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Castelos de Letras

Em torno das minhas leituras!

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Em torno das minhas leituras!

#277 FERRÃO, Leonor, Amor à Primeira Assinatura

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Sinopse: “Tinha sido tão cuidadosa. (...) No entanto, ali estava ele, qual D. Sebastião a voltar num dia de nevoeiro sem que ninguém o esperasse.”

Teresa alcançou o seu maior sonho: publicar um livro, e não podia estar a ter mais sucesso! No entanto, a sua carreira e a sua vida entram numa montanha-russa de acontecimentos e emoções quando Simão, o rapaz que lhe partiu o coração, reaparece na sua vida, com uma única intenção: difamar o seu nome e o seu livro. Mas será mesmo essa a sua verdadeira intenção?
Uma comédia romântica sobre um amor interminável e as peripécias que sempre parecem tentar impedir a felicidade.

Opinião: Este é um livrinho fofinho que marca a estreia da Leonor Ferrão na escrita. Como pontos positivos tem realmente a escrita, que é fluida, a estrutura em capítulos pequenos, e a cidade de Lisboa e suas livrarias como cenário.

No início achei as personagens interessantes, mas depois foram-se tornando um pouco instáveis, talvez porque a premissa do conto seja colocá-las sob pressão durante aqueles dias em que se reencontram. Senti ali umas vibes de adolescentes indecisos que acabam por ser maus para si próprios.

Penso que funciona muito bem como YA, e que ficou claro que a Leonor tem potencial para desenvolver um enredo e um livro maior. Quem sabe num formato maior haja mais espaço para desenvolver a história e as personagens?

De qualquer modo, como livro de estreia e ainda por cima em edição de autor, está muito bem.

Parabéns, Leonor! Estou aqui para os próximos:)

Classificação: 3***/**

#258 GUSTAFSSON, Lars, A Morte de Um Apicultor

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Opinião: "Por exemplo, a inquietação sexual (...). Esta fome surda, obscura, esta sensação de me faltar qualquer coisa que me persegue, no sono, na vigília, em cada momento da minha vida. Que é isto? A possibilidade de amor no nosso corpo."


Este é o quinto romance da autoria do escritor sueco Lars Gustafsson (1936-2016) e, segundo a badana do livro, é considerado a sua "obra-prima". Comprei-o porque achei o título belíssimo (e muito promissor).

Se, por um lado, houve trechos de grande beleza - no isolamento, na proximidade à natureza, numa ou outra reflexão sobre a vida e, sobretudo, sobre o seu fim -, em geral foi, para mim, um livro ameno. Lê-se muito bem, com uma ou outra parte que nos atira para fora de pé - suponho que o próprio narrador alucine um pouco, devido às dores que o tolhem. Não sei se não era o momento, não sei se o tema "cancro" me é demasiado familiar. Não sei se as abelhas terão estado pouco presentes, ou talvez até por se tratar de um livro pequeno que, no entanto, nos permite vislumbrar a realidade sueca dos anos 40 aos 70. Porém, não conseguiu comover-me. Isso deixa-me confusa quando à questão de se tratar esta da "obra-prima" de um autor sueco. A literatura não tem de ser extensa, nem complexa, nem inteligível. Mas convém que nos acrescente algo...


"Um pequeno ser humano encerrado no seu próprio enigma."

 

Infelizmente, este romance não me acrescentou nada. 

 

Sinopse: “Foi professor na escola oficial de Väster Vala: chama-se Lars Lennart Westin. Deram-lhe a reforma antecipada quando fecharam a escola primária de Ennora, na margem norte do lago. Sustenta-se fazendo de tudo um pouco, mas principalmente vendendo o mel das suas colmeias, que esporadicamente dão uma produção abundante. Desde que se divorciou vive numa quintarola em Näset, que fica a par das aldeias de Vretarna e Bodarna, mas na margem oriental do lago, claro. Tem uma hortazinha, um terreno com batata e um cão. Às vezes recebe a visita de familiares. Tem telefone, televisão e uma assinatura do jornal de Västmanland. Depois do divórcio não teve contactos femininos dignos desse nome (...).

O que vamos ler são apontamentos dele. Apontamentos deixados por ele, pois nesta Primavera de 1975, precisamente por alturas do degelo, ele descobre que antes do Outono terá desaparecido.”

A obra-prima de um dos maiores escritores suecos contemporâneos, agora revelado ao leitor português.

Classificação: 3***/**

#256 HARRIS, Thomas, O Silêncio dos Inocentes

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Sinopse: Várias mulheres aparecem mortas e a sua pele serve para o assassino fazer roupa. O FBI, através de Clarice Starling investiga este caso. As melhores informações só podem vir de um brilhante psiquiatra, Dr. Hannibal Lecter, enclausurado numa prisão de alta segurança por que, há alguns anos, assassinara as suas vítimas, retirava alguns orgãos, cozinhava-os e comia depois. A partir do encontro entre Clarice e Hannibal, é iniciada a desconstrução de um caso genial, de forma inigualável.

Opinião: "Não tenho a certeza de que nos tornamos mais sensatos à medida que envelhecemos, Starling, mas é verdade que aprendemos a fintar uma certa dose de inferno."


Publicado em 1988, O Silêncio dos Inocentes (ou dos cordeiros, lambs, como no original, o que se coaduna melhor com o enredo do livro, é bem conhecido pela sua adaptação cinematográfica de 1991, com Anthony Hopkins e Jodie Foster.

Eu nunca vi o filme, só sabia é que há um canibal chamado Hannibal na história. De facto, Hannibal Lecter, um canibal em prisão perpétua, mas também um psiquiatra brilhante, é a personagem mais cativante deste thriller. A jovem Clarice Starling, que está prestes a concluir os estudos na academia para se tornar uma agente especial do FBI, é chamada para tentar extrair informações a Hannibal Lecter que possam ajudá-los a identificar o serial killer que anda a raptar mulheres e a fazer roupa com a sua pele. Só que o Dr. Lecter vive em reclusão perpétua, numa sela com segurança máxima num hospital psiquiátrico, e não é fácil conseguir qualquer tipo de colaboração da sua parte. O ponto alto do livro são as conversas entre Clarice e o Dr. Lecter. Ambos estão bem construídos do ponto de vista psicológico. Por outro lado, não me senti muito cativada pela investigação em si. Quanto a isso, a narrativa pareceu competente, mas não muito estimulante. Tanto que há alguma dose de acaso a contribuir para a resolução do caso, o que também não me pareceu o ideal num livro que se quer enigmático, alimentado pelo intelecto das duas personagens principais. De certo modo, também achei o final um tanto ou quanto apressado. Não consegui experienciar grande suspense, tudo acabou depressa (e convenientemente).

Foi uma boa leitura, já estava a precisar de um thriller. Pode ser que me abra o apetite para mais.

Classifição: ***/**

#250 TORDO, João, A Noite em Que o Verão Acabou

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Opinião: “A Noite em que o Verão Acabou” é a minha estreia com João Tordo. Terminei o romance com a sensação de que não devia ter começado a lê-lo por este. Julgo entender que este é um livro “fora da sua praia”, em que se aventurou num novo género. Eu não percebo muito do género thriller, mas creio que o thriller é aquele género de filme/livro em que há um bandido à solta e os bons têm de o parar. Aqui, e segundo a sinopse anuncia, houve um crime, há um suspeito e procura-se a verdade. Nesse sentido, diria que é mais um… mistério? Ou um romance no qual acontece um assassinato. Acho mais corretoa ssim: é um romance no qual, por acaso, uma pessoa é assassinada.

“Aquele caso era, na verdade, uma história de amor. Ou mais de uma.”

Tirei várias conclusões a respeito do livro, e também senti que fiquei um bocadinho por dentro daquilo que é o trabalho do autor.
Vou ensanduichar a minha opinião, porque há coisas boas e más à mistura.

Começando pelas coisas boas :
- A escrita, que é clara e flui;
- Os diálogos, que acabam por ser espirituosos;
- As personagens, que mais ou menos interessantes se mantém fiéis à sua personalidade;
- O trabalho gigantesco que é evidente que o autor levou a cabo para pôr de pé uma obra deste tipo, com várias pontas soltas – que, aliás, vai unindo a seu tempo, o que expõe o planeamento por detrás do livro;
- Na sequência do ponto anterior, as analepses encaixam bem umas nas outras;
Por tudo isto, penso que voltarei a ler João Tordo, mas no registo que é “dele”, e num livro mais pequeno.
Agora vou alongar-me nas más, porque foram o que minou a leitura: :
- O livro é enorme, com mil e um subenredos, e nem todos acrescentam grande coisa à história – por exemplo, há demasiadas páginas em torno da carreira frustrada da personagem principal, da sua tentativa de se formar na New York University. Também há muita insignificância em torno de rotinas diárias, coisas que podiam ser abreviadas até para não nos afastar do cerne do livro. E também há o facto de, a cada revelação a respeito do caso, se recapitular grande parte deste, o que a dada altura torna aquilo que seria a parte interessante da história – o assassinato e a investigação – um pouco aborrecidos;
- Há muitos anacronismos históricos que me tiraram da ação, dos quais destaco alguns: o Hospital de Portimão referenciado em 1987, quando apenas foi inaugurado em 1999, Havaianas no Algarve em 1987, quando também só chegaram ao país em 1999, “televisores gigantescos” no Algarve de 1987, jogos em rede com utilizadores de todo o mundo em 1998, câmaras de televisão por cabo em 2008 ainda a utilizar cassete (aqui é o contrário, já havia câmaras digitais com memória digital);
- Outros problemas com o enredo prendem-se com incongruências, isto é, com circunstâncias que não me convenceram – um rapaz de 13 anos que fala Inglês perfeito, e que só se atrapalha com uma expressão: Pen pal, mas depois se sai com outras que até eu desconhecia (digo “eu” que vejo filmes e séries há 30 anos, que leio em Inglês (não mais porque sou preguiçosa) que fui professora voluntária de Inglês por dois anos, e que trabalho em Inglês há 10: housebroken, para “domesticado” – é que estamos no Portugal de 1987, e embora o Pedro diga que aprendeu Inglês a ler e a ver filmes, parece-me altamente conveniente que assim seja para o enredo, e nada verossímil;
- Também me debati com o modo como a personagem se dirigia aos membros da família – isto é, o romance é contado na primeira pessoa por Pedro Taborda, mas dirigia-se a algumas personagens com um distanciamento que me deixou alerta. Sendo o livro um pretenso thriller, e referindo-se sempre à irmã como “Júlia”, e raramente como “a minha irmã”, e ainda à tia-avó como Lucília, e nem sempre “a tia”, perguntei-me se viriam a ser suspeitas de algum crime ao longo do livro;
- Outra dúvida são algumas expressões que surgem em Português, quando supostamente todos os diálogos do livro passados nos Estados Unidos devem ser em Inglês. “Com a breca!”, “Três é a conta que Deus fez”, ditos por personagens americanas, põem-me ali às voltas para tentar perceber o que teriam dito os yankees na realidade;
- Outra coisa que dificultou a leitura foi o facto de muitas personagens serem estereotipadas – perdi a conta a quantos americanos eram “gordos”, ou moviam o rabo assim ou assado; o advogado tinha o perfil de fuinha que se associa a vários advogados, os polícias tinham um quê de idiotas corados que comem donuts, as jovens são muito bonitas, os homens de negócios passam muito tempo fora de casa, e por aí fora;
- Por último, o que mais atrapalhou a leitura foram as inverosimilhanças na história, e neste ponto deixo as coisas com a proteção do spoiler. Quem ainda não leu o livro não abra. Começo por dizer que o que se segue são reflexões de uma pessoa que, desde que o confinamento começou, deve ter assistido a 13 temporadas de Forensic Files, no Youtube. Trata-se de uma espécie de minidocumentários sobre crimes ocorridos na América, ao longo das últimas décadas (e também Canadá e Austrália), e como a polícia os resolveu através da Ciência Forense. Cada episódio tem 20 e poucos minutos e basicamente mostra como a ciência é fulcral ao serviço da justiça. Neste romance, a ciência forense não existe.
(view spoiler) (o link leva-vos para a página do Goodreads, onde podem clicar em spoiler para ver o texto oculto).

Fechando a sanduíche:
É um bom esforço, com partes interessantes e alguns trechos de boa prosa. Porém, torna-se demasiado grande, demasiado inverosímil nalgumas partes, demasiado fantasioso e novelesco noutras. Isso e o facto de no livro subsistirem tantos núcleos, tantas histórias e tempos paralelos… Lembrei-me sempre da máxima “menos é mais”. Se o Taborda (já agora um tipo sem sal nem grande personalidade) está a contar a história como num romance, porque não ser objetivo?
Vou voltar a tentar ler João Tordo, mas da próxima comprometo-me com um livro mais pequeno.

Sinopse: 14 de Setembro de 1998. O dia em que Chatlam, uma pequena vila americana, acordou em choque com o homicídio de Noah Walsh. O principal suspeito: a sua filha de dezasseis anos. No Verão de 1987, o adolescente Pedro Taborda apaixona-se por Laura Walsh, a filha mais velha de um magnata nova-iorquino. Ela e Levi – uma criança misteriosa – passam férias com os pais no Lagoeiro, uma pacata cidade algarvia. Rica e moderna, a família Walsh tem tudo para dar muito nas vistas no sul de Portugal. Inebriado pelas formas perfeitas e pelos modos ousados de Laura, Pedro encontra na rapariga americana o seu primeiro amor. Mas quando o Verão acaba, a família Walsh regressa aos Estados Unidos e o destino fica por cumprir.

Dez anos depois, Pedro, decidido a tornar-se escritor, vai estudar para Nova-Iorque. Fascinado com Gary List, antigo prodígio das letras americanas, chega aos Estados Unidos determinado a perseguir os sonhos da juventude. Ao reencontrar Laura, está longe de suspeitar que esse acaso o mergulhará no crime mais falado dos anos noventa, o homicídio do milionário Noah Walsh.

Com um segundo homicídio a atrapalhar a investigação e uma corrida para salvar Levi, de apenas dezasseis anos, acusada de matar o pai, Pedro e Laura enredam-se irremediavelmente na teia de segredos que envolve a família Walsh, desde os anos quarenta do século XX até ao impensável desfecho nas primeiras décadas do novo milénio.

Porque em Chatlam – e neste thriller imparável – nada é o que parece.

O QUE ESCONDE LEVI WALSH?

Classificação: 3***/**

#230 CLAUDEL, Philippe, O Arquipélago do Cão

Opinião: Este livro poderia chamar-se Manual para a corrupção

Depois de ler O Barulho das Chaves e Almas Cinzentas, rendi-me a Philippe Claudel. Sobretudo o último romance marcou-me de forma inesperada, e recordou-me de outro autor Francês cujo trabalho também admiro: Sébastien Japrisot, falecido em 2003, que me encantou com Um Longo Domingo de Noivado.
Este "O Arquipélago do Cão" foca-se, como a própria sinopse indica, em torno do facto de o nosso Mediterrâneo se estar a tornar num cemitério, um repositório das vítimas de guerras, fome, crises humanitárias em geral. É clara a premissa do livro, que sugere que há uma responsabilidade coletiva no modo como gerimos a situação, mas é tudo tão mais complexo do que isso. Creio que não se discute aqui a humanidade dos três corpos que dão à costa, nem a dignidade daquelas pessoas com base na cor de pele ou crença religiosa. Parece-me que o ponto fulcral, e que passa ao lado do romance porque este tem um tom apressado de novela, ou talvez de ensaio em que a posição do autor surge clara, é que a maioria dos países europeus não tem qualquer responsabilidade sobre o desterro voluntário - e tantas vezes o perecimento - destes homens que arriscam a vida para chegar ilegalmente à Europa. Reconhece-se o desespero com que essas almas se precipitam numa travessia fadada ao insucesso, mas a verdade é que o impacto que vão ter neste Aquipélago do Cão é negativo, e é com esses "prejuízos", que vão muito além de económicos, que o núcleo central de personagens do romance se debate. Procura minimizá-los - na realidade, omiti-los -, o que constitui um evidente dilema moral, gera culpa e macula a alma coletiva daquela comunidade.
O livro deixou-me um sabor agridoce na boca - não sugere uma solução, não dá a entender que a mesma exista, limita-se a culpabilizar os governos e os povos por se alienarem desse problema, ou por o varrerem para baixo do tapete. Com laivos de superstição e de um fatalismo que não creio que tenha sido bem desenvolvidos nas curtas 180 páginas deste quase "ensaio". Faltou o que me mantém presa aos raciocínios do autor: aquelas tiradas inéditas, esclarecedoras, clarividentes, que vêm acrescentar algo aos meus conhecimentos. Ao invés, achei o livro muito dependente de frases que buscavam uma profundidade que nunca atingiam, e até de alguns clichés de discurso. Considerei-o superficial, mesmo por lidar com temas tão lúgubres e delicados. Senti-o mais um embrião do que um livro concluído. Ainda assim, interessante.

Uma nota para a edição da Sextante: não detetei uma única gralha, livro lindo do ponto de vista estético, quer em cor, textura, tipo de letra ideal, facilitou muito a leitura, papel adequado, etc. Foi um caso raro em que o próprio suporte físico do livro contribuiu para elevá-lo e tornou a leitura mais aprazível.

Classificação: 3/5*****


Sinopse: «A história que ides ler é tão real como vós o sois. Passa-se aqui, tal como teria podido desenrolar-se ali. Seria demasiado cómodo pensar que aconteceu noutro lugar. Os nomes dos seres que a povoam pouco importam. Poderiam ser alterados. Pôr os vossos no lugar deles. Assemelhais-vos tanto, procedendo do mesmo molde inalterável. Estou certo de que, mais cedo ou mais tarde, fareis a vós próprios uma pergunta legítima: terá ele sido testemunha do que nos conta? A minha resposta é: sim, fui testemunha disso. Tal como vós o fostes, mas não quisestes ver.»Três cadáveres de homens negros dão à praia, numa pequena ilha perdida do arquipélago do Cão. Dominados pela força divina do vulcão Brau, as gentes do Cão vivem da pesca, da agricultura, da vinha. Todos se conhecem. Que fazer com aqueles corpos? Philippe Claudel, com mão de mestre, escreve uma história notável, uma negra parábola sobre o cinismo, a indiferença e a apatia moral que invade o nosso tempo, tendo como pano de fundo a tragédia das migrações mediterrâneas de hoje.



#206 CAMUS, Albert, O Estrangeiro

Sinopse: Meursault recebe um telegrama: a mãe morreu. De regresso a casa após o funeral, enceta amizade com um vizinho de práticas duvidosas, reencontra uma antiga colega de trabalho com quem se envolve, vai à praia - até que ocorre um homicídio. Romance estranho, desconcertante sob uma aparente singeleza estilística, em O Estrangeiro joga-se o destino de um homem perante o absurdo e questiona-se o sentido da existência. Publicado originalmente em 1942, este primeiro romance de Albert Camus foi traduzido em mais de quarenta línguas e adaptado para o cinema por Luchino Visconti em 1967, sendo indubitavelmente uma das obras-primas da literatura francesa do século XX.

Opinião: 
Um artigo do Expresso, de 2013, anunciava que O Estrangeiro tinha vendido oito milhões de cópias, e que estava traduzido em 40 línguas.

Não me é frequente, na literatura, precisar do estímulo do contexto para melhor perceber um livro, mas foi o caso com este. Um livro que precisa desse tipo de auxílio nunca me chega tão a fundo quanto um livro que me consegue cativar sem qualquer nota de rodapé. Acabo por sentir alguma admiração pelos livros que necessitam de contextualização - quando bem conseguidos, como é o caso-, mas acompanhada de um distanciamento que não dá para ultrapassar.

Custou-me a sentir qualquer tipo de empatia pela personagem central do livro, este Meursault. Passei o livro todo à procura de uma lógica para estas páginas. Foi ao terminar a leitura, ao reflectir sobre o ano da sua publicação- 1942 -, e ao dedicar-me a alguma leitura a respeito do autor e da época que julgo, agora, ser capaz de entender L'Étranger um bocadinho melhor.

Assumindo que não há qualquer sentido, qualquer ideal em causa, ao longo destas 85 páginas, tudo me parece mais claro. Uma vez mais, cruzo-me com o conceito de niilismo, em que nunca me tinha detido até agora. 

Neste romance, Camus narra uma série de acontecimentos, diria até que algo banais (daí que me tenha sentido aborrecida durante 75% da leitura), e imprime-os no dia-a-dia de um homem indiferente, que passa pela vida sem a analisar, sem lhe buscar um sentido, um propósito. 

Meursault passa pela vida sem lhe extrair nenhum significado superior, vivendo de momentos que, tantas vezes, são forjados por terceiros. Não se permite qualquer reflexão profunda, não disserta a respeito da vida, da morte, do amor, etc. Parece mais próximo da natureza do que da sociedade, como se esta pouco o afectasse, como se andasse pela rua sem se deixar tocar pela vivência dos outros, e como se analisasse os episódios do seu quotidiano a uma luz desprovida de expectativas sociais. Quando questionado, responde de acordo com os seus sentimentos - também eles algo superficiais, porque despidos da análise que lhes dá complexidade -, arriscando-se a ser mal-entendido.
Meursault acabou por me parecer um alienado, por vezes procurava-lhe uma patologia, convencida de que ele não sentia, mas, entretanto, dei-me conta de que, neste texto na primeira pessoa, ele chega a falar de felicidade, de satisfação, e entendi que Camus criou apenas uma personagem diferente, que não tem necessidade de se iludir ou de procurar um sentido para a existência por via da religião ou de outros misticismos tais. É o rosto daquilo que seríamos se o nosso lado espiritual - e acredito que nos é "biológico" tê-lo - não insistisse em nos fazer acreditar em algo maior.
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Por último, tratando-se de um trabalho desenvolvido durante a II Guerra Mundial, entendo que o livro traduz também um pouco da psicologia da época, numa altura em que tantas vidas foram arrancadas ao seu "caminho natural", e em que me parece evidente que os intelectuais partilhavam uma noção generalizada de "absurdo".
Como romântica assumida, continuo a preferir um romance que procure interpretar os porquês da existência, e trazer maior clareza à compreensão dos dilemas do Homem. Se possível, que me reconforte, ainda que alimentando a ilusão de haver uma consciência geral, ou um propósito para a nossa inteligência. Creio que o buscar-se sentido para as coisas é, precisamente, o que faz de nós humanos.
A ter de abraçar uma "filosofia de absurdo", prefiro, no contexto da I Guerra Mundial, as mornas conclusões a que Somerset Maugham chegou em 1915, aquando da publicação de Servidão Humana.

Classificação: 3,75***/**

#180 SMITH, Deborah, Segredos do Passado

Sinopse: Filha de uma respeitada família de Dunderry, na Geórgia, Claire Maloney era uma menina caprichosa e mimada, mas isso não a impediu de travar amizade com Roan Sullivan, um rapaz feroz, órfão de mãe, que vivia numa caravana com o pai alcoólico. Nunca ninguém conseguiu compreender o laço que unia as duas crianças rebeldes. Mas Roan e Claire pertenciam um ao outro¿ até à violenta tarde em que o terror tomou conta das suas vidas e Roan desapareceu.
Durante vinte anos, Claire procurou o rosto do seu amor de infância por entre a multidão. Durante vinte anos, esperou ansiosamente uma carta e sobressaltou-se a cada toque do telefone. No entanto, quando Roan surge novamente na sua vida, a alegria de Claire não é completa, pois ao contrário do que se afirma o tempo não apaga todas as feridas.
Algumas permanecem ocultas, prestes a reabrir-se ao mais pequeno incidente. Que segredos do passado envenenam o presente e minam o futuro?

Opinião: Sou super fã da Deborah Smith, pelo que este é o quarto livro que leio da autora. Comecei a lê-la numa idade bem tenra, em que “A Doçura da Chuva” me surpreendeu pela profundidade e complexidade das personagens. Depois avancei para “O Café do Amor”, em que uma mulher muito bonita e muito ferida regressava a casa para se reconciliar com a vida. De seguida, e de longe o meu favorito, li “Milagre”, onde a autora criou um amor devastador entre o casal protagonista, das vinhas da Califórnia para uma mansão em França.
E, por fim, li “Segredos do Passado”. Se não tivesse lido os outros, talvez não me tivesse aborrecido tanto com este livro. No topo da pilha, torna-se só “mais do mesmo”, apesar de ter sido escrito antes de alguns deles.
A primeira parte do livro valeu-lhe cinco estrelas. O tecido do passado está imaculado: os traumas a adensarem-se, o desejo de redenção, o jogo de sentimentos entre o orgulho e a vergonha, a necessidade e a resistência, foram-me preciosos. A relação entre a Claire e o Roan nasce numa pequena localidade da Georgia, quase totalmente povoada de imigrantes irlandeses. O modo como a família da personagem principal transpôs as tradições do Éire para este estado americano é muito agradável de ler, através de baptismos de montanhas, festividades e cantorias. A Claire é a menina da vila, filha da família mais influente da região – os que a povoaram e encheram de serviços. O Roan é o filho de um antigo veterano do Vietname, um homem violento e torturado que só sabe azedar-lhe a existência. O modo como duas crianças tão improváveis se unem contra o mundo é enternecedor. O meu coração estive sempre numa montanha russa nessa primeira parte do livro, oscilando entre o horror perante a crueldade e o deleite quando por fim é demonstrado algum carinho para com a criança indigente da cidade.
Na minha opinião, a escritora não soube resumir nem trazer um toque de especial à segunda parte do livro. Não era fácil, uma vez que a primeira foi tão soberba. Ainda assim, a segunda parte é como que um eco da primeira. Não há momentos muito marcantes, não há a picardia das avós da Claire, não há o oscilar de emoções da primeira. Há um reencontro e depois há muita reminiscência. Recordam-se do que passou, do que os afastou, do que gostariam de ter feito no passado. E há uns quantos segredos, mas pulsam mais ou menos à superfície, e depois de os conhecermos andamos várias dezenas de páginas a acompanhar as personagens torturadas, à espera de vê-los revelados a quem de direito.
Achei que o livro peca por cento e cinquenta páginas. Bastavam cerca de trezentas páginas para se cortarem todas as repetições, todas as personagens que nada vêm acrescentar, todas as historietas paralelas que nos afastam do foco principal e nos vão cansando. Demorei imenso tempo a ler o livro – ainda que me importasse de modo genuíno com a Claire e o Roan -, porque quando esperava algo simples vinha mais uma recordação de algo que havia lido há cem páginas atrás. Foi doce e desolador, no início, e depois doce e chato, no fim. No entanto, voltarei sempre a ler Deborah Smith, quem sabe pulando as partes que me cheirarem a palha.


Classificação: 3***/**

#177 PLATH, Sylvia, A Campânula de Vidro


Sinopse: «The Bell Jar surgiu em Inglaterra, em 1963 com autoria atribuída a Victoria Lucas. O motivo que terá levado Sylvia Plath a recorrer a um pseudónimo, prende-se com a óbvia coincidência existente entre personagens, eventos e lugares ali descritos, e a realidade biográfica da autora.»

Do Posfácio

Opinião: Tentei gostar. A Sylvia Plath foi-me sempre incontornável. Infelizmente, sinto-me mais compreensiva quanto à sua história de vida (e ao seu desfecho) do que quanto a este romance. Começou lento, nada levava a crer que a personagem principal, Esther Greenwood, acabasse por cair em depressão e a sofrer de insónias e consequentes tendências suicidas. Não entendi de onde isso veio. Gostei do modo como o romance percorre a vida desta personagem com recurso a analepses, o que de início faz crer que a vida dela é perfeita, mas mais para o meio começa a entender-se que tinha uma relação distante com a mãe, e quase no fim finalmente menciona o pai, que morreu quando a Esther era pequena. Esther é escritora e tem um pseudónimo – Elaine. Faz questão de que partilhem o mesmo número de letras no nome. Elaine é Esther e Esther é Sylvia, ao que parece têm imenso em comum. São ambas americanas deslocadas, andaram pelos mesmos sítios e algumas personagens da vida de Sylvia reveram-se no leque de pessoas que, em “A Campânula de Vidro”, vieram cruzar-se com a Esther. Houve até quem viesse a público clamar que a Sylvia mentira quanto a alguns aspectos da sua vida, quando era demasiado óbvio que x na ficção era y na vida real. Acontece que este romance, publicado sob o pseudónimo Victoria Lucas, deve ter sido quase de imediato associado à sua verdadeira autora, porque poucos meses depois da sua publicação, a autora protegeu os filhos do frio londrino como pôde, isolou-os e isolou-se na cozinha e meteu a cabeça no forno. Já por várias vezes tentara suicidar-se, mas dessa foi bem sucedida.

Entende-se que o livro quebre com algumas tendências da literatura da época – diz-se que Sylvia Plath é uma percursora do feminismo pelo modo como, nesta mesma obra, se entende que a mulher deve procurar o sucesso, a carreira, a sua realização pessoal. O casamento surge como uma prisão e um modo de satisfazer apenas os homens, que são descritos como um tanto infantis e pouco dignos de confiança. É esse mundo de oportunidades e de frustrações que traz o caos à vida da menina Greenwood (ou quem sabe na da menina Plath). Não sabe o que fazer, o que escolher. Quando dá por si está no consultório de um psiquiatra, e depois de outro. Está ora a fazer terapia de choques, ora a admirar as cicatrizes da lobotomia da sua amiga Valerie, ou a tomar comprimidos que a arrastam para o limiar da inconsciência. 
Há uma altura mais negra do livro em que a personagem pensa constantemente em suicídio. Analisa todas as possibilidades com a sua mente lúcida e lógica: pondera uma lâmina Gilette nos pulsos, uma faca, nadar até fica sem pé, enforcar-se no laço de seda do robe, atirar-se de uma altura considerável, que garanta que morre e que não fica paralisada e impossibilitada de voltar a tentar. Tudo a desgosta: ler, comer, dormir. Quando se desprende de tudo o que era, sente que se fecha uma campânula de vidro em torno da sua existência, e que não pode respirar. 
Gostava que o desespero fosse mais evidente. A depressão é a doença do pensamento, mas aqui não se entende ao certo o que a desgosta. Aborrece-lhe que seja virgem – é para ela um fardo e um obstáculo no caminho da sua emancipação. Mas fora isso não são apresentados motivos que a angustiem. É apenas um pormenor. É até perigoso procurar-se razões para alguém estar deprimido. Apenas está.
Não deixa de ser um excelente retrato do estado depressivo e, creio, dos tratamentos disponíveis nos anos cinquenta na América para as doenças da mente. 
As metáforas, que lhe são elogiadas no estilo literário – sendo o próprio título uma –, são o meu odiozinho particular na escrita. Tenho procurado afastar-me o mais possível delas. Não gosto de ler, em vinte páginas, duas vezes a menção a “olhou para x como o gato perante o leite”. Ou mesmo a famosa citação: “To the person in the bell jar, blank and stopped as a dead baby, the world itself is a bad dream.” Imóvel, parado como um bebé morto... Não lhe encontro sentido. E por aí fora, era sempre x como y, e a repetição exaustiva deu-me vontade de corrigir o texto e de limar a palha. 
Mas quem sou eu? Nada entendo de literatura, só posso expor a minha opinião sincera, por muitas incongruências que possa apresentar.
Tenho de experimentar ler os poemas dela, talvez me venham mais directos à alma.

Classificação: 3***/**

#176 HUNTER, Madeline, O Protector

Sinopse: Numa terra sem lei, devastada pela guerra e pelas pragas, Morvan Fitzwaryn, um cavaleiro errante, faz jus à sua honra e protege os mais fracos. 

Habituado a ser o melhor, o mais forte, o mais temido, não esperava vir a conhecer um guerreiro cujas qualidades de combate rivalizassem com as suas. Quando se encontram pela primeira vez, é Morvan quem precisa desesperadamente de ajuda. De espada na mão e porte altivo, o guerreiro a quem ficará a dever a vida é, surpresa das surpresas, uma mulher! 
Em pouco tempo, a imbatível Anna de Leon torna-se no único prémio digno de ser conquistado... e o único que Morvan não consegue arrebatar.


Opinião: Neste livro temos duaspersonagens de carácter marcado: Morvan e Anna de Léon. São ambos fortes eindependentes, e quando a peste negra ameaça tomá-los durante a guerra, os doisficam ligados por uma situação de quase morte. O que não gostei no livro foi ofacto de o Morvan procurar constantemente cingir a liberdade da Anna, “para suaprotecção”. Esse argumento enfurece qualquer mulher com cérebro. E, tantas vezes,ela acaba por ceder!
Talvez me esteja a focardemasiado no século XXI, mas se as personagens fossem tão mente-aberta quanto aautora nos tenta fazer crer, sobre tantos outros assuntos, porque não podiamcomportar-se como duas pessoas apaixonadas, e não um “homem” e uma “mulher”,logo um homem que deve proteger a mulher e uma mulher que deve submeter-se aohomem? Entendo que estejamos a falar de um enredo medieval, mas não mo vendasob o rótulo de “grande amor”. Considero uma leitura fraca, e apenas o elementohistórico o salva de uma nota pior.

Classificação: 3***/**

LIDO (APROX.): 2011

#169 QUINN, Julia, Aquele Beijo

Sinopse: Gareth St.Clair vive momentos difíceis. Após a morte do irmão, passa a ser o único herdeiro da fortuna do pai. Infelizmente, o ódio deste por Gareth é tanto que prefere desbaratar o seu património a vê-lo nas mãos do filho. Resta-lhe como legado um velho diário, escrito pela avó paterna, que poderá conter os segredos do seu passado e a chave para o seu futuro. O único problema é que… o diário foi escrito em italiano, uma língua que o jovem não domina de todo.
Por um golpe de sorte, Gareth conhece Hyacinth Bridgerton, a mais jovem menina do conhecido clã, que nunca recusa um desafio, embora o seu italiano deixe muito a desejar. Além disso, Gareth intriga-a, pois parece estar sempre a rir-se dela.
Juntos, embrenham-se nas páginas do velho diário, mas aquilo que vão descobrir transcende as palavras escritas em papel, e manifesta-se sob a forma de um simples - mas inesquecível - beijo… 
Opinião: Hyacinth é hilariante, e a relação dela com o Gregory é preciosa. É o que me recordo dela - divertida e aventureira, fica bem emparelhada com Gareth. Uma vez mais, o nosso herói tem problemas com o pai e anda a tentar desvendar o passado. O livro passou-me quase ao lado, não me recordo de nenhum momento específico do mesmo. Sei que me ri, mas foi ameno. Outros da série são bem melhores.

Classificação: 3***/**