Uma vez que já vos falei das premissas gerais do livro, falo agora das personagens, que são tantas e tão desafiantes. Sem revelar demasiado, apresento-vos:
Mariana (14 anos no início do livro): não se dá com facilidade, confia no pai e no pai somente. Não entende a frieza da mãe e não consegue esforçar-se para ser o que D. Sofia espera de si. Encontra conforto na maternalidade da velha ama, Nuna. Descobre no Douro um refúgio onde, longe dos olhares de censura da Lisboa aristocrática onde cresceu, pode finalmente correr e viver uma infância desde sempre reprimida.
Daniel: filho de um escriturário da Cornualha, tem um verdadeiro dom no que toca a multiplicar fundos. Despreza a aristocracia e é um homem do povo. Testemunha o modo de ser português com um misto de estranheza e fascínio. Quer investir no vinho do Porto e é nesse contexto que se torna amigo de D. João.
D. João: Detém o título de Barão devido a um favor secreto que o seu avô terá prestado a Sua Majestade Fidelíssima. Com o declínio da nobreza, obrigou-se a prestar atenção aos tempos. Investiu no negócio de mobiliário e viajou várias vezes até à Índia. Dando-se conta de que a peste cinzenta lhe corrói os pulmões, pede ao seu melhor amigo que cuide da sua única filha, Mariana, e da sua esposa, D. Sofia.
D. Sofia: Deixa Lisboa contrariada. Perdeu o afecto do marido para uma criança que considera mimada e desadequada. Está determinada em tomar as rédeas do novo lar, vingando-se da sua má sorte nas criadas e em Mariana, sempre que pode.
Além deste núcleo principal, ainda temos:
Nuna: Velha ama de D. Sofia, cuida de Mariana com carinho mas não poupa nas reprimendas.
Artur: Velho caseiro do Lodeiro, no Douro. Tem um jeito engraçado (indecifrável) de falar e é inoportuno. Tudo o que lhe vem à cabeça é dito.
Isabel: Portuense, viúva, foi amante de Daniel e gozou da sua protecção contra o tio abusivo. Vê-lo partir para cumprir a sua promessa a D. João significa perder o seu grande amor e voltar para o domínio doentio do tio.
Gustave: Francês, foi posto a combater por Napoleão. Desdenha do exército francês e das suas tiranias. Marcha com Aleksander (Olek), um polaco que é obrigado a arriscar a vida pelas ambições Napoleónicas. É ao decidirem desertar que as suas vidas entram em rota de colisão com as dos habitantes do Lodeiro.
E ainda, entre os serventes:
Zé, Jaime, José, Moisés, Tristão, Joaquim, Aida, Gracinda, Maria e Miriam.
Os familiares: Manuel e Eugénia, Ada e Elizabeth.
Os amigos/conhecidos: O Governador do Porto, o irmão do Governador (Henrique), Duarte, Conde de Peniche, Condessa de Peniche e o seu séquito de filhos, o Professor Jardim, a prostituta Emília, os monges de Arraiais e o Bispo do Porto, Anthony St. Clair e outros membros da Feitoria Inglesa no Porto.
Não esquecer algumas figuras históricas que fazem pequenas aparições:
Por isso, se calhar, manter um bloquinho conforme se for lendo. Especialmente entre os criados é difícil seguir o rasto a tantas intervenções. Bem me custou criá-los, moldá-los, dar-lhes alma própria.
Há muito que queria escrever um romance histórico. A História é a minha grande paixão e a escrita é o meu modo de crescer e de me expressar. Há cerca de cinco anos que investigo o Terramoto de 1755 e, antes de começar a escrever o “1809”, agora apenas “A Filha do Barão”, fiz várias tentativas goradas de começar a escrevê-lo. O terramoto de 1755 é um poço sem fundo de informação. A cada passo que dava, descobria outro estudioso, outro contemporâneo, outro documentário português, europeu, brasileiro, etc., a seu respeito. No entanto, não me sentia com forças de começar esse romance.
Quando comecei a escrever “A Filha do Barão”, tudo o que sabia era que tinha alguns elementos díspares que iria tentar combinar; um inglês empreendedor, o vinho do porto nas mãos dos britânicos, uma jovem teimosa, um casamento arranjado. E era tudo. Sabendo que estava bloqueada quanto ao “1755”, decidi que este livro seria uma experiência. Seria eu capaz de criar algo que me satisfizesse no campo da ficção histórica? Perguntava-me quantas vezes tropeçaria na mesma cena. Enquanto estivessem sentados, de onde era a cerâmica? Que motivos exibia? Como se dirigiam uns aos outros? De quantos serventes dispunham? Quais as tarefas diárias de um lar? As obrigações religiosas? O traje? As jóias? O esperado de cada estrato social? Adivinhava-se demasiado difícil. Se calhar é por isso que tanta gente opta por pegar numa rainha de vestes opulentas e investigar-lhe a vida ao pormenor. É bem mais fácil dissertar sobre alguém famoso, sobre o qual há tantos rumores e referências, do que criar alguém de raiz e implantá-lo no início do séc. XIX. Contudo, após ler vários capítulos da Gazeta de Lisboa, comecei a mergulhar na mentalidade da época. Uma notícia em especial deu-me alento para continuar: um tal de senhor Manuel morria, aos 104 anos, e conservara todos os dentes. Trabalhara até ao fim. E, com isso, estava o pontapé de saída dado. Acostumei-me aos ofícios, aos dinheiros, à forma de tratamento. Dei alma às personagens e vali-me de inúmeras notas, bem como dos diários da Clarissa Trant, para avançar na trama. Um dos pontos cruciais seria estabelecer um prisma através do qual os britâncios vislumbrassem os portugueses. Foquei-me nas diferenças, nos passados, nas alianças, nas centenas de romances de época que li passados na Inglaterra. Debrucei-me ainda na moda, no progresso, nas ligações políticas entre os dois países, na cozinha, na bebida, nos serões de cavalheiros de um e doutro país. E apaixonei-me; pela época, pelos ideais e por estas pessoas.
De todos os livros que escrevi até agora, é ao reler “A Filha do Barão” que menos me reconheço. Porque este livro foi, mais do que qualquer outro, uma criação minha para mim. Para que eu possa ler aquilo que gostaria que existisse no mercado da literatura portuguesa. Há alguns romancistas históricos no panorama nacional que me afastaram dessas leituras, alguns deles têm vários livros em séries de rainhas, personagens icónicas da nossa História, mas achei-os tão insípidos… As rainhas como mártires, como receptáculos de desgraças e profecias de catástrofes, a estrutura muito habitual, as melancolias da infância e as projecções goradas de futuros. Não me surpreenderam nem me prenderam de modo algum. Noutros casos, a pesquisa histórica estava tão atabalhoadamente incrustrada no livro que se separa, sem dificuldade, a ficção da informação que o autor insiste em despejar naquelas páginas. Confesso que nunca li a Maria Teresa Horta nem a Maria João Lopo de Carvalho, mas os traumas anteriores fazem com que a vontade seja pouca.
Precisava de ir à livraria e encontrar algo que combinasse História - do meu país, de preferência -, erotismo com nível, personagens com conteúdo e um enredo que me prendesse. Não encontrando, sentei-me a escrever sobre este amor construído. Sobre estas pessoas imperfeitas que se esforçam por se aperfeiçoar, por crescer e por fazer face aos obstáculos de uma época conturbada.
No livro abordonão apenas as invasões napoleónicas, mas também a queda da Ponte das Barcas e apartida da família real para o Brasil. São três acontecimentos de grandeimportância para a nação portuguesa, entrelaçados com a história de Inglaterra,da França, da Espanha e do próprio Brasil. Não foi um momento fácil para meestrear nestas andanças, mas se não encontrasse algo que me cativasse teriasido incapaz de levar este romance a bom porto.
Escrito na íntegraentre Abril de Novembro de 2012, sofreu várias revisões e ajustes. Agradeço àAna Ferreira e à Inês Montenegro pelos conselhos a seu respeito. Houve muito adesbastar.
Em breve convosco,prometo 575 páginas daquilo que, até hoje, escrevi de melhor.