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Castelos de Letras

Em torno das minhas leituras!

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Em torno das minhas leituras!

#70 LIMA, Beatriz, Anjo de Cristal


PARTE II (PARTE I)

Terminei a leitura.

Introdução:
A Beatriz era muito nova quando escreveu estelivro. Ainda assim, comprometer-se com 177 páginas de uma mesma história é maisdo que muitos adultos conseguem fazer, reconheço-lhe isso. Também consigoantever que, de futuro, fará muito melhor do que isto. Tem potencial, isso éincontornável. Mas esse potencial perceptível não pode toldar a minha percepçãoquanto a esta obra em particular. Bemcomo esta obra não pode toldar ascapacidades que, bem desenvolvidas, darão origem a bons enredos.

O espírito da autora transparece nesteromance. Eu própria ainda luto muito para esconder o meu nas minhas obras, e se vem mais escondido é precisamente porque aprendi a contrariar-me. Às vezes também escrevo cenasimpulsivas ou violentas que, depois, me dou conta de que ficariam melhor numlivro de Banda Desenhada com super-heróis. Tudo isso seria limado com o tempo.
Influenciada pelos romances que lia, os filmesque via, as novelas que davam, escrevi coisas semelhantes. Escrevi históriassobre gémeas, perdas de memória, mudança de nomes e de identidade, doençasterminais, meninas mimadas, o valor da amizade, mulheres a “espancar” homens defúria. Tudo isso foi limado ao longo dos últimos 12 anos, combatido,aperfeiçoado. 

Este livro, contudo, espelha bem esses meus primeiros manuscritose é por isso que não consegui deixar de sentir uma certa ternura pela autora,que me lembra de mim própria há dez anos. Os próprios nomes das personagens,como mencionei na publicação anterior, transparecem essa mesma imaturidade,pureza e denunciam o quão sonhadora é: Luz, Lua, Lírio. Fala-se em estrelascadentes e a vertente inconsciente – sonho – está muito presente. Demasiado presente. A personagem temconstantemente sonhos que a afastam da realidade e a ajudam a tomar decisões.

Balanço de ingredientes/géneros/tendências/debates:misticismo, romantismo, acção, guerra, amor, amizade, drama. Tudo vivido com amesma intensidade, lição explicada, vivenciada e aprendida em meia dúzia depáginas.

Personagem principal: Anne Marie ou “Ange deCrystal”. Não consigo gostar dela, não é coesa. Tem uma certa presença, porqueconsegui abstrair-me da escritora, de facto via esta Anne Marie, masdetestava-a ao ponto de querer esbofeteá-la. Deve ser bipolar e esquizofrénica.Contradiz-se. Ora é uma mártir ora diz que “sabe que não tem coração”. Ora éfrágil, desmaia do nada e entra em coma, ora imobiliza dois soldados e diz-lhesque o melhor é “não se meterem com ela”. Não funcionam. Os ingredientes que acompõem não funcionam.

Ritmo do livro: Ora oscila entre descriçõesintermináveis de tarefas banais, ora pula tempo precioso para se compreender ofio (de incoesão) da meada e os acontecimentos já se estão a precipitar.

Contexto temporal: desfazado.
Contexto espacial: desfazado. “Vou para aguerra”, “Quando estava quase a chegar à guerra”. Deu ideia de que a guerra éuma região da França.

Final: abrupto, a escritora parece exausta deescrever, precipita as acções finais (num clímax cansativo em que recapitula tudo o que a personagem viveu no livro)e fecha a obra.

Contexto geral: a obra existe num recanto da imaginaçãoda autora que não tem, na minha opinião, como funcionar – a menos que estainventasse um país e uma guerra e lhe atribuísse as características que bementendesse.

Enredo: cliché e previsível.

Pode ser culpa minha, porque sou presa àrealidade e ao exequível (embora reconheça falhas nas minhas obras também aesse nível, mas é sobre elas que pretendo crescer), registei muitas coisasimpossíveis que basicamente mandam a lógica à fava. Alguns exemplos (não muitomesquinhos, espero):

- Uma rapariga de vinte anos desmaia ao ver oseu grande amor e “entra em coma”;
- Uma criança de oito anos perde a mãe eadopta no mesmo instante outra mulher como mãe, chamando-a desse modo echamando “pai” a um homem que nunca viu e que está na guerra;
- Não existe espaço, o tempo é ambíguo;
- Uma mulher que acaba de perder o marido na guerra e de fazer um escândalo sobre essa notificação está a beijar um homem (segundo a temporalidade do livro) nessa mesma tarde e a dizer-se de novo apaixonada;
- A autora não se aventurou muito empormenores históricos, mas quando o faz não é assertiva;
- Uma mulher dá uma coça a dois homens(soldados) só porque está irritada;
- Os nomes (sei que insisto nisto mas era omínimo dos mínimos para a autora nos ambientar na França, já que poderia dizerque tudo se passa na Inglaterra e seria igual, visto que nunca “vemos” nem “cheiramos”a França) não têm um contexto coeso – Luz, Lua, Lírio, Liz, Liana, Anne Marie,Ange Crystal, Peter, Daniel, Roger, Diana, Margarida, Sky, Esther, Haillie,Heather, Ashley;
- Pelo menos duas pessoas dizem que “mudaramde nome”, uma para fugir à família que não aceita o seu casamento, outra parair para a guerra… não se entende porquê;
- Os temas não se conjugam bem nem são representativosda época, ou pelo menos o modo como são abordados: violência doméstica, tráficode droga, penas de prisão perpétua, adopção, jornalistas asiáticas na França ede “madeixas loiras”, revistas cor-de-rosa, lojas de pronto-a-vestir (1939)onde se compram dez casacos de uma vez em clima de austeridade e guerra.

Enfim, não me levem a mal. Não digam queestou a deitar abaixo uma autora quando deveria incentivá-la. Mas,honestamente, a mim deu-me jeito saber que havia por aí pessoas que poderiampegar no meu trabalho e decepá-lo. Tive dez vezes mais cuidado n’O Funeral daNossa Mãe, e terei vinte vezes mais cuidado quando escrever/publicar o próximo.
Perdoem-me mas não basta ter-se treze anos eescrever-se para se receber palmadinhas nas costas. Há que escrever bem para seser merecedor disso, o mérito não pode vir às prestações e não digo que aBeatriz não vá longe, mas terá sempre sido uma decisão pouco acertada ter-seestreado com este livro. O primeiro romance do Eça certamente que não foi nadadesta espécie e o Flaubert dedicou-se anosà simplicidade do seu “Madame Bovary”, que nem mexe assim tanto com pesquisaexterior mas sim com o carácter das pessoas, e não quis publicar mais nada paranão comprometer a qualidade inegável deste romance. Era um perfeccionista. Háque não se ser demasiado apressado quando queremos que as coisas corram bem.
Os meus parabéns à autora pelas 177 páginas de uma história linear, é evidente que tem a vida toda pela frente para seaprimorar. Mas não posso dar-lhe os parabéns pelo conteúdo da obra.

Anjo de Cristal...

*contém spoilers*

Lendo o Anjode Cristal da Beatriz Lima (14 anos à época da sua publicação e mais jovemainda quando o escreveu), descobri que o meu palpite acertou em certos pontos eestiraçou-se no chão noutros. Ora bem… vejamos:

Para quem não sabe a Beatriz é jovem (nasceuem 1997!) e publicou este romance pela Alphabetum edições em 2012. Acedendo ao website da editora descobri inúmeros links onde podemos acompanhar o percursoda Beatriz desde a publicação do livro, bem como a reacção da imprensa. Houve,inclusive, um convite de Moçambique para uma iniciativa cultural. Após assistirtambém a uma entrevista num programa com o José Figueira e outro com aConceição Lino, considerei que tanto alarido deveria ter algum fundamento deverdade e abri o livro, lendo as primeiras cinquenta páginas em meia hora (esem pular linhas!).

Até à página cinquenta já foi uma história deamor, uma história de amizade, uma história de guerra, uma história decaridade, uma história de violência doméstica e uma história de acção, tudoseparadamente e com a mesma intensidade a cada instante. 


- O livro evidencia um défice que qualquer amante de História considerará grave no que diz respeito ao contexto político-histórico-temporal. Poderia ser passado noutro qualquer país e noutra qualquer época;

- Concordo que é difícil, sobretudo quando se é tão jovem, fazer-se uma boa pesquisa e background num romance mas, sem querer ser má - e talvez já o sendo - mas há que ser exigentes connosco próprios e, sobretudo, não tentarmos ir além dos nossos recursos. Um ponto onde teria sido fácil a autora pelo menos aproximar-nos um bocadinho de França teria sido adoptando nomes franceses. O que não é o caso.


- Todo o livro evidencia aquilo que eu própria sentia aos doze, treze anos, quando escrevia. Uma certa leveza de espírito, um certo sentido de que há coisas a fazer em que ninguém repara, a ânsia por liberdade, até o sentido maternal, o amor romântico, me parecem familiares. A autora é uma sonhadora, consigo dizê-lo e acho bonito e puro que assim seja. O livro transpira essa mesma ingenuidade e é por isso que se fala em príncipes, fadas, estrelas cadentes e as pessoas se chamam Lua, Sky ou Lírio. 


- A acção precipita-se, tudo acontece em cinco minutos e com a maior naturalidade e, mais, assegura-se genuíno. Amores, ódios, crimes. 


- Ora o narrador surge como presente, ora parece mero espectador no modo como refere as outras personagens;


- A Anne Marie é uma “mártir” com quem seriafácil simpatizar – a deixar uma criança de c. seis anos (segundo dá a entender)com um arranhão na perna dormir na sua casa duas horas depois de a conhecer,sem sequer lhe indagar o que seja a respeito dos seus pais;


- Considero as personagensestereotipadas, desadequadas do seu tempo, espaço e pressuposta cultura, comreacções exageradas e deslocadas, rotinas fúteis e eventos precipitados, pouco ponderados;

- Vírgulas separam o sujeito do verbo;

- Enredo irrealista e a puxar ao dramático sem que os acontecimentos isso justifiquem;

Review final por surgir.
Alterei a review porque o objectivo não era ferir as susceptibilidades de ninguém, nem ser "uma cabra". No entanto não posso deixar de partilhar a minha opinião.