama de hospital a tagarelaras reviravoltas do seu século de vida com uma beleza muito particular - porqueora é sensível ora é grosso. Adorei conhecer parte da História do Brasil, e dadecadência da própria sociedade globalizada e actual, ao longo do séc. XX.Fiquei também deliciada com os pontos em que a mesma se entrecruza com o meupaís. Esta é a história de um quase moribundo que receia se esquecer da suavida, que começa o romance com uma frase inesquecível «Quando eu sairdaqui...». Daqui, donde? E está a minha curiosidade aguçada. E há a Matilde,que amei tanto quanto o Eulálio, e a Maria Eulália, filha do Eulálio, e unsquantos Eulalinhos, isto apenas para ressalvar que a estória se repete. Tanta atenção aos pormenores, tantahumanidade... o Eulálio centenário é-me tão familiar quanto os meus avôs,apaixonei-me pela leveza, o optimismo, os acessos de fúria e os caprichos a quecede na vida.
Hesitei entre um 4,5 e um 5, mas aminha percepção do romance ganha na atribuição deste último valor entre o 4 e o5. O livro pode não ser genial, mas eu queria voltar para dentro dele a cadavez que o pousava. Houve umas deixas geniais e houve momentos de puraliteratura, aquela que dá vontade de citar. E assim fiquei a saber que "A curva é o gesto do rio".