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Castelos de Letras

Em torno das minhas leituras!

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#199 VAUGHAM, Sarah, Anatomia de um Escândalo

Sinopse: James Whitehouse é um bom pai, um marido dedicado e uma figura pública carismática e bem-sucedida. Um dia, é acusado de violação por uma colaboradora próxima. Sophie, a sua esposa, está convencida de que ele é inocente e procura desesperadamente proteger a sua família das mentiras que ameaçam arruinar-lhes a vida.

Será que é sempre interpretada da mesma forma?
Kate Woodcroft é a advogada de acusação. Ela sabe que no tribunal vence quem apresentar os melhores argumentos, e não necessariamente quem é inocente. Ainda assim, está certa de que James é culpado e tudo fará para o condenar.
De que lado estará a verdade?
Será James vítima de um infeliz mal-entendido ou o autor de um sórdido crime? E estará a razão do lado de Sophie ou de Kate? Este escândalo — que irá forçar Sophie a reavaliar o seu casamento e Kate a enfrentar os seus demónios — deixará marcas na vida de todos eles.

Opinião: Sinto que este livro tinha imenso potencial, mas nunca chegou a arrancar. 
A abordagem da autora mata qualquer possível momento de clímax. O modo como as coisas são anunciadas, como a própria acção se desenvolve, em analepses nem sempre claras (sobretudo no início, em que ainda estamos confusos e começamos a saltar entre vários meses do mesmo ano, apenas para espreitar retratos familiares), acaba por roubar o entusiasmo que um livro com um mínimo de mistério teria a oferecer.

Anatomia de um escândalo era, em março, o #7 da Best-seller list doSunday Times, nada a que preste atenção, mas é indicativo do seu sucesso. Ao lê-lo, perguntei-me porquê. Os primeiros sinais de aviso vieram quando me senti entediada de morte com o detalhe do quotidiano das personagens, e a considera-los superficiais - um drama mais explicado do que sentido - perante uma situação tão séria. Dei por mim a pensar "já li isto", logo nas primeiras cem páginas. A sinopse é muito clara: há uma advogada de acusação chamada Kate, convencidíssima de que James Whitehouse é culpado da violação de que é acusado, e há a mulher perfeita, Sophie, que não pode acreditar que o seu marido fizesse aquilo a mulher alguma. Aos capítulos que alternam de personagem (A Kate, na primeira pessoa - porquê?, e a Sophie na terceira pessoa, junta-se uma Holly de 1993.

Achei a própria estrutura do romance atrapalhada. Vários capítulos de Kate na primeira pessoa, a procurar uma proximidade com o leitor, a interpela-lo, intercalada com uma Sophie distante, sobre a qual o narrador divaga, acaba por nos deixar num limbo estranho. Depois surge uma série de capítulos sobre Oxford, aí umas 50 páginas, que são mera palha. Além de palha, são a continuação dos estereótipos já iniciados com as personagens principais. Ora vejamos: James Whitehouse é lindo de morrer, as miúdas atiram-se-lhe aos pés desde a escola - já o sabíamos antes de subir a voz de Holly, porque Sophie não se cansa de expressar gratidão por ter sido a eleita de James -, Sophie é a esposa perfeita que abandonou a carreira para cuidar dos miúdos e que, apesar de vir do mesmo berço de ouro de James, surge crítica quanto às suas amigas da alta, como se houvesse algum motivo para ela ser diferente (o que não faz sentido até ao estalar do escândalo). As crianças são decorativas, servem apenas para ilustrar a família perfeita e para sugerir que James não arriscaria tanto num momento de imprudência. Kate, apesar de ser a personagem melhor retratada, é ridícula. A autora esforça-se para que assim seja. Estava a aceitar mais ou menos bem que a própria considerasse a peruca de juíza pouco atractiva, e ainda os sapatos de fivela, mas fartei-me da descrição do seu corpo. É que a autora quis que a advogada de acusação, Kate, fosse uma espécie de andrógena. O objectivo - e suponho que esteja errado a muitos níveis - é que, não tendo nada de atraente, também não se sentisse atraída. Sendo assim, Kate parece ser a única pessoa imune ao charme e carisma naturais de James. Mesmo aqui, e apesar de serem sugeridos fantasmas no passado de Kate, pois que se fala de uma "reinvenção" logo de início, gostaria que a abordagem fosse diferente. Porquê pintar a sua personagem mais forte com o modelo estereotipado da advogada workaholic, incapaz de ter um relacionamento, de se empenhar na sua vida pessoal, escanzelada devido ao desgaste da profissão e sem qualquer outro contexto na sua vida? Familiar que fosse, uma mãe, um pai?
Para mim, o que é imperdoável neste livro é a construção do caso. O núcleo da história é baseado num momento ambíguo, à luz do movimento #metoo e da voz de várias mulheres que vieram apontar o dedo a homens por violação. Falar do assunto é sempre complicado. Um dos subtemas mais complexos é a questão de violação dentro de uma relação. Se um homem (ou uma mulher) insiste com o parceiro, com persuasão física - que dizer da verbal? - e acaba por levar a melhor, sem que o outro quisesse, em efectivo, relacionar-se… Quando pode isto ser considerado violação?

É aqui que a história peca. É um assunto demasiado delicado. Não sei o que sentiram os outros leitores, mas eu senti, ao ler o livro, que o meu entendimento era muito diferente do que, tendenciosamente, me tentavam fazer engolir. E que a Kate, sendo uma advogada tão experiente, deveria ter entendido como o caso era patético. É aqui que reside o problema: a autora fez com que duas pessoas num caso amoroso soem patéticas quando uma diz que foi forçada a sexo tendo deixado claro que não queria ("não aqui"), e que a outra pessoa, com quem já se relacionara várias vezes, inclusive em circunstâncias semelhantes que atiram por terra o "não aqui", entende que tudo aquilo é parte do jogo habitual, da dinâmica da sua relação, "não fosses tão oferecida". Que há a dizer sobre isto? Será plausível que uma simples assistente abrisse a boca, tendo por base uma história tão ambígua que a pinta como adúltera e promíscua, para ver a sua vida sexual e o seu affair com um homem bem relacionado vasculhados, devido ao trauma do breve encontro? Não seria mais humano - não procuro o certo e o errado, mas a possível humanidade da teia deste romance - arrumar para o lado, considerar que foi a gota de água, porque causou desconforto (não diria trauma, pelo menos no caso central do romance), e pegar nisso para esquecer o homem que, de outro modo, já deveria ter deixado ir? Ou será que deitaria a sua carreira e o seu nome por terra para expor um homem quase intocável por causa de um encontro sexual que não correu conforme previra?

Não sei. É tudo demasiado confuso. Em geral, parece-me pouco plausível. A meio do livro já saltava parágrafos inteiros - já não conseguia ouvir nenhum dos intervenientes perguntar de novo quem rasgara as cuecas de renda preta da vítima - e, mesmo aqui, umas cuecas rasgadas significam violação? Que significa isto? Que quando não há roupa rasgada a mulher não foi violada? E como é que ninguém, jamais, no livro inteiro, sugere que a vítima as possa ter rasgado sozinha de propósito para o incriminar? Muito menos me interessava ler sobre a Kate circunspecta na sua sala de advogada, ou sobre a descrição de todos os corredores por onde passavam, ou sobre as suas noites solitárias e atormentadas, às quais se seguiam - para ela e para Sophie, salvo erro - sessões de exercício frenético. Pior: não queria saber de ninguém. Nem da esposa que por fim desenvolve dois dedos de testa, nem do bonito James, nem dos seus ombros largos, nem do seu sorriso auto-depreciativo e da sua amizade com o PM. Também pouco me interessava que a Kate ganhasse ou perdesse o caso.

Esperei um climax durante o livro inteiro. Entendi que era suposto que o climax fosse a revelação dos eventos da noite de 5 de Junho, quando o clube de arruaceiros privilegiados a que James pertencia levou as brincadeiras habituais além da conta. Quando a descrição veio, já estava mais do que desligada. Para mim o livro já tinha morrido há muito, e não havia suporte artificial que mantivesse a minha atenção ligada naquelas pessoas unidimensionais.

Como poderia isto ter funcionado?Mais capítulos sobre James, e menos sobre Sophie a fazer chá.
Menos descrição.
Menos dia-a-dia em Oxford: é palha.
Menos estereótipos, mais atitude.
Dar voz à vítima.
Para chegar aos leitores, ao seu entendimento, acharia essencial ao menos alguns capítulos onde Olivia explicasse como tudo aconteceu, qual a sua versão dos factos fora da barra do tribunal. Faria mais sentido ainda se James fosse igualmente reflexivo do seu lado. Porque este romance é isso: um mal-entendido. Uma interpretação que diverge, o ténue conceito de consensual. É isto, mas com muita pretensão (gorada) de ser mais.


Classificação: 2,5/5*****

#198 REIS, João, A Devastação do Silêncio

Sinopse: A Grande Guerra assola a Europa do início do século XX. Um capitão do Corpo Expedicionário Português encontra-se num campo de prisioneiros alemão, sem documentos que atestem a sua patente de oficial, obrigado a partilhar a vida e o destino dos seus conterrâneos mais pobres. Tem fome, ouve detonações constantes, observa, sonha, procura um sentido para tudo aquilo que o rodeia, tenta terminar o relato de uma estranha história sobre cientistas alemães e gravações de voz, procura desesperadamente o silêncio e, acima de tudo, a paz das coisas simples. 

Opinião: Inicialmente havia considerado um 3,5 arredondado para 4, mas conforme sou obrigada a reflectir sobre a narrativa, entendo que não me tocou. É uma pena, porque é um retrato nítido, um close-up aflitivo do que foram as agruras que os portugueses passaram na Frente.

É uma abordagem interessate, na medida em que não é político. A política é o que menos interessa para aqueles homens, cujos corpos e a sanidade são postos à prova durante mais tempo do que deveria ser suportável, e que, no instante em que o autor aponta o seu foco ao momento histórico, já o seu calvário se tornara ensandecedor. É quase um ensaio, um teste. Não procura ser épico, e isso, a nível nacional, parece-me novidade.

A haver uma palavra que o resuma, esta seria fome. Sente-se a fome, como se sente a doença, como se sente o esquecimento, os percevejos, o frio, a lama, a devastação da paisagem, a influenza a aproximar-se. Salvo erro, a data específica em que a acção decorre, nunca é informada. Também não importa, trata-se de um encontro entre dois homens numa estação de comboio; e o incessante palavrear de um deles, que se dissera em tempos silencioso, revela que guarda ainda todos aqueles episódios em si, toda aquela angústia, todos aqueles recados de bons homens que iam perecendo ao seu redor.
A narrativa é muito coesa, o livro é muito bem conseguido, um pouco como se o autor o tivesse escrito todo sob o mesmo ânimo, com o mesmo princípio metódico, com a mesma cadência na respiração. Isso é algo que nunca consegui fazer, por isso é uma característica que admiro instintivamente. 

Posto isto, o que não gostei no livro? Repetição. Há uma tendência que encontro nalguns escritores nacionais em repetir uma ideia até à exaustão. Talvez neste livro haja razão de ser, e de facto acompanha a psique das personagens, a sua fraqueza física e desgaste emocional, a sua confusão geográfica, temporal, a incerteza. Quase se ouve o espírito a quebrar-se-lhes, mas a verdade é que já em 2007, quando li Cemitério de Pianos, troçava da minha melhor amiga por o ter como seu livro favorito. "A luz na janela, a luz na cortina, a luz no chão, a luz no espelho e a luz no teu olhar", parafraseando. No caso deste romance, é a fome. A fome, o "gravar a sua voz" e, a dada altura, "as margens do rio". Se lesse mais uma vez "Baden-Baden"... A dada altura o discurso tornou-se repetido até ao expoente da loucura, talvez para entendermos como a personagem principal está entediada, como tem a cabeça noutro lado (nos talos, nos nabos, nos piolhos e nos percevejos). 

Pareceu-me estar de novo no centro do furacão daquilo que me parece uma tendência muito forte nos autores lusófonos. Achei o discurso corrido difícil de acompanhar às vezes, e devo ter precisado de talvez 2/3 do romance para me ambientar a ele, para começar a distinguir nomes, personagens, temporalidade, ritmo.
Ainda assim, e acima de tudo, é um romance que envolve, que nos arrasta para a Frente. Que nos faz questionar o que nos mantém sãos, o que conseguiríamos suportar; as intempéries estão ali todas, a testar-nos a sensibilidade. Mais importante ainda: recorda-nos a heróica resistência dos portugueses em circunstâncias ignóbeis, numa guerra que nunca foi para ser nossa.


Classificação: 2,5/5*****

#92 HOYT, Elizabeth, Vertigem de Paixão

Sinopse: Durante anos, Melisande Fleming amou Lorde Vale de longe... vendo-o seduzir uma sucessão de amantes e, uma vez, entrevendo a intensidade de sentimentos sob o seu exterior despreocupado. Quando ele é abandonado no dia do casamento, ela enche-se de coragem e oferece-se para ser sua mulher. Vale tem todo o gosto em desposar Melisande, nem que seja apenas para produzir um herdeiro. Porém, tem uma agradável surpresa: uma dama tímida e recatada durante o dia, ela é uma libertina durante a noite, entregando-lhe o seu corpo... mas não o seu coração. Decidido a descobrir os segredos de Melisande, Vale começa a cortejar a sua sedutora mulher - enquanto esconde os pesadelos dos seus dias de soldado nas Colónia que ainda o atormentam. No entanto, quando uma mortífera traição do passado ameaça separá-los, Lorde Vale tem de expor a sua alma à mulher com quem casou... ou arriscar-se a perdê-la para sempre.

Opinião: Diálogos fúteis, mas estranhamente adequados à época - vestidos, corte formal e pitoresca, esquilos, a comida, o vinho, o animalzinho de estimação. Quer dizer, estas pessoas não se conhecem quando se casam, parece-me lógico que não tenham nada de interessante a debater. Achei graça ao jeito do Jasper, porque disparava palavrinhas doces - e não sentidas - em cada frase. Acredito que na época fossem assim, namoriscadores. No entanto não consegui levar as personagens a sério. A história do tal "Jack", uma espécie de conto do soldado caminhante, não me suscitou nenhuma curiosidade. Passei quase tudo isso à frente. Li quase tudo na diagonal. Contudo entendi - porque também vivi algo parecido, a ânsia da Melisande relativamente ao Jasper. I mean... há seis anos que ela gostava dele - e queria estar com ele, conhecê-lo melhor, reconfortá-lo, desejava-o insanamente, etc. Esse desejo consumado é muito perceptível e traduz as ânsias dela, o seu acto de rebeldia ao pedi-lo em casamento. Essa parte foi-me fácil de entender. Mas não acrescenta nada ao género, não tem nada de invulgar. Os segredos de um e doutro são coisas previsíveis.
Não sei se vale a pena gastarem dinheiro nisto.

Classificação: 2,5**/*

#51 VIDAL, Alexandra - No Coração do Império

Sinopse: O Terramoto de Lisboa de1531 foi um duro golpe no coração do Império português. E decidiu a história deMaria da Esperança e Rodrigo Montalvão, um amor intenso que desafiou as regrasda corte de D. João III. Numa manhã fria no início do século XVI, chega aPortugal um carregamento de escravos vindos do Congo. Os melhores negros sãoencaminhados para a corte de D. João III, para servir a rainha D. Catarina deÁustria. Entre eles segue Imani, baptizada como Maria da Esperança pelos fradesportugueses. Pela sua inteligência e natural elegância, destaca-se entre osescravos – é ensinada a ler e a aprender a religião católica. O seu mestre é ogramático Rodrigo Montalvão, um nobre de alta condição, que por ela seapaixona. Nasce, entre ambos, um amor intenso e proibido, que é posto à provano dia 26 de Janeiro, quando se dá o grande terramoto de 1531 que causou amorte de mais de 30 mil pessoas e a fuga de milhares de lisboetas, tornandoirreconhecível aquela que era a grande capital do Império, no auge dos Descobrimentos.

É a história de uma paixão controversa,vivida numa corte de riqueza e intriga, em que uma mulher e um homem testam ovalor do amor e da liberdade.


Opinião: Não sei bem o que diga a respeito desta primeira obra da AlexandraVidal. Aliás, tenho até demais a dizer. Por uma vez decidi ignorar os meusinstintos a respeito das obras portuguesas que retratam eventos históricos elê-lo sem ideias pré-concebidas. Começou bem, até, lá nas paisagens do Congo.Mas isso durou três ou quatro páginas.
O livro prometia um amor daqueles entre uma escrava e umnobre da corte, e ainda uma catástrofe natural a interpor-se entre eles. Quemfor lê-lo pelo terramoto – como esta tonta, desengane-se. Se procurarem umdocumentário com alguns pós de ficção – ao nível de uma novela da TVI em que amá desaparece da acção convenientemente no final por ter enlouquecido depois demuito atentar contra a felicidade os principais, e em que estes doisprincipais nunca têm uma conversa de jeito nem nunca chegam a explicar coisaalguma ao outro – então este é o livro indicado para vocês.
O livro também prometia uma grande história de amor. Não sei a que sereferia, já que não é apresentado motivo algum para o amor entre a escrava e ogramático excepto, talvez, que ele gosta delas morenas (embora não o saiba deinício – e por início entenda-se a discussão épica em que ele se recusa aensiná-la, para daí a três páginas já estar orgulhoso dos progressos dela) eque ela se embeiça por ele porque é o único branco próximo e livre a dedicar-lheduas palavras. Algo como “podes pousar ali o livro e sai”.
O livro prometia ainda o inédito de uma escrava a aprender a ler – mas talnão sucede devido à inteligência dela. Aliás, esta personagem principalfunde-se nas pedras das paredes, de tão insípida. Nem isso é apresentado compaixão alguma…
O terramoto apresenta-se assim:
«- Não quero esta coifa de pano de linho, quero a outra de seda (…) Derepente, as portadas de madeira que protegiam as enormes janelas do aposento daguarda-roupa começaram a bater, quebrando os ferrolhos e partindo os vidros dasjanelas»
E então segue-se uma listagem bem tirada de um livro de História sobre oque caiu e o que ficou de pé na cidade. Não há um diálogo com naturalidade: ouestão a passar “sabedoria” e “filosofias” ou estão a debitar factos históricos. Derepente o tempo voa. Os filhos de D. Catarina (rainha) são criançasacabadas de nascer e, meia dúzia de páginas depois (quando começa tudo a voarpara o fim) já têm filhos – já o D. Sebastião está apostado em ir para Áfricaguerrear com os infiéis. A ideia que me deu é que a escritora quis fazertudo em grande e pensou: que se lixe, já agora faço disto um romance épico. Emdez páginas pulo trinta anos e faço disto aqueles amores que nunca chegam bem aconcretizar-se. Já agora meto cá o D. Sebastião, que até foiimportante. Espanta-me que não tenha falado do D. João IV, afinal o homemrecupera o país… era só pular mais oitenta ou noventa aninhos. E da Catarinacasada com o Carlos II, sempre foi rainha de Inglaterra, não? Calma, daqui anada estamos no Sócrates a mudar-se para Paris. A mal ou a bem também teve asua importância na História. Bom, estou a exagerar, como é evidente.
O terramoto ocupa, no máximo, vinte páginas do romance em que a informaçãoé toda debitada. De repente temos mil olhos – já somos o guarda dos escravos, onobre a quem os escravos fogem, somos os escravos, somos as vozes da corte e onão sei quantos que toma conta dos gatos da rainha. Somos tudo e, no instante aseguir ao terramoto já temos o relato completo dos danos e do número de mortos.A propósito… a sério que foram 30 000 pessoas enterradas com orações?! Nãoadmira que, em 1755, o Marquês de Pombal tenha apressado os enterros!
Em termos históricos não encontrei grande coisa a apontar – excepto,talvez, a utilização do termo “gótico” relativamente à escrita por parte dogramático. A minha ideia é que o termo “gótico” só tem realmente adesão noséculo XIX, com os revivalismos, e que antes disso surgiu no século XVI mascomo algo pejorativo. Isto é, à luz do renascimento qualquer arte anteriorseria vista como arcaica - excepto a clássica em que se inspirou - não? A minha questão é: falava-se em caracteresgóticos tal como agora se fala associados sobretudo à Idade Média?
O rei nem chega a ser apresentado ao leitor, parece-me que só surge uma veza dar as mãos à rainha numa sucessão de situações sem grande importânciaaparente. Sucedem-se listas intermináveis de tipos de tecidos e diálogos meioafectados, muito pouco naturais.
As personagens são unidimensionais, até a escrava principal lamenta duasvezes “nunca ter explicado os seus motivos” para uma dada fuga que enceta. Masque motivos? Na altura ela simplesmente se junta a quem foge, sabemos lá nós aocerto o que vai na cabeça dela! E que motivo maior precisa um escravo parafugir? Parece que um longo diálogo sobre o valor da liberdade tinha de ser alipespegado para que o idiota do seu grande amado – que conhece-a tão bem como oleitor, ou seja: nada – a compreendesse.
Não percebi nada do que a autora quis passar com o romance, excepto que aescravatura é feia – asserção defendida sem grandes acrescentos àquilo que é dosaber comum- , e que o terramoto – que se perde ali no meio – foi uma desgraça.Ah, e que o amor vence (?) preconceitos. Bom este não venceu coisa alguma.
Para mim valeu pena lição de História. Como romance...
Classificação: 2,5**/*