Opinião: "Afinal as pessoas morriam mesmo. (...) É assim que as pessoas acabam. Em reticências."
Há muitos anos tropecei ocasionalmente em As Últimas Linhas Destas Mãos, e apaixonei-me pela história. Creio que reconheci naquelas linhas parte daquilo que é a minha visão do mundo. Uma perspetiva que reconheço como feminina, mas atenta e que vai muito além dos dilemas do amor.
Em O Bairro das Cruzes, a querida Susana voltou a conquistar-me desde as primeiras páginas. É uma escrita com ritmo, fluidez e sem pretensões, mas, acima de tudo, é um livro com história. É assim que gosto de ler sobre história: os eventos que marcaram todo um povo intercalados com os eventos pessoais que marcaram as personagens que acompanhamos ao longo destas 240 páginas.
Senti, uma vez mais, uma identificação quase imediata com a relação principal, a das primas Luísa - a nossa personagem principal - e Rosa, a sua co-protagonista. A relação destas duas mulheres ao longo de mais de duas décadas, bem como a das pessoas do bairro - o avô democrata, o amigo homossexual, a burguesia bolorenta e em declínio, mas que ainda vive na casa da colina e ainda interfere no quotidiano das pessoas do bairro, e tantas outras personagens inesquecíveis. A jóia do livro é, para mim, a relação de amor-ódio (e muita interdependência) das duas mulheres principais. Mas este livro é muito mais do que isso. Nas últimas dezenas de páginas, torna-se num conto familiar intrincado, com muitas reviravoltas, que de repente encaixa todas as pontas soltas da narrativa. Nunca desconfiei da verdade que a Susana insinuou diante do leitor ao longo de toda a história; caiu-me o queixo de surpresa e, ao mesmo tempo, claro que sim. Claro que a cruz era aquela.
Aconselho muito a que o leiam e se encantem com esta viagem aos anos 60 e 70 do nosso país, contados a partir de um bairro em Mafra. Uma autora a acompanhar de perto.
Classificação: 5/5*****
Sinopse: «Esta não é uma história de amor. Não uma história de amor convencional, por assim dizer. Não tem um casal que se apaixona e tem filhos. Que troca juras de amor até que se unam na sepultura partilhada, com dizeres e fotografias a sépia. Esta não é, de todo, uma história desse tipo de amor, mas realça o elo indelével entre uma criança, a sua origem e os seus laços familiares.»
O Bairro das Cruzes conta a história da Luísa. E da Rosa. Conta a história das cruzes que carregamos desde a infância e que condicionam escolhas futuras. Caminhos que se seguem e outros que se evitam. O Bairro das Cruzes atravessa o tempo. O espaço. Mistura comunistas e PIDE e sobrevive às cheias de Lisboa. Carrega um fardo pesado e agarra à terra quem lá nasceu. Quem de lá quis sair, mas regressou. Porque o sangue pode pesar tanto quanto a pedra. E pode ser mais pesado que uma cruz.
”– Música… enfim. Olhe, quando nós trabalhávamos no bom tempo, quando não fazíamos apenas caixões mas também móveis (…) então trabalhávamos em coisas que podiam ver-se! Trabalho de marceneiro da mais bela qualidade (…) que durará cem anos. Mas música… quando para, não fica nada do seu trabalho. – Fica, Quangel, a alegria que sentem os homens e as mulheres que ouviram boa música fica.”
Opinião: Hans Fallada, pseudónimo do escritor Rudolf Wilhelm Friedrich Ditzen, é o primeiro alemão que me conquista na literatura (tentei Goethe sem sucesso). Quando um livro me arrebata deste modo, vou investigar sobre a vida do seu autor, e sobre Herr Fallada descobri factos maravilhosos. Aos 18 anos, o jovem alemão aventurou-se num duelo encenado, com o objetivo de mascarar dois suicídios – ele e o seu oponente queriam morrer devido às suas tendências homossexuais -, mas Fallada sobreviveu, enquanto o amigo morreu. Foi então internado num hospital para doentes mentais, razão pela qual não chegou a completar os estudos. Esteve várias vezes preso por fraudes e roubos, tentou alistar-se para combater na Primeira Guerra Mundial, mas não atingiu esse propósito devido aos seus problemas com álcool e morfina. Ou seja, até aos 20 anos, Fallada foi um degenerado. Falhou em todos os propósitos – estudar, combater pelo seu país, manter-se longe de brigas, manter-se dentro da lei. Mais tarde, já casado, a primeira mulher tentou divorciar-se e ele tentou matá-la, sendo novamente dado como insano e internado. Poucas semanas antes de morrer, escreveu o seu best-seller Morrer Sozinho em Berlim (no original uma espécie de Everyone dies alone), em apenas 24 dias. O romance é inspirado no casal Otto e Elise Hamper, dois resistentes ao nacional-socialismo durante a II Guerra Mundial, em Berlim. Parece-me fascinante que tantas vezes autores perturbados ou com ideologistas controversas como este dependente químico (e como Dostoievski, ou Céline, ou Knut Hamsun), acabem por escrever obras de tamanha humanidade e lucidez… Se não tivesse descoberto todos os pormenores a respeito da vida conturbada do autor, julgaria tratar-se de um alemão tradicional, conservador, austero, simplesmente desgostoso com as atrocidades que se passavam no seio da sua pátria.
Morrer sozinho em Berlim, traduzido pela primeira vez para o Inglês em 2009, e transformando-se assim num best-seller instantâneo, passa-se no período entre 1940 e 1943 na Alemanha nazi, e constrói um retrato detalhado dos vários estratos da sociedade alemã nesse período. O mais trágico é a compreensão de que o nacional-socialismo (encabeçado por Hitler) tinha total controlo sobre a população. Goebbels ocupava-se da propaganda, monopolizava as rádios e a imprensa, Göring garantia os sucessos da Luftwaffe e mesmo que os aliados tivessem começado a bombardear o coração da Alemanha, tudo era mascarado de conspirações e de tentativas de enfraquecer a fibra do povo ariano. Os alemães são instigados a pertencerem ao Partido, a enviar os filhos para a guerra, a educa-los no seio das muitas organizações juvenis, e a ambicionar-lhes um posto nas SA, nas SS ou mesmo na Gestapo. Em suma: os alemães alinhados com o regime tornaram-se coniventes com a visão brutal do partido, denunciam vizinhos, espiam, mentem, enganam, roubam. Os restantes alemães são reféns destes, mantém-se calados e na sombra, demasiado assustados para tentar assuntar a verdade, demasiado receosos até para se demitirem dos postos a que o governo os incita a exercerem a sua colaboração com o Estado.
A beleza deste romance de Hans Fallada prende-se com o facto de estarmos aqui perante dois alemães comuns, um casal de meia idade que um dia, ao perder o único filho para a guerra, começa a reparar verdadeiramente em tudo o que os rodeia. Este casal sem graça, de duas pessoas tranquilas e acomodadas, não especialmente corajosas, decide que deve fazer algo pelo seu país, deve procurar resistir de algum modo, boicotar como possam a máquina do Führer. E então começam a escrever e a distribuir postais subversivos que, se capturados, hão de custar-lhes a vida. Compreendemos a dimensão da solidão destes alemães “bons”, que nem com a família podiam trocar uma ideia sincera, uma opinião sobre o rumo que o seu país tomou. Torna-se também claro que os nazis só conseguiram subir ao poder na Alemanha, e manter-se nele, por via da grave crise económica, polícia e social, que se seguiu ao Tratado de Versailles, e também que os alemães que abraçaram a causa do império humilhado, mas povoado de arianos puros, são os miseráveis, os degenerados, os bêbados, preguiçosos e violentos que ganharam voz ao ouvir os discursos boçais de Hitler. São os homens sem coração, mas de ambição desmedida, que por fim podiam expiar as suas inseguranças, os seus traumas de desadaptados, inflingindo as maiores torturas a todos os que pensassem de modo diferente. Sabemos que os nazis exterminaram judeus, homossexuais, deficientes, mulheres, crianças e velhos por igual, e ainda os prisioneiros de guerra e os resistentes, de quase todas as nacionalidades que se atreveram a confrontá-los, mas neste romance damo-nos conta de como era a vida na Alemanha, mesmo quando a guerra ainda parecia longe. Como era viver sob constante vigilância do vizinho, sob constante cobrança do governo – que exigia donativos, apoio, voluntários para lutar, para construir caixões, máquinas para a guerra, abrigos aéreos, etc. E como foi brutal e inglório o destino dos alemães que não se identificaram com o horror, que não quiseram tornar-se cúmplices, e que por isso foram sujeitos a torturas, indignidades e execuções…
Maravilhoso. Aconselho também o documentário em vários episódios Hitler’s Circle of Evil, da Netflix. Ilustra bem a ascensão ao poder de Hitler e dos seus seguidores, muitos deles referidos nesta obra.
Classificação: 5/5*****
Sinopse: Morrer Sozinho em Berlim é o mais importante livro escrito sobre a resistência alemã ao nazismo.
Berlim, 1940. A cidade vive sob o jugo de Hitler, cujas tropas avançam vitoriosamente em várias frentes europeias. Otto e Anna Quangel recebem uma carta que lhes anuncia a morte do filho na guerra. Perante isto, decidem não permanecer de braços cruzados. Otto inicia com a ajuda da mulher uma arriscada denúncia do regime. Em resposta, o inspetor da Gestapo, Escherich, desencadeia uma perseguição impiedosa. O resultado é um thriller sobre a resistência no centro do poder nazi.
Escrito em 1946, foi traduzido sessenta e cinco anos depois e obteve um enorme êxito junto da crítica e dos leitores e foi adaptado ao cinema por Vincent Pérez.
"Vês, eu nesse tempo perguntava sempre a mim próprio: porque sou eu tão estúpido que, se os outros são estúpidos, e eu sei que são, não quero ser mais inteligente? Depois descobri, Sónia, que se ficamos à espera que os outros se tornem inteligentes, passará demasiado tempo… Depois descobri também que isso nunca acontecerá, que as pessoas não mudarão e ninguém as fará mudar e não vale a pena o esforço!”
“Crime e Castigo”, publicado inicialmente em 1866 por capítulos no “Mensageiro Russo”, tornou-se um clássico da literatura internacional. Confesso que a minha curiosidade quanto aos tão aclamados romances russos nunca foi muito intensa – li A Sonata de Kreutzer e Fumo sem encontrar nada de extraordinário excepto, talvez, algumas reflexões acerca da condição humana e uma dificuldade imensa em acompanhar aqueles caráteres impulsivos, auto-destrutivos e aqueles nomes que me soam tão exóticos. Procurei em “Crime e Castigo” traços do romantismo que, trinta anos anos, lavrava por toda a Europa – o da tuberculose, dos amores condenados, dos suicídios. Numa Rússia profundamente influenciada pelas culturas germânica e francesa, faria todo o sentido que as vozes literárias, de cunho nacionalista, se erguessem para imortalizar a essência de um povo tão sofredor, tão martirizado quanto o russo por essa altura, no entanto, com potencial para tanta grandeza…
De algum modo, “Crime e Castigo” moldou-me, preparou-me para apreciar melhor a riqueza de emoções humanas desses grandes antropólogos russos, e creio que se voltar agora a ler um desses outros romances, ou se me aventurar num Anna Karénina tirarei muito mais proveito deles do que antes de o ter lido. De repente, vejo-me fascinada pela realidade russa. Há livros assim, que nos expandem a compreensão e nos oferecem um conhecimento maior do mundo ao nosso redor. Há livros que criam um inequívoco antes e depois no leitor…
Creio que é nesse contexto que surgem Dostoievski, Tolstoi, Turguenev e tantos outros seus contemporâneos. Acredito que um escritor é melhor quanto mais tiver sofrido, quanto mais se inquietar com os desconfortos de ser de carne e osso, de sentir, de perder, e a Rússia da segunda metade do século XIX era prolífera nestes desconsolos, pelo que brotaram dela várias vozes superiores nesta nobre arte que é o observar e imortalizar um tempo por via das letras.
Acompanhamos Ráskolnikov numa espiral de desencanto quanto ao seu futuro, às suas circunstâncias e às das pessoas que o rodeiam, em especial a mãe, a irmã, o melhor amigo. Ao cruzar-se com um núcleo sofredor composto por um ex-funcionário público, a sua esposa que decaiu de um estatuto de filha de “quase” governador para infeliz e tísica mulher de um bêbedo (aliás, a personagem que mais me cativou, Katerina Ivánovna), e as muitas e miseráveis crianças desta malfadada união, começa a envolver-se nas misérias de outros, e acaba por ir pondo de lado, em ocasiões, os seus próprios delírios. Destaca-se ainda Sónia, que se ocupa do bem-estar de todos, “aceitando o sofrimento” para apaziguar um pouco as angústias de quem a rodeia, e que personifica uma espécie de Maria Madalena, abnegada e crente, benevolente e sacrificial.
Para mim, a cena de um certo banquete fúnebre é o momento inesquecível deste romance em seis partes, um humor tão apurado, tão delicioso, que não queria sair nunca daquela mesa e daquela companhia:
"- Essa cuca é que tem a culpa de tudo. Compreende de quem estou a falar. Dela, dela! - e Katerina Ivánovna indicava-lhe a senhoria. - Olhe para ela: arregala os olhos, sente que estamos a falar dela, mas não percebe. A coruja! Ah-ah-ah!... E o que quer ela mostrar com aquela touquinha? Gha-gha-gha! Já reparou que ela quer fazer crer a toda a gente que me ajuda e que me honra com a sua presença? Pedi-lhe, como a uma pessoa decente, que convidasse pessoas de qualidade, e concretamente os conhecidos do falecido, e olhe o que ela me trouxe: uns palhaços! Uns porcalhões! Olhe aquele, com a cara cheia de sinais: parece uma ranhoca com duas pernas. E estes polacos...ah-ah-ah! Gha-gha-gha! Ninguém, nunca ninguém os viu por aqui: e porque vieram cá, pergunto eu? Sentadinhos lado a lado, todos cerimoniosos. (...) Não faz mal, que comam. Ao menos não fazem barulho, mas... mas, na verdade, receio pelas colheres de prata da senhoria!... Amália Ivánovna - disse, dirigindo-se à senhoria, quase em voz alta -, se por acaso roubarem as suas colheres, eu não me responsabilizo por elas, aviso-a já! Ah-ah-ah! - e desatou a rir, dirigindo-se outra vez a Ráskolnikov, indicando-lhe de novo a senhoria com a cabeça e alegrando-se com a sua pilhéria. - Não percebeu, não percebeu outra vez. Olhe para ela, ali de boca aberta: uma autêntica coruja com fitas novas, ah-ah-ah!”
“Crime e Castigo” está cheio de personagens complexas, absorventes, que causam pasmo e exasperação. De algum modo, este segundo núcleo proporciona uma redenção inesperada à nossa alma-penada, o assassino torturado que vagueia por S. Peterburgo, o jovem idealista caído da graça de um futuro promissor, mas gorado. O autor criou, neste seu magnus opus, um retrato nítido de uma Rússia desgastada e decadente, sem oportunidades, onde imperam os vícios e as vilanias, pontuados de muita depravação e de uma tendência quase natural para transgredir a lei e os limites da moralidade, para se embebedar, e também por um certo regozijo perante a própria desgraça. A filosofia, a muita dialética que povoa a riqueza destes diálogos vertigionosos, a loucura quase palpável destas personagens em situações extremas de contrariedade e insatisfação, as sementes para a Rússia socialista ali tão evidentes…
A obra de um génio das letras e da arquitetura narrativa, que me chega tão atual, tão intemporal, cento e cinquenta anos depois do seu momento. Um daqueles livros que não conseguirei esquecer pelo tom lúgubre dos cenários, a dimensão da claustrofobia e do desespero na alma de Ráskolnikov e dos seus conterrâneos. Uma obra colossal alinhavada em torno de um jovem de 23 anos que abandonou os estudos de Direito por acreditar que as pessoas de dividem em “vulgares” e “invulgares”, e que o “invulgar” é raro e é por sua ação que o mundo progride, que a antiga ordem se desfaz para que nasça uma nova, revolucionária, e que lhe é vital ultrapassar os limites das convenções para provar a si mesmo que não é um mero “piolho”, mas sim uma “pessoa”, e por isso urge cometer um crime, livrar-se de uma criatura indesejada e até nociva para a sociedade.
"Ou supões que eu fiz o que fiz como um tolo, sem pensar? Fi-lo como um homem inteligente e foi isso que me perdeu! Pensarás que eu não sabia, por exemplo, que se começava a interrogar-me sobre se tinha o direito ao poder, precisamente por isso não tinha o direito ao poder? Ou que, se me fizesse a pergunta: é um piolho ou uma pessoa?, por conseguinte a pessoa não era um piolho para mim, mas era piolho para aquele que vai em frente sem fazer essas perguntas…”
Palpita-me que é outro livro que me ficará para a vida, que me há-de ocorrer em inúmeras situações e que voltarei a ler, quando a hora de reler os livros da minha vida chegar.
Sinopse: O humor de Caldwell, como o de Mark Twain, tem como fonte a imaginação que agita as emoções do leitor. Durante a Grande Depressão americana, a família Lester não sabe como sobreviver à miséria que se avizinha. Residem e gerem os territórios rurais da Geórgia, cultivados com tabaco e algodão, mas já nem isso os salva. Debilitados pela pobreza ao ponto de atingirem um estado de ignorância e egoísmo cruel, os Lesters preocupam-se com a fome, os apetites sexuais que os devoram e o medo de que a hierarquia social os empurre para uma camada ainda mais desfavorecida. A pobreza, o racismo e a bestialidade dos homens são aqui postas a nu, despindo a sociedade americana dos anos 20 com crueza e violência, numa tragicomédia de mestre. A Estrada do Tabaco é um dos grandes clássicos americanos de Erskine Caldwell.
Opinião: Foi a capa que, uma vez mais, me levou até estelivro. Quando o recebi em mãos entendi que esta pequena obra de 200 páginasseria devorada com rapidez. Sucede que cada livro é uma caixinha de surpresas,e este não foi excepção... A psiquiatria, nascida na Alemanha, deu o braço avárias teorias de eriçar os pêlos no século XIX. Durante a Grande Depressão(que começou em Out 1929 na América), essa ciência relativamente recenteavaliada as capacidades das pessoas, a sua utilidade social. A "Eugenia",corrente da qual o próprio autor seria aficcionado, defende a esterilizaçãoinvoluntária daqueles que a Sociedade considere não aptos a reproduzirem-se.Persone non grate. Enfim... O certo é que "A Estrada do Tabaco" é umdesfile de algumas das personagens mais abomináveis que jamais li. ScarlettO'Hara era oportunista e fútil, mas também sensata e persistente. CathyEarnshaw é igualmente fútil, vaidosa, demasiado dramática, mas ama Heathcliff.Que dizer dos Lester? Ignorantes, interesseiros, preguiçosos, oportunistas...Sempre à espera que "deus" venha salvá-los e o dinheiro chova docéu... A Grande Depressão é retratada, neste romance, a partir do núcleo deLesters que vivem à beira da estrada do tabaco. Jeeter, o pai, Ada, a mãe, aavó Lester, Ellie May que tem uma fenda no lábio, de nascença, e Dude, um maleducado de 16 anos, desobediente e obtuso. Jeeter está"aferroado" ao terreno onde nasceu na Georgia, "the oldsouth", apenas setenta anos após o Norte industrial ocupar o sulalgodoeiro e libertar os negros. É preguiçoso e vive de procrastinação: amanháserá sempre o dia em que irá pedir uma mula emprestada, revolver o solo earranjar quem lhe conceda crédito para comprar sementes. A sociedade americana vivia de crédito:mesmo morto de fome Jeeter nunca pondera ir trabalhar para as fábricas, onde sediz que poderia ganhar até 25 dólares por semana, sendo que 2 bastariam paraalimentar a família durante esse mesmo período. Nada tem, por nada luta. Apenasse lamuria e culpabiliza terceiros (ou o próprio carro, por não poder levá-lo a Augusta) da situação de misériaextrema em que se encontra. Tanto ele quanto o filho acham que os ricosdeveriam abrir mão da sua riqueza para melhor a distribuir por quem nada tem.Ou, ao menos, conceder-lhes crédito. Desconfiam dos ricos, atribuem-lhes más qualidades, embora também se deixem deslumbrar pelas suas vidas e as invejem. A Irmã Bessie é uma hipócrita ignorante de 39anos que almeja casar-se com Dude (isso mesmo, o rapazinho de 16 anos). Estapersonagem sem nariz, de fé cega num deus evangélico que muito lhe convém, foio exemplo de como a religião, sob o signo do medo e a promessa de conforto ealívio, afasta os homens da Verdade. As situações que se seguem são bizarras,retrato de uma família sem qualquer luz de conhecimento, cheios de preguiça esonhos irrealizáveis que alimentam como pretexto para se manterem quietos. Oesbanjar do que não se tem, a má gestão, mau cálculo, o despojar-se dos filhose da avó porque em última instância são meras bocas para alimentar... A lei queexiste mas não é cumprida...
O absurdo do livro estarreceu-me. Fala-se emhumor negro mas não consigo discerni-lo nestas páginas, porque sei que houve eque há pessoas assim. Aconselho vivamente, ao contrário da glorificaçãoda humanidade em horas de aperto, o autor leva-nos ao grotesco da ausência dequaisquer princípios por imposição da fome.