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Castelos de Letras

Em torno das minhas leituras!

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Em torno das minhas leituras!

#187 SOARES, Carla M., Limões na Madrugada

Opinião: Limões na Madrugada éuma incursão da Carla M. Soares num estilo que (julgo) lhe é novo. Digo julgo porqueainda não li A Chama ao Vento. Em termos de construção, parece-me um romance maissimples do que os anteriores. Em termos emotivos, porém, é bem mais pesado.A história é intemporal, o estilo narrativo é introspetivo, as viagens edescrições são interessantes. O enredo centra-se em Adriana, que vem daArgentina (contrariada) para receber uma herança da família (que recebecontrariada). Adorei o retrato do Porto atual, do Porto invadido de turistas efulgurante, que tem encantado toda a gente pelo globo fora. Gostei de passearpelas suas ruas, e de visitar este seu casarão, que me pareceu tão palpável.Também apreciei a história (um tanto obscura) desta família, as muitas nuances dapersonalidade de cada um, o preto e o branco num cinzento muito humano. Gosteiainda mais da vida pessoal da personagem principal, tão fora da caixa, umalufada de ar fresco na literatura. 
No entanto, senti que a dado momentofiquei encurralada nas mesmas dúvidas da personagem principal, e que a suacontrariedade me causava exasperação. Lamentei a sua falta de curiosidade pelopassado da própria família – ou a falta de coragem para explorá-lo. Tambémsenti que a personagem que a acompanha no Porto, à descoberta, é uma espécie degrilo falante, para que a Adriana possa expressar-se e trocar ideias comalguém, mas não o senti muito vívido, nem muito intenso na narrativa. Tambémos frames do passado eram por vezes pouco nítidos, narradospor vozes externas ou pela imaginação da Adriana, ou seja: não há um mergulhonessas vidas, há apenas um aflorar das águas, um espelho a mostraracontecimentos de há trinta anos, mas nunca ouvimos aquelas vozes nem sentimoso pulsar daquelas vidas. É normal, uma vez que é um livro na primeira pessoa.Porém, sinto que essa escolha da autora conteve a empatia que poderia vir asentir pelos Branco.Considerei muito interessante a premissaque retirei do livro: a de que somos um passado tantas vezes desconhecido,tantas vezes nebuloso, e que evitamos as perguntas e os caminhos que o deixam adescoberto.Continuarei a ler a Carla, quiçá de voltaao estilo a que nos habitou, ou a acompanhá-la nestas incursões por novos modosde contar estórias.Num jogo magistralmenteimaginado pela autora, entre a vida atual de Adriana e os ecos do Portugalantigo, machista e violento dos seus pais e avós, esta história, de uma famíliae dois continentes, é uma viagem entre o presente e o passado, uma ponte sobreo fosso cultural que separa as gerações, um tratado sobre tudo aquilo que afamília pode fazer à vida de um só indivíduo.Entre a sombra e a luz,deixando que por vezes os silêncios falem mais alto do que as palavras, Limõesna Madrugada é um romance sobre o amor incomum, o poder da família e anecessidade da coragem. Classificação: 3,5/5

Sinopse: Ansiosa por regressar à Argentina, mas presa a Portugal, distante do homem que ama e da mulher com quem vive, Adriana está perante um dilema universal e intemporal: manter-se comodamente na ignorância ou desvendar o passado da família, como se de um caso policial se tratasse, enfrentando assim aquilo de que andou a fugir toda a vida, por mais doloroso que seja.

#184 SOARES, Carla M., O Ano da Dançarina

Sinopse: No ano de 1918, o jovem médico tenente Nicolau Lopes Moreira regressa da Frente francesa, ferido e traumatizado, para o seio de uma família burguesa de posses e para um país marcado pelo esforço de guerra, pela eleição de Sidónio Pais e pela pobreza e agitação social e política. 



No regresso, Nicolau vê-se confrontado com uma antiga relação com Rosalinda, dançarina e amante de senhores endinheirados, e com as peculiaridades de uma família progressista. 
Enquanto a Guerra se precipita para o fim e, em Lisboa, se vive a aflição da epidemia e da difícil situação política, a família experimenta o medo e perda, e Nicolau conhece um amor inesperado enquanto trava as suas próprias batalhas contra a doença e os próprios fantasmas. Este é um romance de grande fôlego, histórico, empolgante e profundo, sobre a superação pessoal e uma saga familiar num tempo de grande mudança e turbulência em Portugal.

Opinião: O Ano da Dançarina é o terceiro livro que leio da Carla M. Soares (imperdoável nunca ter lido o Chama ao Vento), e reafirma uma vez mais a minha teoria de que se cresce a cada livro.
Neste romance encontrei um retrato fiel de época, um enredo equilibrado, um livro polido, uma história cativante. Conforme o título sugere, acompanhamos um ano específico na história do nosso país – 1918 – com todas as tropelias que o pautaram. 
Para contextualizar a época: em 1918 celebrava-se o primeiro ano após as Aparições de Fátima. Não havia santuário, não havia reconhecimento do Vaticano, não havia capelinha, e os três pastorinhos ainda estavam vivos e no pastoreio. Nesse ano deu-se um golpe de estado e Sidónio Pais torna-se presidente da recente República Portuguesa, enquanto a nobreza se retorcia ainda de desencanto para com a perda dos títulos nobiliárquicos, os republicanos andam de candeias às avessas e os políticos atropelam-se pelo controlo do futuro da nação. A somar a isto (já de si bastante, contabilizando os ataques dos anarquistas ao parlamento), o Corpo Expedicionário Português perdia a vida em vão nas trincheiras francesas, e ainda surge uma doença indecifrável, um vírus desconhecido que se pensa, hoje, ser uma variante do H1N1, uma mistura de gripe das aves e gripe suína, que se estima que tenha dizimado algo como, pelo menos, 50 milhões de vidas humanas entre os anos de 1918 e 1920 (a Segunda Guerra terá resultado em 70 milhões de mortos, e foi o momento mais negro da História da humanidade, pelo que a gripe foi quase, se não tão, letal quanto isso). 
O palco do romance é a residência dos Lopes Moreira, uma família burguesa de cinco irmãos sob a alçada dócil da mãe, viúva, num mundo em constante mudança. Nicolau, Bernarda, César, Eunice, Pedro e Guilhermina vivem um ano inesquecível pelos piores e pelos melhores motivos. 
É sobretudo a partir das vivências de Nicolau, médico-tenente, que atravessamos esse ano. Nicolau e os traumas de guerra. Nicolau e a impotência perante a epidemia. Nicolau e o papel das mulheres, a vida noturna, as doenças, a imundície de um povo sem meios e analfabeto. Gostei muito dessa personagem, bem como do seu irmão, César, que reúne uma energia muito jovem e positiva, e que foi a minha personagem favorita. Também gostei de ver os sobressaltos de uma sociedade misógina e patriarcal, que olha com estranheza o desejo de emancipação do género feminino, e que se alimenta de intrigas e jogos políticos. 
Houve partes em que se exaltava a pátria – um pouco do nosso Portugal foi forjado nessa época -, e em que me senti arrepiada, porque o retrato era tão nítido que imaginava a silhueta austera do republicano elegante, de bengala, de barbas aprumadas, de chapéu, a consagrar a sua vida e a sua liberdade ao ideal que tinha para Portugal. Diria até que se tece uma exaltação à República, quiçá involuntária, porque mostra os solavancos a que muitos foram submetidos para que outros pudessem gozar de valores maiores – o sufrágio, o direito à greve, à liberdade de imprensa e de expressão. 
E a espanhola, ou pneumónica, ou influenza, ou , um horror que se infiltrou tanto em casas de ricos como de pobres, de sidonistas e seus opositores, tão familiar que lhe deram vários nomes, e que ceifou tantas vidas em três fôlegos, dois dos quais arrasadores e vividos nesse ano de 1918... É um retrato macabro da doença, da desinformação, da impotência do ser humano mais esclarecido perante as limitações do seu tempo e do chamado progresso. O Homem vergado à natureza e suas impiedades.
Louvo a meticulosidade da pesquisa, do trabalho realizado com equilíbrio e método, e do racionalismo que, apesar da época conturbada, conduz todas as páginas. Também existem passagens de evidente emotividade, que servem para recordar que os carácteres se moldam nos momentos de maiores dificuldades, ainda que a esperança oscile a cada reviravolta dos elementos.
Um livro que recomendo pelo excelente cuidado com a época, um ano até agora um tanto ignorado no panorama literário (à exceção do Mataram o Sidónio! do Moita Flores, que, pela sinopse, se assume mais político do que social). Adoro leituras que me obrigam a pausas para fazer pesquisas no google, e que me deixam com o travo agridoce do muito que aprendi e do mais que ainda tenho de aprender a respeito de um assunto que me parece agora do maior interesse.
Um livro que apelou à nacionalista que há em mim, e que apenas não me arrancou aquela quinta estrela porque, como romântica incurável, ansiava por um "Romeu e Julieta" num livro onde a Pátria, ferida, é o motivo de todos os sacrifícios.

Classificação: 4****/*



#123 SOARES, Carla M., O Cavalheiro Inglês


Sinopse: Portugal. 1892. Na sequência do Ultimato inglês e da crise económica na Europa e em Portugal, os governos sucedem-se, os grupos republicanos e anarquistas crescem em número e importância e em Portugal já se vislumbra a decadência da nobreza e o fim da monarquia. Os ingleses que permanecem em Portugal não são amados. O visconde Silva Andrade está falido, em resultado de maus investimentos em África e no Brasil, e necessita com urgência de casar a sua filha, para garantir o investimento na sua fábrica. Uma história empolgante que nos transporta para Portugal na transição do século XIX para o século XX numa descrição recheada de momentos históricos e encadeada com as emoções e a vida de uma família orgulhosamente portuguesa.

Opinião: Escrevo a respeito deste livro sem primeiro consultar a autora do mesmo, que comecei a considerar, nestes anos de andanças literárias, como uma amiga. Estou a dever-lhe a leitura de A Chama ao Vento, mas infelizmente ainda não me converti aos formatos digitais. Terei de fazê-lo em breve, posto que devo a leitura de A Sombra de um Passado à Carina Rosa, e de Calor à Dra Maria José Núncio. Todos eles e-books, pelo que serei decerto obrigada a comprar um Kobo ou coisa que o valha… Ora bem, saboreando o prazer de ter um livro físico na mão, poder cheirá-lo e folheá-lo, fiquei encantada com a capa. Prometia tudo o que encontrei no seu interior. Desafio, História, intriga, romance. E assim foi. Falando das personagens, gostei da Sofia. Achei-a humana e compreendi-a. Não é fácil para um autor fazer uma personagem principal evoluir sem se contradizer, e a Carla conseguiu-o. A Sofia do início do livro, de espírito crítico mas conivente com os desmandos da nobreza em decadência, não é a Sofia ávida por se superar do fim, não é a Sofia que quebra com as regras e por fim compreende que se deve o direito de ser feliz. O Tião não é o típico idealista desmiolado, na realidade parece-me mais um menino mimado que até sofre boas influências, tem noção do certo e do errado, mas não consegue levar os seus planos a bom porto. Então, entre o influenciável e o impulsivo, acaba por ir pondo os pés pelas mãos e precisar da irmã. Depois há o Robert, o inglês calculista, homem de negócios quase sem escrúpulos, que se encanta pela Sofia. Porque sim, porque não é preciso motivos para uma pessoa se encantar por outra. Talvez seja da luz, talvez das almas que se reconhecem de há muito e se ligam na atmosfera que circunda os corpos, sem que as mentes o antevejam. Disposto a fazer tudo pela “posse” da Silva Andrade, aproveita uma janela do destino para reclamá-la.A grande jóia do livro é a época. Os cenários, os costumes, os entretenimentos. As personalidades da época, os bilhetinhos, o fervor republicano e anárquico, as Avenidas, os cabriolets, as viagens de doze horas de comboio, os bairros da capital e da Invicta, os hotéis, os transatlânticos e o contexto dos acontecimentos que vão tendo lugar. Deliciei-me nos cenários, por muito que haja quem se queixe das descrições, são os cenários que fazem um romance histórico. Vá lá leitores, não sejam preguiçosos! O que é um bailado sem tules? O que é um teatro sem setting? É meu gosto pessoal não gostar muito de mergulhar dentro da cabeça das personagens. É muito meu agir primeiro e pensar depois, daí que não atribua cinco estrelas. Gostaria de ter visto a personagem principal menos reflexiva e mais proactiva. Contudo, em nada prejudica o bonito quadro de época. Aconselho a quem queira espreitar a última década daquele que é o meu século histórico favorito.

Classificação: 4****/*

#23 SOARES, Carla M. - Alma Rebelde

Sinopse: No calor das febres que incendeiam a Lisboa do século XIX, Joana, uma burguesa jovem e demasiado inteligente para o seu próprio bem, vê o destino traçado num trato comercial entre o pai e o patriarca de uma família nobre e sem meios. Contrariada, Joana percorre os quilómetros até à nova casa, preparando-se para um futuro de obediências e nenhuma esperança. Mas Santiago, o noivo, é em tudo diferente do que esperava. Pouco convencional, vivido e, acima de tudo, livre, depressa desarma Joana, com promessas de igualdade, respeito e até amor. Numa atmosfera de sedução incontida e de aventuras desenham-se os alicerces de um amor imprevisto... Mas será Joana capaz de confiar neste companheiro inesperado e entregar-se à liberdade com que sempre sonhou? Ou esconderá o encanto de Santiago um perigo ainda maior?


Opinião: O meu plano inicial, ao ultrapassar o meio do livro, era atribuir-lhe um quatro e meio. Ainda assim, quatro. Estava muito concentrada nas interjeições, e embirro com elas porque dão um tom afectado ao discurso, uma espécie de suspiro muito português. As interjeições (tantos ohs, e ahs! e pontos de exclamação!) mantiveram-me longe da literatura portuguesa, mas sobretudo a má qualidade dos enredos e a pobreza de escrita foram os culpados por esse afastamento. Agora, após perseguir ferozmente este livro durante a tarde de hoje (12.04.2012), em que saiu para a luz do mercado, agora... que acabei de o ler, convido todos nós, portugueses e portuguesas amantes de um bom romance histórico, de um um bom nível de português - acessível e bem alinhavado - a embrenharem-se neste livro, que é quase uma viagem contínua. Li-o de enfiada, como se comprova com facilidade. Fala sobre uma rapariga, Joana, cujo pai é rico e despoleta, assim, as ambições de um nobre na miséria, D. Miguel. Este D. Miguel arranja um casamento entre Joana e o seu filho, Santiago, para que com o dote possa reaver um pouco da sua glória passada. 

O que dizer destas personagens? Gosto mais do Santiago que da Joana, é a verdade. Mas parece-me que ela foi escrita para se entranhar, e ele para nos apaixonar-mos à primeira vista. Contudo, no enredo, é o oposto que sucede entre os dois. Ela estranha-o e ele fica vidrado nela. 

Não é o enredo em si que me faz valorizar a história - achei a Joana um pouco queixosa para uma pessoa que tinha a melhor amiga numa situação muito pior - mas sim a humanidade que encontrei nas personagens e, sobretudo, o talento evidente da escritora, que soube valer-se de conta e medida para se manter num terreno seguro. Não dramatizou excessivamente, não caiu em clichés, surpreendeu-me até várias vezes, e agradavelmente, o que raramente acontece quando leio, posto que já li tanta coisa. 

O Santiago é cativante, qualquer mulher o quereria para si. A D. Ana é enternecedora e o D. Miguel é daquelas pessoas frustrantes com quem temos perfeita consciência de que nunca conseguiremos lidar. Considerei todo o desenrolar de acontecimentos bastante pertinente e, apesar de algumas falhas de comunicação entre as personagens principais, a autora teve suficiente mestria para nos fazer compreender, com clareza, o porquê de se compreenderem as asserções de modo oposto. O romance prometia sensualidade e gabo também a elegância, a classe, com que conseguiu envolver-nos nessa sugestão sem cair nas vulgaridades que tenho lido em muitos livros ultimamente. Já me tinha esquecido que, tal como no E Tudo o Vento Levou, meia palavra arrepia muito mais do que uma frase completa à letra. 

Curiosamente, a Joana é a personagem de quem gostei menos. Achei que a Rosália (a ama dela), a dado momento, perdeu-se no enredo, mas adorei a construção geral. Dei por mim a sorrir em diversas partes, dos atrevimentos do Santiago e das explosões da Brites e da doçura da D. Ana. Os desvios de língua da Joana também deram pano para mangas, porque incitaram o Santiago a revelar-se mais. 

Os termos históricos acho que vieram na medida certa. Dei por mim extasiada ante a menção do meu adorado romance Madame Bovary, do Flaubert, e de outras referências históricas que reconheci de imediato porque sou amante da História. O casamento de D. Pedro com D. Estefânia. A América com presidentes e quase, quase em cima da Guerra de Secessão. A inauguração, em 1856, do primeiro troço de caminhos-de-ferro em Portugal. O Brasil e a promessa de uma vida melhor... Nas últimas páginas retive o fôlego, a autora virou o enredo de forma tão convincente que vislumbrei um final alternativo para o livro, vestiu-o de nexo e de credibilidade e deixou-me a arfar por ler mais depressa. 

Em suma, todo o livro foi lido de um só sopro. Os meus sinceros parabéns àquela que considero, sem dúvida, a melhor autora de romances «romance» portuguesa. Destronou a rainha da pop destas bandas (ou rainha da asneira e da futilidade), Margarida Rebelo Pinto (atenção que nunca foi rainha alguma para mim). Um adeus também ao Tiago Rebelo, reforme-se porque não atinge (com o seu jornalismo e quês), metade da perícia com as palavras, metade da profundidade e da complexidade humanas que a Carla expôs. Um triunfo perfeito para um primeiro lançamento. Fico a contar os dias até ao próximo.
Classificação 5*****