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Castelos de Letras

Em torno das minhas leituras!

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Em torno das minhas leituras!

#272 HEMINGWAY, Ernest, Paris é Uma Festa

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Sinopse: Em 1921, um jovem Ernest Hemingway chega a Paris decidido a abandonar o jornalismo e a iniciar carreira como escritor. De bolsos vazios e com a cabeça povoada de sonhos, percorre as ruas de uma cidade vibrante nos dias de pós-Primeira Guerra Mundial, senta-se nos seus cafés para escrever, recolhe-se em retiros apaixonados com a sua primeira mulher, Hadley, e partilha aprendizagens e aventuras com algumas das mais fulgurantes figuras do panorama literário da época, como Ezra Pound, F. Scott Fitzgerald ou a madrinha desta - por si apelidada - «geração perdida», Gertrud Stein. Situada entre a crónica e o romance, Paris é uma Festa é a memória destes anos e a obra mais pessoal e reveladora de Hemingway. Deixada inacabada pelo autor, seria publicada postumamente, em 1964.

Opinião: Esta é a quarta obra que leio de Ernest Hemingway, o controverso Nobel americano. Comecei por “Na Outra Margem, Entre as Árvores”, um livro dos anos 50 que considerei profundamente misógino. De seguida, li “O Velho e o Mar”, e não consegui deslindar-lhe a prometida profundidade. Foi em “O Adeus às Armas” que o autor me conquistou por fim, e agora com “Paris é uma Festa” a minha admiração pela obra de Hemingway consolida-se.

Parece-me transversal na obra de Hemingway que o autor fazia questão de escrever de um modo claro – sem demasiado palavreado e, segundo ele diz a determinada altura nesta obra, tem alguma aversão ao adjetivo – e também com muitos diálogos. Os temas são, quase sempre, relacionados com a experiência pessoal do autor. Sabemos que viveu em Cuba, e daí devolve-nos “O Velho e o Mar”. Combateu na Primeira Guerra Mundial e conta-nos a sua experiência em “O Adeus às Armas”. Viveu em Paris nos anos 20, onde se cruzou com inúmeras figuras de relevo no campo das artes, e este livro, meio crónica, meio romance, permite-nos acompanhá-lo na sua rotina de escritor pelas esplanadas de uma das cidades mais inspiradoras do mundo.

Nos anos 20, quando viveu em Paris com a primeira mulher e o filho, Hemingway era apenas um contista. Tinha abdicado do jornalismo para se dedicar apenas à escrita, e lutava por escrever um romance. Engraçado ver um futuro Nobel a debater-se com a escrita de um romance, mas é assim que o autor o descreve. Acompanhamo-lo sentado nos cafés e nas esplanadas da cidade, com o seu caderno e o lápis, a trabalhar no esboço de “O Sol Nasce Sempre”. Com ele cruzam-se James Joyce – a quem admira e vê como uma estrela -, Ezra Pound, T.S. Elliot, Scott Fitzgerald e tantos outros. A riqueza do livro – talvez sobretudo para uma escritora – seja esse vislumbre dos escritores sem fundos, a dormir em quartos alugados e a ansiar por um pagamento de um artigo que escreveram há imenso tempo, ou por um prémio literário que os salve da vida de artistas desgrenhados e desfavorecidos. Por ex., conta-nos que T.S. Elliot era um ótimo poeta que se refugiava sempre no mesmo banco, fizesse chuva ou sol, e que ele próprio e outros tantos uniram-se numa fundação chamada Bel Esprit para o resgatarem daquele banco com fundos comuns. Acontece que T.S. Elliot lá viu o seu trabalho reconhecido e foi premiado com uma boa soma de dinheiro, acabando por sair sozinho do banco.

Mas o livro é valioso por muito mais do que esta janela para a vida de escritores que se consagraram e venceram o teste do tempo (Joyce, que terá cegado no fim da vida, devido a sífilis, e Scott Fitzgerald, que bebia demasiado e era um tanto hipocondríaco e inseguro). “Paris é uma Festa” vale muito pelo retrato da Paris que se reconstrói após a Primeira Guerra Mundial, e que floresce por via de artistas como Picasso, Cézanne, Miró e tantos outros, que Hemingway conhece e admira. Nesta Paris do pós-guerra, vemos já as sementes que hão de arrastar a Europa para a Segunda Guerra. Fala-se em inflação, em estropiados, em militares esquecidos após terem perdido um ou mais membros pela pátria.

”Alguns usavam a fita da Croix de Guerre na lapela. Outros, ainda, ostentavam o amarelo e o verde da Médaille Militaire. Eu punha-me a observar a maneira como eles venciam a deficiência dos membros e atentava na qualidade dos seus olhos artificiais e na maior ou menor eficiência com que lhes haviam reconstruído os rostos. (…) Nesse tempo, não tínhamos confiança em ninguém que não estivesse estado na guerra; aliás, não confiávamos totalmente em ninguém, e achávamos que, na verdade, Cendrars poderia bem mostrar-se menos exibicionista quanto à falta do braço.”


Imaginar a Paris dos anos 20 com um cabreiro acompanhado de um cão pastor a tocar uma gaita de foles e a chamar os parisienses à porta de púcaro, caso quisessem leite de cabra, é precioso. A Paris onde se pescava ao longo do Sena também me parece fascinante. Em cem anos, como as coisas mudaram!

Um Hemingway em fim de vida, que não chegou a terminar esta obra nem a vê-la publicada, leva-nos de volta no tempo, e recorda-nos qual a ferramenta essencial para se criar em qualquer ramo artístico: viver.
 

 

Classificação: 4/5*****

#263 GANHO, Tânia, Apneia

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Sinopse: Quando Adriana ganha finalmente coragem para sair de casa com o filho de cinco anos, pondo fim ao casamento com Alessandro, mal pode imaginar que o marido, incapaz de aceitar o divórcio, tudo fará para a destruir - nem que para isso tenha de destruir o próprio filho.

Apneia é uma viagem ao mundo sórdido da violência conjugal e parental, através de um labirinto negro em que os limites da resistência psicológica são postos à prova, ameaçando desabar a qualquer instante, e dos meandros tortuosos de uma Justiça por vezes incompreensível, desumana e desfasada da realidade.

Escrito com uma sobriedade e frieza inquietantes, Apneia é um romance intenso, absorvente e perturbador, que ilustra com uma autenticidade desarmante o estado de guerra em que vivem milhares de famílias estilhaçadas, e com o qual, inevitavelmente, muitos leitores se vão identificar, encontrando nestas páginas ecos da sua própria experiência.
 

 

OpiniãoApneia é o primeiro livro que li da autora Tânia Ganho, apesar de já ter lido ótimas reviews de A Mulher-Casa. Apesar de se tratar de um romance gigantesco de 690 páginas, li-o em três fôlegos. Terminei-o compulsivamente de madrugada, e refleti sobre ele e acordei a tentar pôr as ideias no lugar.

Este é um romance sobre burocracia, sobre tribunais, autoridades, profissionais de saúde mental, e retrata a infindável luta de uma mãe pela segurança do filho. É um livro avassalador, que nos angustia e envergonha, que nos deixa frustrados e impotentes, envolvidos nesta espiral de desespero, de declínio emocional. É a história de uma mulher (mãe) no limite, mas também de uma criança manipulada por um pai sádico e do sistema que cede terreno para que o pai pratique os seus abusos psicológicos.

Conforme a sinopse indica, Apneia conta a história de um divórcio litigioso, e das lutas em tribunal pela guarda de uma criança. Adriana é pintora, e portanto sensível e fraca. Ela própria reconhece o seu lado subserviente, e torna-se assim a vítima perfeita para um homem manipulador e sem escrúpulos (provavelmente um sociopata) como Alessandro. Depois de anos a destruir a auto-estima da mulher, ele jura-lhe que vai deixá-la sem nada quando esta se atreve a pôr um ponto final no casamento. Como qualquer calculista, depressa compreende que o melhor modo de a destruir emocionalmente é usando o filho, Edoardo, como arma de arremesso.

A construção das personagens está muito bem feita. Adriana e Edoardo passam por várias fases ao longo da narrativa, há um crescimento dos dois, e foi precisamente a evolução de Edoardo, enquanto a disputa pela sua "posse" se arrastava em tribunal, que me manteve tão presa ao livro. Quanto a Adriana, exasperou-me muitas vezes. Apetecia-me sacudi-la, esbofeteá-la, passar-lhe parte da minha fúria e sentido de inconformismo, mas tive de entender que nem todas as mulheres dispõem de ferramentas para pararem o mal quando ele as toma como alvo. Como é sugerido no livro, quando não se sabe o que é o ódio, não sabemos como defender-nos quando nos odeiam (parafraseando).

O lado exasperante do livro é a surdez e a cegueira da Justiça face à questão da guarda deste jovem, decidida na barra do tribunal de menores. A frustração de sentir que falamos sem ser ouvidos, que esbarramos em autorizações, gente incompetente, prazos infindáveis, desprezo e falta de empatia, está muito bem descrita e rouba-nos o ar. Há uma sensação de urgência, de luta por sobrevivência, por paz, ao longo de todo o livro. Há uma Adriana que, apesar de nunca baixar os braços, se vai transformando num náufrago, despojada de vida pessoal, de tranquilidade para criar, de liberdade para se mover e para levar o filho consigo. A sombra do ex-marido priva-os de ar, mantém-nos suspensos do medo, do terror, da insegurança. Como dizia um investigador num programa sobre abusos domésticos a que assisti, violência doméstica é homicídio em câmara lenta, e não é preciso introduzir violência física na equação para comprometer a integridade física de uma vítima. Em vez de nódoas negras e abrasões, Adriana tem ansiedade, ataques de pânico, depressão.

A somar ao tema premente, desconcertante, e às personagens palpáveis, a autora entrega-nos a história com uma prosa magnífica. Maravilhava-me ao ler os seus parágrafos sobre as reflexões de Adriana, sobre os seus sentimentos e sobre o seu despertar da ingenuidade para a realidade da indiferença e do descaso. Tantas vezes pensei que, se este livro fosse editado em língua inglesa, com certeza seria um best-seller internacional e rapidamente adaptado ao cinema.

Acrescento ainda o retrato de Lisboa, da Margem Sul e "da ilha" como locais que me são próximos e palpáveis. Adoro ler romances com esta qualidade descritiva sobre paisagens que me são caras, que conheço e que vejo assim envoltas em poesia, em melancolia.

Atribuo 4,5 estrelas ao romance, e não 5, porque este livro esteve quase, quase a tornar-se um dos livros da minha vida. Tal foi o prazer e o envolvimento com que o absorvi, que o final não me satisfez e decidi arrumá-lo para o canto. Na minha cabeça, a história não terminou como a autora a escreveu, mas sim do modo como eu vinha imaginando nas últimas cem páginas. Não é do leitor "gostar" ou "não gostar" de um final, mas num livro que mexeu tanto com os meus sentimentos, que se tornou tão íntimo, antevi um final. Entranhei a lição, e por isso acarinho essas ideias que o livro plantou em mim, e que não se coadunam com as páginas que o encerram.

Livro obrigatório e escritora a seguir de perto. Recomendo sem reservas.

 

Classificação: 4,5****/*

#234 LEVIN, Ira, Rosemary's Baby

Mia Farrow (Rosemary), no filme de Roman Polanski

Ouvi o audiobook abaixo:



Opinião: Rosemary's Baby é o primeiro livro do género "terror" que me atrevi a tocar. Ouvi o audiobook completo, disponível no Youtube.

Trata-se do segundo livro publicado por Ira Levin em 1966, e vendeu milhões de cópias, despertando o mercado da época para o potencial lucrativo do género. Creio que a adaptação para o cinema, em 1968 por Roman Polanski, tenha ajudado a imortalizar esta dona de casa dos anos 60, bem como a realidade dos nova iorquinos nessa década.

Segundo o livro nos leva a crer, não é fácil encontrar um lugar decente para viver no centro de Nova Iorque nos anos 60. O casal Woodhouse acabou de alugar um apartamento a custo, mas são surpreendidos pela notícia de que está um outro disponível, com 4 quartos, construção pré-II guerra e vista para Oeste do Central Park. É um sonho tornado realidade para o casal Woodhouse, sendo que Rosemary, de 24 anos, se mostra muito insistente para que agarrem a oportunidade de se mudar para o Bramford. Em conversa com um amigo, Hutch, os dois anunciam a boa nova sobre a mudança, e Hutch tem algumas histórias macabras para lhes contar acerca do local e dos seus antigos rendeiros. Desde mortes misteriosas a cultos satânicos, Hutch aconselha-os a ficarem longe daquele edifício porque, apesar de bem localizado, as coisas más tendem a acontecer com maior frequência nele do que em outros prédios da Big Apple.

O casal Woodhouse decide ignorar o aviso e afastar as crendices do amigo mais velho, pelo que selam o negócio e em breve se vêem no 7º Piso do Bramford. Guy é um ambicioso aspirante a ator e Rosemary é um tanto simplória e ingénua - talvez devido à juventude -, e também me parece muito submissa, de tal modo que permite que todos ao seu redor tomem disposições a seu respeito por ela. Creio que Rosemary é uma vítima da prisão domiciliária que era tantas vezes o casamento no século XX, em que o marido é o sustento da casa e a mulher lhe deve gratidão e obediência. É também vítima absoluta das circunstâncias que a rodeiam - do desejo de ascensão social do marido, das convenções sociais que a impedem de recusar a atenção desmesurada dos vizinhos, etc. A sua liberdade - inclusive ao nível do corte de cabelo - é constantemente castrada pelas exigências e palpites de quem com ela priva.

Julguei que a história tivesse a casa - e os seus ruídos e antigos ocupantes - como fonte dos horrores, mas o Mal nesta obra tem outra origem. Em breve, Rosemary vê-se prisioneira da vontade do marido, dos vizinhos Minnie e Roman, do seu obstetra aconselhado por estes últimos, e dá por si isolada, assustada, desconfortável na sua condição de grávida e enclausurada. É como se a sua gravidez fosse propriedade de todos, e todos tivessem algum interesse macabro a seu respeito.

Creio que o grande feito de Levin, nesta obra, é a de transformar uma cidade tão ampla e cheia de vitalidade, como Nova Iorque, num retiro lúgubre, claustrofóbico, onde Rosemary se sente sufocada de atenções e envolvida numa conspiração que, quando revelada, é demasiado cruel - e horripilante - para que possa acreditar!

Aconselho e estou louca por embarcar em outros enredos do género.

Classificação: 4/5*****

#197 HOOVER, Colleen, Isto Acaba Aqui

Sinopse: Grande Vencedor do Prémio Goodreads Melhor Romance de 2016

O que te resta quando o homem dos teus sonhos te magoa? Lily tem 25 anos. Acaba de se mudar para Boston, pronta para começar uma nova vida e encontrar finalmente a felicidade. No terraço de um edifício, onde se refugia para pensar, conhece o homem dos seus sonhos: Ryle. Um neurocirurgião. Bonito. Inteligente. Perfeito. Todas as peças começam a encaixar-se.
Mas Ryle tem um segredo. Um passado que não conta a ninguém, nem mesmo a Lily. Existe dentro dele um turbilhão que faz Lily recordar-se do seu pai e das coisas que este fazia à sua mãe, mascaradas de amor, e sucedidas por pedidos de desculpa.
Será Lily capaz de perceber os sinais antes que seja demasiado tarde? Terá força para interromper o ciclo?


Opinião: Este livro partiu-me o coração de um modo absolutamente inesperado. Contava com violência e com alguma ilusão, mas não estava à espera que as minhas emoções fossem catapultadas para o centro daquelas vidas, não me esperava que um assunto que não me é familiar se tornasse tão íntimo.

Acho que é sabido que o livro narra a história de uma relação abusiva, mas narra mais do que isso. É exímio em colocar-nos na vida de Lily Bloom, no entendimento profundo quanto aos seus sonhos e sentimentos. Um livro tão bom nos detalhes significativos para as personagens que senti estar sempre por dentro do que magoaria uns e outros.

Há que admirar a autora por não ter pintado a história de negro. Foi a primeira vez que li Colleen Hoover e fiquei impressionada com as dimensões que imprimiu a estas pessoas. Gosto de livros em que o bom não é só bom, e o mau não é só mau. Gostei, sobretudo, de como fiquei tão abalada quanto a Lily; de como, tal como ela, não imaginava que nada de mau pudesse vir do homem que alterara a sua vida por ela, para a incluir, e que tanto a apoiava e elogiava a cada nova conquista. Quando veio, e todos sabemos que veio, porque a sinopse o anuncia, foi de partir o coração. Pelos dois. E porque Ryle Kincaid, neurocirurgião, não é só um homem que perde as estribeiras de vez em quando: em muitos aspectos, é o homem dos sonhos da Lily e de muitas mulheres em geral. Daí que seja um livro sobre limites. Quanto estamos dispostos a suportar de mau, de indiscutivelmente mau, para podermos beneficiar do lado bom, que é genuinamente bom? Há modo de virar o rosto à mácula e continuar pela vida com a sensação de gratidão inicial?

De louvar que a autora se tenha empenhado em fazer do agressor um homem tão fascinante, para depois nos lançar para o limbo de o amarmos naquelas circunstâncias. O dilema é real: qualquer mulher - moderna, educada, consciente dos seus direitos e da lei, garantiria deixar no mesmo instante o homem que lhe levantasse a mão. Eu própria, confrontada com esse tema e viajando pelos seus meandros quando escrevi Demência, estava certa de que teria feito as coisas diferentes. Não teria sido tão passiva. Isto até ler Isto Acaba Aqui. O ângulo é diferente do meu, é uma perspectiva mais intimista. O sufoco é presente e procura ser ultrapassado enquanto, nas minhas linhas, se trata de algo resolvido.

Não esperava o final. De modo algum. Não o adivinhei nem duas linhas antes de o ver chegar. Foi do nada: estava ali a solução, o final, o caminho possível. E a cena é de uma emotividade poderosa, e o meu peito debatia-se com a razão, que concordava e aplaudia, tudo isso enquanto queria chorar de desgosto. Se soubesse que ele se aproximava, se a compreensão viesse em crescendo não tenho dúvidas de que teria quebrado em soluços.

Em geral, não esquecerei a história. Achei-a bem fundamentada, sentimentalista q.b., cheia de personagens multidimensionais, humanas e falíveis. Daí que o tenha lido num dia. Estarei atenta à autora, e pelo que vejo há bastantes outras obras da sua autoria com classificações tão boas no GR.

Classificação: 5/5*****

#193 GREENE, Graham, O Fim da Aventura


Sinopse: A relação amorosa do romancista Maurice Bendrix com Sarah Miles inicia-se nos tempos turbulentos do Blitz, em Londres. Mas, um dia, sem explicação, Sarah termina abruptamente a ligação entre ambos. Parecia impossível que pudesse existir um rival no coração de Sarah, mas mesmo assim, dois anos depois, levado por um ciúme e uma dor obsessivos, Bendrix contrata um detetive privado, Parkis, para a seguir e descobrir a verdade. Esta absorvente e misteriosa história de uma aventura amorosa e do seu místico fim, contada de forma magistral por Graham Greene, foi adaptada ao cinema por Neil Jordan, com Ralph Fiennes, Julianne Moore e Stephen Rea nos principais papéis.


Opinião: O Fim da Aventura foi publicado em 1951, da autoria de Graham Greene, “um eterno candidato ao Nobel”.

O romance permanece contemporâneo no conteúdo, se não na forma. Perguntei-me – sem conhecer o suficiente de literatura – em que categoria enquadrá-lo, e o mais perto que julgo ter chegado é no algures entre o ultrarromantismo do fim do séc. XIX, e o realismo da época em que floresceu. Se, por um lado, as personagens têm todas as nuances de complexidade desejáveis, por outro os sentimentos, o amor – a obsessão – são exacerbados para além do plausível. Depois questiono-me se não será a vida, ela mesma, uma série de acontecimentos extraordinários, que escapam à chapa preta e branca dos outros que acabam por se ver esquecidos. E, nesse caso, não terá Graham Greene contado esta história de acontecimento extraordinário em acontecimento extraordinário, ocultando o nada que faria deles plausíveis? Ou, mais precisamente, de emoção avassaladora em emoção avassaladora, até que todas as emoções já nos parecem banais e iguais em intensidade, e a personagem principal, que narra os acontecimentos, torna-se um histérico desequilibrado, conquanto não difira muito de todos nós?

O livro é sobre Sarah Miles. De início, julguei que fosse sobre Maurice Bendrix, o escritor que se compromete, às primeiras linhas, a alinhavar um “diário do ódio”. Depois, a cada vez que evoca Sarah nas suas memórias, damo-nos conta de que a verdadeira dinâmica é ela, a personagem mais vívida, com contornos mais realistas – e em simultâneo mais etéreos – é ela. Sarah vista a várias luzes. Aos olhos do apaixonado e ciumento Bendrix, à luz do marido que a estima, mas que é incapaz de sentir paixão, pela perspectiva do Padre a quem se confessa, quando sente que mais ninguém lhe pode valer, etc. Sarah sob várias perspectivas, para uns uma santa, para outros, e para ela mesma, uma prostituta e uma impostora.

O livro é também sobre pessoas imperfeitas, tão intrincadamente envolvidas uma nas outras que se gera uma corrente de energia, em que amar uma é amar todas, e odiar uma é odiar todas, e o amor é a outra face desse ódio, e acaba-se por se amar o que se considera patético, e por se odiar o que nos é essencial à vida.

O retrato psicológico de Bendrix é o de um homem reservado, metódico, nada leva a crer que seja dado a grandes aventuras. E, no entanto, é um homem cuja obsessão pela Sra. Miles torna instável. Porquê “obsessão”, assim tantas vezes repetida? 

“Tinha de tocar-te com as minhas mãos, de saborear-te com a minha língua; não se pode amar e não fazer nada."

Porque, para Bendrix, o importante é possuir Sarah, em todas as possíveis interpretações da palavra. Tê-la para si. Ocupar-se da sua mente e corpo. Garantir que ela não é e jamais será de outro. Chega a dizer que um amante, por vezes, gostaria também de ter sido pai e irmão, para assim se ver na posse de todos os momentos, de todas as lembranças, relativas ao objecto cobiçado.

Sem dúvida um contributo para a compreensão da frágil condição de amantes (=pessoa que ama), e de humanos. Graham Greene conseguiu que os bombardeamentos em Londres ficassem para segundo plano, porque aquelas pessoas estão tão centradas em si próprias que nada mais lhes interessa. Um romance de simplicidade desarmante, que acaba por primar pelo detalhe com que explora a natureza humana. Recordou-me o meu adorado Somerset Maugham, e o seu O Véu Pintado.

Classificação: 4/5*****

#192 HARPER, Jane, A Seca


Opinião: A Seca é o romance de estreia de Jane Harper, mas isso já vocês sabem. Para mim, o interessante aqui é tratar-se de um romance estilo policial escrito por uma mulher, e ser, de facto, um livro muito bem conseguido. Isto é: parabéns às mulheres, que por fim se têm afirmado em campos tradicionalmente masculinos. De repente, temos uma série de policiais de grande sucesso escritos por punhos femininos. Destaco o óbvio: Em Parte Incerta, que adorei.

De início tive dificuldades em entrar na escrita. Pareceu-me prenhe de pormenores desnecessários. Entretanto tornou-se melhor, e começou a manifestar-se aquele nervosismo de querer regressar à história e às suas páginas, por isso, aí pela página 100-120, já estava rendida. 

A pergunta que ressoa na cabeça do leitor, como na dos investigadores, é: Terá Luke realmente enlouquecido e chacinado a própria família, tendo-se suicidado de seguida? Se sim, porquê? Se não, quem terá sido o autor de tamanha monstruosidade?

O livro tem Aaron Falk como personagem principal, porém o seu trabalho como agente federal prende-se, sobretudo, com crimes financeiros. A sua permanência em Kiewarra deve-se ao facto de o homem acusado de ter trucidado a família, antes de se suicidar, ser o seu grande amigo de infância. Aaron e Luke já não eram próximos há muito, mas o passado de ambos, a partida a abrupta de Aaron daquela pequena comunidade e o suicídio/assassinato de uma jovem há vinte anos, unem-nos numa teia de suspeita. A investigação de Aaron em conjunto com Raco, o chefe da polícia local, não tem por base nenhuma pista que não a incredibilidade dos dois homens perante o cenário macabro. A conclusão da polícia fora a de que Luke se suicidara após matar a mulher e o filho, devido às dificuldades causadas pela seca. Raco encontra pequenas incongruências na narrativa, e Aaron não está certo de que o seu grande amigo de infância fosse capaz de tal atrocidade. Mas também não está seguro de ainda o conhecer, pelo que todo o romance é sustentado por dúvidas e rasgos de esperança.

A principal riqueza do livro são as personagens. Aaron destaca-se como um agente inteligente, firme, mas o livro não é esporeado por momentos Eureka!. A investigação dá-se com naturalidade, sem rasgos de brilhantismo, e é trabalho de equipa. Por esse motivo, apaixonamo-nos por grande parte das personagens, pela sua história de vida. Os pais de Luke são o retrato da família plena de amor, agora destroçada. Mal e Don Deacon são dois homens irascíveis, moldados pela dureza das circunstâncias. Gretchen é a amiga que sobrou da adolescência, com quem Falk poderá revisitar o seu passado sob bicicletas nos caminhos de acesso ao rio Kiewarra. McMurdo é um descendente de escoceses que acabou naquele fim do mundo, a embebedar os locais noite após noite no seu pub, e a escutar as ofensas grotescas dos bêbedos. Todas as personagens contam, e o puzzle é extenso, intrincado, complexo.

O mistério é resolvido devido a um oficial atento. A teoria que eu tinha alinhavado desde o início não se concretizou, o que é óptimo e adicionou o elemento imprevisível ao livro. As últimas páginas são, como é costume no género,sorvidas sem pausas para tomar fôlego.

Se Aaron Falk voltar a estar envolvido em investigações - e parece que já está, em Force of Nature -, serei sua seguidora atenta. Basta que o publiquem em Portugal, para poder arrumá-lo na estante ao lado deste primeiro volume. Ao contrário de A Rapariga no Comboio, que encerrou a autora por ali para mim, Jane Harper conquistou o meu interesse.

O cenário devastador da Austrália rural e sujeita às intempéries, e de uma pequena comunidade a sobreviver nessas dificuldades, recordou-me também a mesquinhez e o azedume - pontilhado do humor aguçado - de A Modista. Só vi o filme - uma, duas, já três vezes. Talvez A Seca me leve a ler esse livro também. Dei-me conta de que a Austrália é o cenário perfeito para se esmiuçarem passados conturbados na literatura.

Em resumo, aconselho a leitura a quem quer um policial elaborado, que foge à linha industrial da construção do género. Isto é, sem serial killers nem psicopatas. Apenas pessoas calejadas, fragilizadas, sob pressão, e por isso perigosas.

Sinopse: No calor sufocante do deserto, uma pequena vila é abalada por um crime inexplicável. Luke Hadler, filho da terra e amado por todos, matou brutalmente a mulher e o filho, tendo-se suicidado em seguida. Dos alegres retratos de família apenas sobreviveu a pequena Charlotte, de 13 meses.
Ninguém parece duvidar da explicação oficial para o crime exceto os pais de Luke, que tentam convencer o amigo de infância do filho, Aaron Falk, a manter a mente aberta a outras possibilidades. 

Aaron está relutante. Após anos de ausência, o regresso à terra natal está a revelar-se duro mas as memórias da infância partilhada com Luke falam mais alto. Embora dividido, ele aprofunda a investigação e, pouco a pouco, começa também a duvidar da acusação que paira sobre a honra do amigo. Mas há algo ainda mais assustador: estas mortes ameaçam desenterrar o velho segredo que ditou o fim da inocência de Aaron e Luke tantos anos antes. Sob um sol escaldante, a claustrofóbica vila assolada pela seca pulsa de tensão. Se Luke é inocente, estará o culpado pela morte da sua família a viver entre eles? Todos se conhecem e ninguém seria capaz de semelhante atrocidade. Certo?

Classificação: 4/5*****

#185 DONOGHUE, Emma, O Prodígio


Sinopse: A jovem Anna recusa-se a comer e, apesar disso, sobrevive mês após mês, aparentemente sem graves consequências físicas. Um milagre, dizem.

Mas quando Lib, uma jovem e cética enfermeira, é contratada para vigiar a menina noite e dia, os acontecimentos seguem um diferente rumo: Anna começa a definhar perante a passividade de todos e a impotência de Lib. E assim se adensa o mistério à volta daquela pobre família de agricultores que parece envolta num cenário de mentiras, promessas e segredos.
Prisioneira da linguagem da fé, será Anna, afinal, vítima daqueles que mais ama?
Um drama intenso sobre os perversos caminhos do fundamentalismo, mas também sobre como o amor pode vencer o mal nas suas mais diversas formas
.
Opinião: Na segunda metade do séc. XIX, Elizabeth Wright é uma enfermeira de uma nova estirpe. Treinada por Florence Nightingale e com uma vasta experiência que incluí assistência na Guerra da Crimeia, Lib é destacada para uma missão envolta em secretismo e leva muito a sério a sua incumbência. Embarca para uma Irlanda que recupera da Grande Fome, para se apresentar perante um comité que lhe pede uma tarefa aparentemente simples: vigiar uma jovem de onze anos que, ao que parece, não ingere nenhum alimento desde há quatro meses.
A apaixonante Irlanda vem assim retratada pelos olhos de uma inglesa, e, portanto, como um recanto retrógrado, supersticioso e ignorante, no qual imperam fantasias sobre fadas, santos de trazer por casa e fitinhas com dores expiadas nos ramos das urzes. Para Lib, a Irlanda subsiste como um último reduto da Era Medieval na Europa, e é com essa certeza que se convence de que, num piscar de olhos, será capaz de desmascarar os intervenientes da farsa em curso.
Foi uma leitura muito agradável, sobretudo porque três personagens se destacam do mar um tanto ou quanto monótono das restantes: Lib, Anna (a criança que recusa alimento) e William Byrne, um jornalista católico dividido entre o sensacionalismo que a imprensa procura e a curiosidade crescente quanto ao caso. A inteligência destes três, combinada com o retrato de época da Irlanda mística e profundamente católica do século XIX, fazem valer cada página do romance. A acção desenrola-se num ritmo um pouco lento, bastante descritivo, mas é daqueles livros que, sorvido aos poucos, nos leva a grandes reflexões.
É que Anna O’Donnell é uma menina encantadora, apesar de cegamente devota, e não são claros os motivos que a levam a abandonar-se daquele modo à religião. A função de Lib é a de entender se Anna realmente sobrevive sem alimento, para êxtase dos fanáticos religiosos que rodeiam a criança, ou se alguém a tem alimentado em secretismo para lucrar com a circunstância. Nas longas horas que passa a observar a menina, várias teorias vão-se formando, e a ligação das duas vai-se adensando, até que Lib, a tão profissional enfermeira de Miss N., começa a perder o auto-controlo e ameaça destruir a sua reputação de obediente e metódica, quando o desejo incontrolável de interferir a assalta a todos os instantes.
É uma narrativa de humanidade, que mexe com o que é sagrado em nós e com o tema muito actual da tolerância religiosa, e dos limites do indivíduo perante a máquina maior.

Classificação: 4,5****/*

#178 CACHAPA, Possidónio, Viagem ao Coração dos Pássaros

Sinopse: Viagem ao Coração dos Pássaros remete-nos para um universo único mas que derepete sempre no tempo dos seres humanos. Fala-nos das contradições e dialéticado mundo, do amor, da vida, mas também dos seus opostos. É um livro que se lênum sopro, como se fosse um instante, numa viagem que o leitor faz ao coração,o seu próprio, e o dos  protagonistas da história, realista, autêntica ebela. Possidónio Cachapa conduz-nos através da sua escritaprofunda, revelando-nos os dons que todos temos e as nossas virtudes mas tambémas nossas debilidades e fraquezas, numa simplicidade narrativa que nos prendeda primeira à última página.

Opinião: 

“— Kika – pediu ele, em lágrimas. – Gostas de mim?
Kika virou-se na cama e respondeu:
– Não.
E, dizendo isto, rodou no leito, onde uma mancha de pena se espalhara e lhe humedecera a face humana. O Escritor voltou a chorar, roído de piedade de si próprio e perguntando a ele mesmo o nome da fraqueza que o diminuía diante da mulher.
Ela, se não fosse ela, ter-lhe-ia passado a mão na face e dito que ele era tão perfeito quanto um homem pode ser. E se isso não lhe bastava, era porque a sua natureza era ruim e ambiciosa. Que todos a tomavam por boa por equívoco. E que amá-la era o mesmo que meter uma jibóia na cama; que nem com a barriga cheia de ratos a impediria de cumprir a sua natureza.”

Não fazia ideia do que esperar desta minha primeira abordagem a Possidónio Cachapa. Decerto não a dimensão que encontrei, nem as incertezas para onde a mesma me atirou. A história resume-se de modo simples: Evangelina casa-se com Filipe numa ilha que creio ser a Madeira, devido à menção às levadas. Têm uma menina que nasce prematuramente, chamada Maria Joaquina (Kika) e Filipe não consegue ficar, apesar de as amar, e sai de cena. Tudo o resto é preenchido por uma extensão da dimensão do espaço e do tempo, em que cada um é o que é, o que foi e o que há-de ser, e que esta é só uma vida de várias, sendo que se toma diversas formas a cada uma. E os mortos andam lado a lado com os vivos, e alguns vivos já transportam um pouco da morte consigo, porque os mal estares vêm da alma e acabam por levar ao enterro dos corpos. É então evidente que não há, realmente, nada de simples neste livro. Gosto quando os autores me atiram para este limbo, em que não sei onde acaba o criador e onde começa o narrador (isto é: alter-ego emprestado ao livro). Mais inquietante ainda: não sei onde acabam as crenças de quem o escreveu e onde começa o propósito com que o escreveu. Viagem ao Coração dos Pássarosé, assim, despretensioso. No entanto demonstra grandeza a cada virar de página. A condição da vida na Terra (mais do que a “humana”) é explorada de modo inventivo e desconcertante. Lê-se sobre um pássaro como se lê sobre gente. Lê-se sobre a carne como se fosse a mera morada do espírito no mundo sólido, e que por isso limita e por vezes até corrompe o dito espírito - é tudo parte de um plano maior. A existência singela por toda a parte, mas as luzes que se voltam para uma menina com um dom; e que fala por dentro da cabeça das pessoas, porque fez a promessa de se manter de boca fechada até o pai voltar. Uma menina que começa por contrariar o seu próprio destino, porque o universo dispõe de nós como lhe apraz, e apesar de não podermos fugir ao que nos foi traçado, por vezes perdemos alguma energia a tentar...
Vale a pena, lê-se bem. Não é fácil, contudo. Tira-nos de onde estamos e traz mais dúvidas do que respostas. Felizmente para mim – seja, ou não, um reflexo das crenças do autor -, acompanhei algumas coisas por serem familiares àquilo que também eu acredito. Coisas como sermos todos parte de um mesmo plano. Ou como termos várias passagens pela terra, umas como homens, outras como flores, outras ainda como pássaros. Vou estar atenta às suas obras, de modo a separar os universos “autor” e “livro”. Parecem-me ambos bastante interessantes. 

Classificação: 4****/*

#173 HUNTER, Madeline, Casamento de Conveniência


Sinopse: Lady Christiana Fitzwaryn está apaixonada. Infelizmente, o seu futuro marido não é o homem dos seus sonhos mas sim um perfeito desconhecido, com quem o próprio rei Eduardo negociou o enlace. Sobre este homem, Christiana apenas sabe tratar-se de um mero mercador plebeu. Não estava, pois, preparada para o primeiro encontro: David de Abyndon revela ter um carisma extraordinário e nutre uma indiferença desconcertante em relação ao estatuto social dela. Para sua grande surpresa, é a aristocrata quem se sente perturbada na presença daquele homem de enigmáticos olhos azuis.

Opinião: A história da Christiana e do David de Abyndon é das minhas favoritas da Madeline. Tudo porque a personagem principal se julga loucamente apaixonada por outro homem que não o seu futuro marido e David, apesar de cumprir uma ordem do rei ao desposá-la, não tem tempo a perder com as parvoíces dos habituais galãs, que resistem e resistem ao casamento e ao amor e a todo o resto. Neste livro conta muito o sistema hierárquico da época, sendo que a Christiana ofende o David várias vezes por ele ser um mero (mas muito rico) mercador. Gostei da intriga relacionada com as constantes guerras e espiações Inglaterra/França.

Classificação: 4,5****/*

LIDO (APROX.): 2010

#171 HANNAH, Kristin, O Rouxinol


Sinopse: Natranquila vila de Carriveau, Vianne despede-se do marido, Antoine, que partepara a frente da batalha. Ela não acredita que os nazis vão invadir a França…mas é isso mesmo que fazem, em batalhões de soldados em marcha, em caravanas decamiões e tanques, em aviões que enchem os  céus e largam as suas bombaspor cima dos inocentes. Quando um capitão alemão reclama a casa de Vianne, elae a filha passam a ter de viver com o inimigo, sob risco de virem a perder tudoo que têm. Sem comida, dinheiro ou esperança, e à medida que a escalada deperigo as cerca cada vez mais, é obrigada a tomar decisões impossíveis, umaatrás da outra, de forma a manter a família viva. Isabelle, a irmã de Vianne, éuma rebelde de dezoito anos, que procura um objetivo de vida com toda a paixãoe ousadia da juventude. 
Enquantomilhares de parisienses marcham para os horrores desconhecidos da guerra, elaconhece Gäetan, um partisan convicto de que a França é capaz de derrotar osnazis a partir do interior. Isabelle apaixona-se como só acontece aos jovens…perdidamente. Mas quando ele a trai, ela junta-se à Resistência e nunca olhapara trás, arriscando vezes sem conta a própria vida para salvar a dos outros. Com coragem, graça e uma grande humanidade, aautora bestseller Kristin Hannah capta na perfeição o panorama épico da SegundaGuerra Mundial e faz incidir o seu foco numa parte íntima da história queraramente é vista: a guerra das mulheres.  ORouxinol narra a história de duas irmãs separadas pelos anos e pelaexperiência, pelos ideais, pela paixão e pelas circunstâncias, cada umaseguindo o seu próprio caminho arriscado em busca da sobrevivência, do amor eda liberdade numa França ocupada pelos alemães e arrasada pela guerra. Umromance muito belo e comovente que celebra a resistência do espírito humano eem particular no feminino. Um romance de uma vida, para todos.

Opinião: A minha primeira impressão quanto a “O Rouxinol” não foi muito abonatória. Não posso abstrair-me da ideia de que a autora ainda estava à procura da sua voz – e isso é bem mais difícil do que parece. Nesse processo, surgem frases tipo slogan como "O que era o amor quando confrontado com a guerra?". Achei que o primeiro terço do livro é fraco, superficial, demasiado leviano na sua apresentação das personagens. Eu sabia que haveria aqui um contraste locus amoenus (paisagem idealizada, luminosa, verdejante) e locus horrendus (cenário horrendo, desprovido de luz). O melhor exemplo de uma saga que explora as duas é O Senhor dos Anéis , em que o Shire é tudo de perfeito e Mordor é um inferno na Terra. Porém, considerei que até para entre-guerras, o cenário inicial era perfeito demais. Segundo me recordo, tanto a França como a Alemanha sofreram imenso durante a I Guerra, e depois dela estavam pejados de estropiados, mutilados, doentes crónicos por causa dos gases, da gripe Espanhola, da tuberculose, etc., além das dívidas. Não é à toa que os principais combates foram no Somme, os terrenos continuaram cheios de minas e granadas por explodir nos anos subsequentes. Quinze anos é muito pouco tempo para que alguém se exibisse tão feliz e tão optimista, e sobretudo tão descrente de que outra guerra viesse aí. Isto é a Vianne. Na página três já ela e o marido haviam dito umas cinco vezes “Eu amo-te”. Tudo bem, deve haver casais e casais. Mas ao final de dez anos de casados ainda sentirem essa necessidade a cada vez que tiram uma garrafa de vinho do cesto de piquenique? Os olhares cruzam-se e “Eu amo-te”. Gostava de ter sentido um maior realismo nessa parte, mas posso ser só eu a embirrar, porque as minhas expectativas eram altíssimas. Durante esse primeiro terço não consegui desligar-me do papel de escritora/revisora, e o potencial era tão grande que me via a rasurar imensa coisa. Sobretudo as listagens de produtos franceses (tinha cerâmica de Limoges, e do cesto tirava vinho daqui, Camembert, Roquefort, champagne de acolá, a baguete, só se esqueceu do croissant). Achei as personagens desprovidas de profundidade. A impulsividade da Isabelle era por vezes embaraçosa, depois ao longo da segunda parte e da terceira a autora cimentou melhor o seu carácter estouvado. Pô-lo a servir um bem maior e fez o leitor se preocupar com ela.

Divido o livro em três partes: 

I: A guerra aproxima-se, Paris é invadida, um general alemão veminstalar-se na casa da Vianne.
II: Os meses vão-se passando em provações, Vianne acomoda-se e Isabellerebela-se, começam a ser perseguidos os membros da resistência, homossexuais,comunistas, judeus.
III: A Alemanha começa a perder a guerra e a sua crueldade extravasa todosos horrores que já haviam infligido até aí.
Gostei da parte do livro que acaba por unir as duas irmãs, e em que o amor deuma pela outra triunfa. Também gostei da dificuldade que ambas tinham emrelacionar-se com um pai que fechava os olhos e ainda se via nas trincheiras, acombater na I Guerra. O que aprecei, acima de tudo, foi a pesquisa histórica,muito bem distribuída pelos anos do conflito. (Estando eu própria a escrever umlivro sobre a mesma época, essa foi a primeira abordagem que ponderei: seguir acronologia da Guerra, é o mais lógico). Também gostei do facto de haver umapremissa inicial, laivos de 1995, em que se entende que uma das irmãs morreu naguerra e a outra sobreviveu. Por esse motivo, prossegui a leitura com os meussentimentos a oscilar ora para uma, ora para outra, e a tentar adivinhar qualdelas teria mais chances de sobreviver e de percorrer o caminho que a levou àAmérica, cinquenta anos depois.
Há também outra questão premente: houve uma infinidade de crianças a perder-sedos seus progenitores, a ficarem sem família de todo, a serem, por exemplo,acolhidos temporariamente em países como Portugal (recebemos Austríacos após aguerra), e houve muitas violações que terminaram em filhos que talvez, porvergonha das mães, tenham agora setenta anos e nunca venham a saber que foram criadospor um pai que não era o deles, e que a biologia os liga à Alemanha e àscriaturas que destruíram a dignidade da França durante essa guerra abominável.
Aconselho vivamente; este livro recordou-me de algo importante, porque ainda hápoucos anos houve uma mãe finalmente reunida com o filho: a II Guerraainda não acabou para toda a gente.

Classificação: 4****/*