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Castelos de Letras

Em torno das minhas leituras!

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Em torno das minhas leituras!

#295 BRAVO, Iris, O Regresso de Julie Blue

Sinopse: Porque regressou Julie Blue?

Oito anos depois de abandonar a sua terra natal, a rebelde Julie Blue decide voltar a casa.

Na pequena cidade piscatória de Almira, reencontra os mesmos preconceitos e tensões sociais, amigos, inimigos, lembranças agridoces e os destroços de uma época que nunca esqueceu.

As razões que a levaram a desistir da carreira, separar-se do marido e regressar à casa do pai com a sua filha são incertas, assim como as circunstâncias do incêndio ocorrido pouco antes da sua partida e que destruiu um bar em frente ao mar, entretanto reconstruído.

Conseguirá Julie Blue também reescrever a sua história ou irá deixar-se vencer pelas consequências dos erros cometidos?

A tão aguardada nova história da autora que apaixonou milhares de leitores.

Opinião:  julie.pngUma vez mais, a Iris conseguiu criar uma personagem cheia de luz, apesar dos desgostos: a Julie Blue tem personalidade, tem garra, tem uma loucura por vezes exasperante, outras enternecedora.

Neste romance, a autora prima também pela construção de uma microsociedade espelho da nossa, ambientada numa povoação fictícia mas muito palpável: Almira.

Também se vai tornando cada vez mais evidente que o forte da Iris são as relações interpessoais, tanto a nível familiar, como as amizades e o amor entre as duas almas "fundidas" principais são muito bem conseguidos. Tornamo-nos testemunhas e mirones destas interações. A sociedade portuguesa surge muito bem captada nesta "micro-sociedade", como se houvesse uma luta de classes inerente ao crescimento, à maturação, uma espécie de libertação das nossas circunstâncias necessária à nascença, o que se sente sobretudo quanto ao João, a personagem masculina principal.

Continuarei a acompanhar a querida Íris de perto <3

 

#155 KUBICA, Mary, Não Digas Nada

Sinopse: Filha de um juiz de sucesso e de umafigura do jet set reprimida, Mia Dennett sempre lutou contra a vidaprivilegiada dos pais, e tem um trabalho simples como professora de artesvisuais numa escola secundária. Certa noite, Mia decide, inadvertidamente, saircom um estranho que acabou de conhecer num bar. À primeira vista, ColinThatcher parece ser um homem modesto e inofensivo. Mas acompanhá-lo acabará porse tornar o pior erro da vida de Mia. 

Opinião: “Não digas nada” é o primeiro livro queleio da Mary Kubica. Não tinha lido muito sobre ele, nem sequer no Goodreads,onde vou sempre buscar conselho antes de investir num livro. Fiz bem, porque olivro tem críticas muito díspares. Há quem pareça adorar, há quem o considereum embuste, e há quem diga que não o aqueceu nem arrefeceu.
A sinopse revela um rapto, um captor e uma famíliainfluente. O problema, na minha óptica, é que o livro é vendido como umthriller, uma obra de suspense. Estes elementos não existem no livro, é umromance com conteúdos policiais, diria eu. Não há nenhum quebra-cabeças aresolver, mas a autora soube unir as pontas soltas. Quem vai ler o livro àprocura destas características vê o seu intento gorado. Entendo que fiquefrustrado e que considere que o livro falhou, nesse sentido. Eu prefiro pensarque foi o Marketing que falhou e que o livro é exactamente o que a autora quisque ele fosse.
Elogio as personagens principais, bastante credíveis.A Eve, o Colin e o inspector Hoffman, que são as vozes narrativas, estão bemconstruídos e ajudam a compor o puzzle a respeito do rapto da Mia. Éevidente que a mestria da Mary é sobretudo visível no retrato psicológico doColin e da Mia. Quanto a isto, digo que ambos são palpáveis e multilaterais.Apaixonei-me pelo Colin às primeiras linhas. Acho que a escritora soubeprender-nos a esse homem de passado tumultuoso.
Consegui lê-lo depressa, sendo que o último terço foide enfiada em duas horinhas. É bom sentir que tenho de chegar ao fim de um livropara ter paz. Penso que vai ficar comigo durante algum tempo, um pouco como “AMontanha entre nós”, se bem que esse foi arruinado pelo final…
SPOILER:
A única coisa que não entendo é porque é que a Mianunca contou a verdade ao Colin, teria resolvido muita coisa…

Classificação: 4,8****/*

#130 CALDWELL, Erskine, A Estrada do Tabaco

Sinopse: O humor de Caldwell, como o de Mark Twain, tem como fonte a imaginação que agita as emoções do leitor. Durante a Grande Depressão americana, a família Lester não sabe como sobreviver à miséria que se avizinha. Residem e gerem os territórios rurais da Geórgia, cultivados com tabaco e algodão, mas já nem isso os salva. Debilitados pela pobreza ao ponto de atingirem um estado de ignorância e egoísmo cruel, os Lesters preocupam-se com a fome, os apetites sexuais que os devoram e o medo de que a hierarquia social os empurre para uma camada ainda mais desfavorecida.  A pobreza, o racismo e a bestialidade dos homens são aqui postas a nu, despindo a sociedade americana dos anos 20 com crueza e violência, numa tragicomédia de mestre. A Estrada do Tabaco é um dos grandes clássicos americanos de Erskine Caldwell.

Opinião: Foi a capa que, uma vez mais, me levou até estelivro. Quando o recebi em mãos entendi que esta pequena obra de 200 páginasseria devorada com rapidez. Sucede que cada livro é uma caixinha de surpresas,e este não foi excepção... A psiquiatria, nascida na Alemanha, deu o braço avárias teorias de eriçar os pêlos no século XIX. Durante a Grande Depressão(que começou em Out 1929 na América), essa ciência relativamente recenteavaliada as capacidades das pessoas, a sua utilidade social. A "Eugenia",corrente da qual o próprio autor seria aficcionado, defende a esterilizaçãoinvoluntária daqueles que a Sociedade considere não aptos a reproduzirem-se.Persone non grate. Enfim... O certo é que "A Estrada do Tabaco" é umdesfile de algumas das personagens mais abomináveis que jamais li. ScarlettO'Hara era oportunista e fútil, mas também sensata e persistente. CathyEarnshaw é igualmente fútil, vaidosa, demasiado dramática, mas ama Heathcliff.Que dizer dos Lester? Ignorantes, interesseiros, preguiçosos, oportunistas...Sempre à espera que "deus" venha salvá-los e o dinheiro chova docéu... A Grande Depressão é retratada, neste romance, a partir do núcleo deLesters que vivem à beira da estrada do tabaco. Jeeter, o pai, Ada, a mãe, aavó Lester, Ellie May que tem uma fenda no lábio, de nascença, e Dude, um maleducado de 16 anos, desobediente e obtuso.   Jeeter está"aferroado" ao terreno onde nasceu na Georgia, "the oldsouth", apenas setenta anos após o Norte industrial ocupar o sulalgodoeiro e libertar os negros. É preguiçoso e vive de procrastinação: amanháserá sempre o dia em que irá pedir uma mula emprestada, revolver o solo earranjar quem lhe conceda crédito para comprar sementes. A sociedade americana vivia de crédito:mesmo morto de fome Jeeter nunca pondera ir trabalhar para as fábricas, onde sediz que poderia ganhar até 25 dólares por semana, sendo que 2 bastariam paraalimentar a família durante esse mesmo período. Nada tem, por nada luta. Apenasse lamuria e culpabiliza terceiros (ou o próprio carro, por não poder levá-lo a Augusta) da situação de misériaextrema em que se encontra. Tanto ele quanto o filho acham que os ricosdeveriam abrir mão da sua riqueza para melhor a distribuir por quem nada tem.Ou, ao menos, conceder-lhes crédito. Desconfiam dos ricos, atribuem-lhes más qualidades, embora também se deixem deslumbrar pelas suas vidas e as invejem. A Irmã Bessie é uma hipócrita ignorante de 39anos que almeja casar-se com Dude (isso mesmo, o rapazinho de 16 anos). Estapersonagem sem nariz, de fé cega num deus evangélico que muito lhe convém, foio exemplo de como a religião, sob o signo do medo e a promessa de conforto ealívio, afasta os homens da Verdade. As situações que se seguem são bizarras,retrato de uma família sem qualquer luz de conhecimento, cheios de preguiça esonhos irrealizáveis que alimentam como pretexto para se manterem quietos. Oesbanjar do que não se tem, a má gestão, mau cálculo, o despojar-se dos filhose da avó porque em última instância são meras bocas para alimentar... A lei queexiste mas não é cumprida...
O absurdo do livro estarreceu-me. Fala-se emhumor negro mas não consigo discerni-lo nestas páginas, porque sei que houve eque há pessoas assim. Aconselho vivamente, ao contrário da glorificaçãoda humanidade em horas de aperto, o autor leva-nos ao grotesco da ausência dequaisquer princípios por imposição da fome.


Classificação: 4,5****/5

#49 MAUGHAM, Somerset - O Véu Pintado


Sinopse: «Kitty sente-se prisioneira de um casamentoinfeliz e de um estilo de vida que está longe de ser aquele que sonhou para si.Sem que tivesse obtido a notoriedade social que desejava e afastada do seu paíse da família devido à profissão do marido – bacteriologista destacado para HongKong –, a jovem acaba por encontrar algum consolo numa relação extra conjugal.Mas a traição acaba por ser descoberta pelo marido, que leva a cabo umaestranha e terrível vingança… Através do despertar espiritual daadorável e fútil Kitty, Somerset Maugham pinta um retrato vívido da presençabritânica na China e apresenta-nos uma galeria de personagens inesquecíveis.»

Opinião:"O Véu Pintado", adaptação com Edward Norton e Naomi Watts, é dosmeus filmes favoritos. A banda sonora é simplesmente sublime! Li trechos dolivro a ouvi-la, amplamente comovida pela beleza e a nostalgia que transmite.Já ouvi quem dissesse que estava muito aquém do livro, mas hoje, e terminada aleitura, considero até que o filme - tendo em conta a altura a que um filme sepode erguer perante um livro, é tão bom quanto o dito cujo, neste caso. Vouexplicar que matemáticas básicas me levam a este resultado: o filme romanceouum pouco a história, fazendo com que a Kitty se redimisse devido ao amor e àadmiração que acaba por nutrir pelo marido. Julguei que fosse um romance assim,sobre redenção. Sobre o facto de ela ser jovem e viver de centelhas de brilhopara, em seguida, se dar conta do verdadeiro valor intrínseco à naturezahumana. Em contrapartida o livro exibe o talento nato do autor para explorar ofuncionamento da mente e das emoções humanas.
O livro é sobreerros. Sobre arrependimento e sobre recaídas, sobre desprezo, compreensão eincompreensão, e sobre o quão inalcançáveis algumas pessoas nos parecem, talfechado é o seu modo de ser. Houve uma parte em que a Kitty teve um relance dacomplexidade do marido e descreve esse momento como olhar para uma florestafrondosa e escura à noite, vê-la alumiada momentaneamente por um relâmpago,julgar ter lá visto algo e, então, regressar às trevas. O Walter Fane é umpuzzle fascinante e comovente. É ternamente apaixonado pela Kitty (não digoloucamente porque é demasiado tímido e contido, mas a dimensão do seu afecto éobviamente desmesurada) e fica feito em cacos quando ela o trai. Provavelmentepara se perdoar a si próprio - por ter amado uma criatura como ela, umaadúltera mimada e caprichosa - e para atenuar a sensação de desprezo por simesmo (pelos mesmos motivos), obriga-se a fazer um sacrifício maior. Umsacrifício que porá em risco tanto a sua vida quanto a da sua esposa infiel:como bacteriologista, refugia-se em Mei-tan-fu, um recanto na China onde aspessoas perecem como moscas devido à Cólera.E é nesse cenárioexótico e de choque de culturas que a Kitty "cresce". Nos poucosmeses (dois ou três) que passa em contacto com a doença, com as freiras doorfanato, com o seu vizinho inglês que vive com uma mulher manchu, a sua menteexpande-se e ela começa a reflectir sobre a vida, o amor, a felicidade, siprópria, a religiosidade, e a tentar decifrar o modo como a sua traiçãomodificou o marido - outrora tão dedicado - e a condenou à infelicidade e acaminhar lado-a-lado com a morte. As suas prioridades rearranjam-se e elacomeça a vencer os próprios preconceitos e a desejar ser uma pessoa melhor.A Kitty Fanetornou-se, rapidamente, uma das minhas personagens favoritas da literatura. ANaomi Watts é bonita e tem aquele ar doce meio espevitado, mas a personagem emtrês dimensões do livro tem pensamentos preciosos que espelham a mesquinhez queocupa tão frequentemente a mente dos humanos. Ela enoja-se, de início, por terde conviver com crianças chinesas - amarelas e de nariz achatado e olhosinexpressivos, segundo ela própria. Ela sente repulsa de uma criança que temuma doença que implica um tamanho de cabeça desproporcional em relação ao corpoe que se baba, e que para mais a segue e está obcecada por conseguir o seuafecto. Ela pensa nela própria antes de pensar nos outros - e com o seudesenvolvimento ao longo do livro começa a importar-se cada vez menos consigo emais com o bem estar geral, de um modo sincero que acaba por espelhar umcrescimento gradual e maduro. Faz amizades genuídas que a ajudam a entreabriros véus que envolvem os grandes mistérios da personalidade e das razões humanas.O filme, tendoforjado uma reconciliação entre o Dr. Fane e ela, satisfez o meu sensoromântico, porque achei que havia ali muito pano por onde debater. O orgulhoferido dele e o amor que, vencendo o primeiro, prevalece. O vencer do asco queparece ter ao marido - por ele não ser bem-parecido nem popular e por ceder comfacilidade aos seus desígnios - por parte da Kitty. Mas *spoiler alert!* aKitty do livro acaba por admirar e respeitar o marido, mas a reconciliaçãonunca se dá. Inclusive, ao morrer, ela implora-lhe por perdão. E ele responde:o cão foi que morreu.Adorei a viagem aointerior da Kitty e à sua percepção de quem a rodeava. Adorei as paisagenschinesas e a sua cultura (é o segundo livro, no espaço de um mês, que leio eque revolve em torno da China). Adorei as reviravoltas da mente do autor, queme pôs a reflectir seriamente e, inclusive, me comoveu uma ou outra vez. Fiqueifascinada pelo Walter, que pertence exactamente ao tipo de homem que só se amaquando se tem um elevado grau de maturidade. E sobretudo adorei o absurdo davida: qual é o caminho a seguir? A Kitty não sabe. Algum dia virá a perdoar-sea si própria? A Kitty não sabe. O marido chegou a perdoá-la? A Kitty também nãosabe. É um romance desconcertante, lido num sopro que durou dois dias, que mecomoveu e me encheu de melancolia e de pequenas tristezas. As das despedidaspara sempre. As das grandes viagens para não mais regressar. As da tragédiahumana e social. Apesar demagistralmente bem escrito, arquitectado e conduzido, não consigo dar-lhecinco. Atribuo-lhe um quatro e setenta e cinco sólido. Apenas não posso darcinco porque o li à procura desse descer à terra da Kitty, mas os seus erros,de tão térreos, acabam por ser exasperantes. O autor foi tão realista que nãosobrou umas lascazinhas de romance para esta romântica se agarrar. A relação daKitty e do Walter tem tantas potencialidades a partir do momento em que ela seapercebe do valor dele! Como é que o autor não a desenvolveu? Oh Somerset, eusei que na vida real as pessoas têm tendência a prosseguir pela estrada maisfácil, pelo caminho dos erros aonde se insinua, lá ao fundo, a pirite, qualouro dos tolos... mas não poderias ter levado a Kitty a um porto seguro? Nãopodias tê-la conduzido até ao ouro genuíno? Não poderia ela ser daquelas raraspessoas que a literatura descreve como tendo-o achado, enquanto a pirite é paraos que se ficam pela vida real...? Até isso louvo na tua obra...! Que coragempara não dares aos leitores o que eles querem.Contudo, foi dasleituras mais prazerosas dos últimos tempos. Certamente que um dia voltarei alê-lo... quem saiba esteja eu própria mais consciente da falta de nexo daexistência.

«But soon a wonder came to light,
That showed therogues they lied;

The man recoveredof the bite,
The dog it was thatdied.»




Oliver Goldwin
Classificação: 4,75****/*