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Castelos de Letras

Em torno das minhas leituras!

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Os favoritos da vida

só que resumidos a 5!

A minha pasta de favoritos no Goodreads refere 24 títulos que se destacam do mar de livros que li até hoje. Desses 24, alguns mais próximos, outros mais diluídos na memória, decidi escolher 5 para fazer um post sobre os meus livros favoritos de sempre, e porquê.

Isto dos livros favoritos é muito pessoal, tal como o é o gosto por música. Independentemente de o nosso género ser punk, por vezes um momento consagra-se ao som de uma composição de blues, e a canção pode não se tornar favorita, mas torna-se inesquecível, e parte da nossa história.

Cá vão os livros que amei por todas as razões que passo a explicar...

 

1. O Fio da Navalha, Somerset Maugham

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Há um filme com Bill Murray cujo cartaz exemplifica melhor a essência de "O Fio da Navalha" do que a própria sinopse do mesmo.

Esta é a história de Larry, um americano comum, com a vida mais ou menos planeada - um casamento, um emprego - e que perde todas as suas certezas aquando da sua experiência como piloto de guerra na Primeira Guerra Mundial. Isto é, quando um seu companheiro de armas se sacrifica para o salvar, Larry começa a ver a vida de outro modo, e a buscar-lhe um sentido. O próprio Maugham assume-se como narrador, e Larry como um seu conhecido, uma das inúmeras pessoas com quem se cruzou na sociedade de Chicago, e mais tarde em Paris. Assim, o livro vai-se desenvolvendo de encontro em encontro, enquanto a América se precipita para o Crash da Bolsa de '29 e a Europa para a Segunda Guerra. Este livro tocou-me profundamente pelo retrato nítido das personagens, pelo modo como conduzem as suas vidas sem terem realmente total controlo sobre elas, e por dois momentos de absoluta transcendência que vivi ao lê-lo, guiada pelo talento do autor. Um desses momentos passa-se num lago na América, quando um homem reflete sobre o que perdeu com a crise e sobre o atual propósito da sua vida, e outro quando Larry, em meditação, assiste ao nascer-do-sol na Índia e retira daí as respostas que havia perseguido durante tanto tempo. Em suma, é um livro espiritual apesar da rigidez da sociedade, da dureza dos tempos e das convenções esmagadoras de um mundo em profunda mudança. Segundo o cartaz do filme, é a história de um homem à procura de si mesmo. Ficou-me gravado na alma.

 

2. E Tudo o Vento Levou, Margaret Mitchell

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São 1200 páginas daquele que considero o romance melhor conseguido de todos os tempos. Por todos os motivos: porque é enorme, porque contém as personagens mais complexas que jamais encontrei (excepto, talvez, em Os Irmãos Karamazóv), porque o amor, a guerra, a mudança, a morte, a fome, tudo, é eximiamente descrito e explorado. E Tudo o Vento Levou passa-se nos conturbados anos da Guerra de Secessão nos Estados Unidos, que opõs o sul esclavagista e ligado à terra (a Confederação), ao Norte industrial e progressista (a União). No centro desse conflito temos Scarlett O'Hara, uma jovem mimada e fútil que até então viveu de privilégios, e que por fim se vê obrigada a vários sacrifícios para sobreviver. Scarlett não olha a meios para obter o que deseja, e é por isso que a considero a melhor anti-heroína de todos os tempos, a par com Rhett Butler, o seu co-protagonista. E eu adoro histórias de personagens falíveis, anti-heróis e outros cuja alma percorra um caminho de redenção!

 

3. As Vinhas da Ira, John Steinbeck

Este romance de 1939 da autoria de John Steinbeck ganhou o National Book Award e o Pulitzer Prize, sendo que mais tarde Steinbeck haveria ainda de ser distinguido com o Prémio Nobel. As Vinhas da Ira é a saga épica da família Joad, que se vê vítima da Grande Depressão, mas também das tempestades de pó que atingem ocasionalmente o centro dos Estados Unidos e que destroem as colheitas. Vítimas de condições tão inóspitas, os Joad, com a casa às costas, atravessam vários Estados ao longo da Route 66, numa tentativa desesperada de chegar à Califórnia, onde haveria trabalho, sol e pêssegos para todos. Este livro desafia os limites do suportável, da miséria, e em simultâneo tem um cunho socialista, de denúncia que busca levar a sociedade à reflexão e à correção de comportamentos pouco empáticos. O discurso de Tom Joad à mãe, em que garante que sempre que haja injustiça no mundo ele estará lá, arrepiou-me e emocionou-me até às lágrimas. Deixo a canção que descobri após a leitura, e que me acompanhou durante as semanas em que o livro permaneceu em mim - original de Bruce Springsteen, mas é desta versão que gosto.

4. O Som e a Fúria, William Faulkner

"Life's but a walking shadow, a poor player,
That struts and frets his hour upon the stage,
And then is heard no more. It is a tale
Told by an idiot, full of sound and fury,
Signifying nothing."

Shakespeare, Mcbeth

"O Som e a Fúria" é um romance experimental de William Faulkner, publicado em 1929. Dividido em quatro partes, expõe a visão das personagens de maneira tão única que o leitor começa por se sentir perdido. Ainda me pergunto se teria coragem de continuar a lê-lo noutro contexto que não aquele em que o li: nas viagens diárias no metro, entre New Jersey e New York, em novembro de 2018. Estava presa àquele livro cuja ação decorre no sul profundo da América, onde os escravos surrupiam salsaparrilha aos patrões, descendo às adegas e escondendo-se pelos cantos que dominam nas mansões senhoriais. Mas o Som e a Fúria é sobretudo a história da família Compson, em declínio perante a sociedade. Outrora aristocratas, enfrentam a pobreza, a doença mental, o vício e a degradação generalizada. Faulkner recorreu ao chamado fluxo de consciência, em que o narrador cede à personagem o ritmo da narrativa, e esta se desenvolve ao passo a que as ideias lhe ocorrem. Torna-se confuso, difícil de ultrapassar, mas pontilhado de momentos inesquecíveis, de significados ocultos até à resolução de todo o mistério, revelou-se simplesmente sublime.

 

5. Cem Anos de Solidão, Gabriel García Márquez

Ilustração de Luísa Rivera

(Ilustração de Luísa Rivera)

É pouco habitual que me entregue demasiado ao estudo de um autor, são poucos os autores que me fascinaram de tal modo que assisti a entrevistas, umas atrás das outras, para poder beber da sua aura, das suas palavras e acompanhar-lhes as ideias. É-me fascinante. Numa das entrevistas de Gabo, o autor revelou que, antes de Cem Anos de Solidão, tinha escrito romances e outros textos com o objetivo de levá-los à televisão, de contentar o público e de criar conteúdo para entreter. Quando se viu a escrever Cem Anos de Solidão, escreveu-o para si, abandonando essa escrita televisiva e as expectativas do público. O transe durou 18 meses, e creio que isso se explica pelo modo como o livro parece correr a um ritmo, a uma voz. De geração em geração de Buendías, a imaginação de Gabo multiplica-se, aprimora-se. Cada geração é única, dispõe de uma voz e de adjetivos, e entrelaça-se nas horas com tanto esmero! Tão trágico quanto amoroso (é esta a palavra que quero, amoroso), o enredo de Cem Anos de Solidão é inesquecível. Ou melhor, desvanece na cabeça, mas fica no coração. Maravilhoso!