Livros tão maus que não deu para parar de ler
Há quem ache que ler um livro qualquer é melhor do que não ler livro algum, mas eu não concordo, mesmo porque já tive péssimas experiências com algumas leituras.
Deixo-vos os meus traumas literários com as respetivas reviews.
Tem toda a razão todos os que disserem que com estas escolhas literárias só podia acabar em desilusão, mas reparem que há um Nobel no meio!
A Música do Tempo, Margarida Afonso
De longe, sem sombra de dúvida e, inesquecivelmente: o pior livro que alguma vez li. Uma perda de tempo total.
Uma dondoca fútil, que nada deve à inteligência, com problemas insignificantes a consagrar-se desgraçadamente em baixo, tudo alinhavado pela pior escrita com que alguma vez me deparei. Já o li há pelo menos cinco anos, e recordo-me de não ter conseguido parar, devido ao absurdo dos diálogos, das situações. Recordo-me de a dondoca passear na própria propriedade, apontar um limoeiro e perguntar a um funcionário o que faziam com os limões. Marcou todos os pontos: pelo pior.
Em segunda edição!
Não há boas fotografias, mas podem espreitá-lo aqui.
Uma Escolha Por Amor, Nicholas Sparks
moralmente questionável
É para aí o décimo livro que leio de Nicholas Sparks depois de uma pausa de alguns anos… o último que tinha lido foi o Juntos ao Luar. Resumindo: continua o mesmo. Se querem conhecer o estilo recorrente de NS somem estes ingredientes:
- Muitos diálogos a propósito de nada com piadas aleatórias.
- Chavalinho porreiro com covinhas na cara que bebe cerveja
- Chavalinha com mau feitio que bebe Diet Coke
- Encontros comuns – jantares, barbecues – combinados e sem nada de espontâneo, onde eles discutem a espontaneidade e decidem que vão dar um mergulho, aprender a andar de mota, algo do género.
- Beijos conservadores no final desse primeiro encontro
- Um viúvo
- Alguém estéril
- Um acidente
- Uma doença
- Um cão
- Uma ligação inexplicável com um animal que não lembra a ninguém – como o Noah da Alquimia do Amor com o cisne, ou agora o Travis com um pombo.
- Um dilema moral complicado, do género: a) ela está a morrer, vale a pena ficar com ela? b) ela diz que para ficar com ela tenho que deixar de mandar garrafas com mensagens à minha mulher que morreu c) ela não pode ter filhos, fico com ela? d) o irmão dela é que atropelou e matou a minha mulher, fico com ela? e) ela pediu que, caso ficasse em coma, etc., eu devia desligar as máquinas ao final de doze semanas. Desligo?
Este dilema e) teria dado um livro excelente. A sério. Gabo-lhe o ter pensado nessa questão, embora não seja totalmente nova, e teria sofrido e vivido realmente este tema. Tudo porque, saberei lá eu explicar, fiz o mesmo pedido a uma pessoa próxima. Se por algum motivo ficar em estado vegetativo, ajudem-me a morrer, já que cá não se pode escolher esse desligar das máquinas, segundo sei. A pessoa disse que não o faria. Não o faria porque gosta de mim. Bom eu devo ter uma ideia muito distorcida do amor, detestei. Não, detestei não chega, DETESTEI, em caps, a mensagem que o Sparks passa neste livro. Fiquei indignada com a pequenhez deste amor que ele descreve e que vende, e que muitas mulheres/homens, se é que o lêem, compram como o ideal. O único, o genuíno. E a dignidade humana? A mulher teria de ficar meses – anos…! – à espera de acordar numa cama, quem sabe se aprisionada no próprio corpo mas consciente, a ansiar por ser libertada? Por poder morrer? Para lhe removerem os tubos que lhe sustêm a vida? Com o corpo a atrofiar-se? O rabo a ser limpo por terceiros? Amor, para mim, tem de ser mais. Mais do que ele gostar dela e não imaginar a vida sem ela. Se a ama respeita-a. Se a respeita cumpre o que ela lhe pediu, em desespero. Mas não, mais vale arriscar, queimar os papéis legais onde ela estipula esse pedido e fazer figas para que ainda esteja vivo um dia, se ela acordar. E depois, como é Nicholas Sparks *spoiler* a senhora claro que acorda. E nem se zanga! É escusado dizer que, se fosse eu, embora agradecesse a oportunidade para ter regressado, me separasse quase certamente de um homem em que não podia confiar. É isso o amor, não? Pedir a alguém que nos dê voz quando ela nos falta, e esperar que repita as nossas palavras sem egoísmos. E ele foi egoísta, tão egoísta…! Não concebo amores assim.
Passada a fase da indignação acrescento que isto representa a segunda parte do livro. A primeira deve-se ao modo como estes dois vizinhos se conhecem e a sinopse só se debruça sobre ela. Ora a senhora tem namorado – quase noivo – e, ao final de três dias, já anda enrolada com o vizinho. True love, says Nicholas Sparks. Devo mencionar que, dias depois quando um colega de trabalho dela tenta beijá-la o dito vizinho o esmurra e a aconselha a abrir um processo contra ele de agressão física? Fuck logic. Onde está a explicação dela ao namorado quando o larga? O livro sofre um pulo. Ora estão a passear de mota e conhecem-se há três dias, ora já ela está em coma e ele a ama perdidamente, anos depois, casados e com filhos. O senhor escreveu o livro nos joelhos. A Presença, mesmo na 8ª edição, tem o livro cheio de gralhas. Não admira que seja dos dele de que menos se fala…
Enfim, se eu entrar em coma, se eu tiver um AVC e não puder falar, se eu partir o pescoço e implorar a alguém que me ajude a ter paz, façam-no! Como dizia Ramón Sampedro (Mar Adentro), Aquele que me ama é aquele que me ajudará a morrer.
PS - O nome do livro devia ser "Uma Escolha por Egoísmo Que Acaba Bem Porque, Afinal, é Nicholas Sparks"
A Valsa Esquecida, Anne Enright
sem alma, sem sal
Sou um bocadinho snobe no que diz respeito a literatura. Bom, é verdade, admito. Eu própria me envergonho disso por dois motivos que considero válidos; primeiro porque a leitura é extraída da escrita, e a escrita, como arte que é, é subjectiva. Toca uns e passa ao lado de outros.
Mas este A Valsa Esquecida intrigou-me. Foi nomeado para um Orange Prize, tem uma capa que apela à melancolia, à reflexão e aos valores morais e enraizados... não? A mim foi essa ideia que passou. Agora adivinhem? Eu não entendo porque é que o livro tem este título - nem valsas, nem convenções, nem um passado para esquecer, nada que se lhe associe. E a capa? Bom a ideia que tenho da protagonista é uma trintona de ganga e cabedal, cabelos curtos, álcool e maquilhagem a mais. Onde é que isto combina com a saia e os sapatinhos clássicos da senhora na capa?
Ponto positivo: a escritora e o cenário são irlandeses e, visto que vou à Irlanda em Setembro, teve para mim, um interesse particular.
Ponto negativo: fiquei na mesma quanto à Irlanda, a escritora não aproveitou a visibilidade para falar de nada que não da crise e do sector imobiliário.
Personagens: mas que azar é este que tenho com as personagens? Perguntei-me, ao terminar o livro, se sou eu que embirro. Senti-me ligeiramente decepcionada por ter a certeza de que ia gostar do 2º livro da Balogh publicado em Portugal. Perguntei-me se seria o género: será por amar tanto os romances históricos que me aborreci de morte com este da Enright? Mas tive a minha resposta: na segunda página do Um Verão Inesquecível, já eu estava a rir. Já o personagem masculino foi apresentado, com toda a margem que há-de haver para as suas inconstâncias e imprevisibilidades. Já os homens na multidão tinham mais alma, mais profundidade, mais dimensões, do que a cabecinha oca da Gina e o canalha do Seán deste A Valsa Esquecida.
A dado momento o romance resvalou do foco do romance extraconjugal para a filha do adúltero, que tem epilepsia. Ora bem quando o casal esmoreceu - alguma vez houve chama? Aí pela página 160 de 225 (aprox.) a autora lembrou-se de remexer na filha. De "inventar" uma relação entre a adúltera e a filha do adúltero. Relação cliché, mal explorada, vazia, até porque a Gina não tem nada de terno, vulnerável ou maternal. A cabeça do Seán? Nunca entendemos. O porquê daquela atracção mútua? Idem.
O que salva o romance - muito repetitivo em cenários, muitas festas com os mesmos convidados, álcool, pseudo-dramas e rotina doméstica aborrecida - são os trechos, as associações espirituosas ocasionais que sugerem que a Anne, de facto, tem talento. Este só não é um livro que eleve o seu potencial.
PS - Voei sobre as últimas cinquenta páginas...
Uma Promessa de Amor, Tiago Rebelo
o segredo é escrever livros com um pézinho no estrangeiro, mas nem isso os salva
Talvez deva gabar a perícia que este senhor tem para reconhecer crianças nos homens. É o segundo livro dele que leio e, segundo sei, a fórmula é a mesma. Metem-se duas mulheres ao barulho, maduras e admiráveis, e um homem indeciso como uma criança numa loja de doces. Recorta-se uma cena em duas, mete-se metade no início e metade no fim e tem-se assim uma fórmula “infalível”. Depois é preciso que as mulheres digam que estão fartas de ser espezinhadas, e que o homem seja tão encantador – e encantador é a palavra favorita do autor – que lhe dê a volta no final sabe-se lá como (ele também não se dá ao trabalho de explicar). O que dizer deste romance em específico?
Temos uma mulher (Luz María) presa ao regime cubano – encantadora – que tem um caso quase fortuito com um homem-criança, idiota, atraente, metido por entre todas as saias que passam. Temos essa mulher a quase arriscar a vida para conseguir fugir do país, com a mãe atrelada. Depois temos outra mulher (Isabel) com uma carreira de sucesso no ramo da publicidade, cuja vida já foi inúmeras vezes estraçalhada pelo mesmo homem que ela considera o amor da sua vida, e a quem este Lourenço, também homem-criança, considera o amor da sua. Posto isto, não entendo como é que a mestria deste senhor se mete a enrolar as cabeças das pessoas. A mim parece-me tudo muito simples – ele passou a vida a destruir a felicidade da mulher que diz amar (apetece-me rir pelo facto de ela, aparentemente, lhe ter dado essas oportunidades todas), e então vem a cubana. A cubana, uma mulher admirável, sem dúvida, embora nunca se entenda muito bem o que a move – sem ser o desejo por liberdade, que me parece comum a qualquer ser-humano num regime opressivo – e por quem ele se encanta. E o encantamento é suficiente para, uma vez que não pode tê-la, meter novamente “a mulher da sua vida” na gaveta. Foi o final que me chocou mais quando uma destas mulheres, descritas como fortes e dignas pelo autor, decide aceitá-lo. E desvie agora os olhos quem tiver intenções de embarcar neste mar de frases feitas, informações dispensáveis e evidente falta de empenho do autor. Mas ela ACEITA-O. Para mim era evidente que o final do livro é cada uma delas a dispensar o idiota do homem, que viveu por entre pernas uma vida inteira, que se despiu da Isabel porque “não estava preparado”, que voltou para ela só para voltar a deixá-la uma e outra vez. Que final mais perfeito, mais adulto, seria este? Desdenhou tantas vezes do doce que devia era ficar sozinho na sua casa “enorme” no Parque das Nações, a beber o típico uísque e a olhar para as luzes da Vasco da Gama. Aí sim, talvez eu admirasse um pouco este livro. Agora um final feliz para um pulha? Uma mulher de personalidade forte a submeter-se outra vez?
Poupa-me, Tiago. Não me convenceste.
Mariana, Meu Amor, Margarida Rebelo Pinto
um pontapé numa figura histórica que muito acarinho
Vou tentar ser concisa nesta review, e portanto vou separar as águas por pontos.
Motivação: Voltei a pegar num livro da Margarida Rebelo Pinto, após o trauma anterior, sem sombra de dúvida por causa do chamariz da história da Mariana Alcoforado. Para quem não sabe (e que pelo livro dificilmente entenderá, pelo que aconselho antes a leitura de “Mariana”, da Katherine Vaz), trata-se de uma fidalga encarcerada pelo pai no Convento da Conceição de Beja, na segunda metade do século XVII. Mariana escreveu cinco cartas inflamadas ao seu apaixonado, o Marquês de Chamilly, que andava por cá a combater os castelhanos. O sucesso de vendas foi imediato e duradouro em França, e acabou por ser traduzido noutras línguas. “Cartas de uma Religiosa Portuguesa”. Como já previa, o engodo saiu gorado. A acção nem sequer decorre nessa época, mas sim na actualidade. Uma jornalista anda a registar a história da Soror Mariana. A história de amor disfuncional da jornalista Alice, bem ao estilo de todas as que a Margarida conta desde que aprendeu a escrever, é o fio condutor da história.
Revisão: O livro parece carecer de uma revisão séria. Surgem frases como “O coração, a quem…”, estrangeirismos metidos pelo meio do livro e sem itálico, tipo “out of the blue”, etc., etc. Por várias vezes tive de reler uma frase na tentativa de entender o seu sentido, posto que as vírgulas andavam desencontradas.
Romance contemporâneo: Como escritora, antiga estudante de literatura, não entendo como a Margarida pode ter adoptado este estilo. Não é “leve”, é “pena”. Profundidade nem vê-la. A escrita é acessível à minha irmã de 9 anos, com algumas deixas a respeito de tecnologias que me deixaram de sobrancelha erguida. “O Pedro mandou-me um Whatsapp”. Eu pensava que o Whatsapp era uma aplicação, e que se diria algo como “O Pedro mandou-me uma mensagem no Whatsapp”. Afinal, parece que podemos mandar a aplicação uns aos outros. O Pedro é o “vilão” deste livro. Com a Guida há sempre um tipo que lixou a vida da principal, que a ama mas é um cobarde, que a deixou e não responde às mensagens. Nesta “obra” não é excepção. A Alice meteu-se com um homem casado, que não deixa a mulher e os filhos por ela. Surpreendeu-me ter gostado q.b. deste enredo até à página cem. Foi a descrição do Rio de Janeiro e dos brasileiros, e também das pessoas com quem a Alice se ia cruzando, as águas de coco, o paredão e algum conhecimento evidente da cidade sobre a qual se escrevia e dos hábitos culturais dos cariocas. Havia a certeza da Alice de que o Pedro gostava dela, mas era demasiado cobarde para arriscar mudar de vida. Pronto, até à página cem funciona. Depois torna-se maçador, é sempre mais do mesmo. Todos lhe dizem que é linda e deveria seguir em frente. Basicamente, o romance contemporâneo são duzentas e cinquenta páginas de uma Alice a lamuriar-se, enquanto se diz forte e independente, e enquanto os outros lhe elogiam a liberdade. São duzentas páginas de “ele não me liga nenhuma”, e de “não consigo esquecê-lo”, e da história da Mariana enfiada pelo meio, a ultrapassar o Nöel à força, à laia de lição de vida amorosa. Incongruências? Os pais da Alice são toxicodependentes, mas nunca bateram à porta dos pais a pedir dinheiro, nunca procuraram a filha com esse fim. Quando o pai morre, deixa mil e setecentos euros e o hospital pago em antecipado. Que rico drogado este, que em três décadas manteve sempre o controlo sobre o vício e ainda morre num hospital privado, ainda que sozinho, com quase dois mil euros no bolso. Minha gente… Uma pessoa agarrada ao “cavalo”, como a Margarida se refere à heroína, anda sempre no limiar da miséria. Garanto que não teria um euro no bolso. Enfim, um livro com este enredo, em 120 páginas, até seria minimamente tolerável. De 300 é impensável, repetitivo, aborrecido. Também não gosto da maneira como ela conduz a narrativa. “Acordei às dez, tomei um duche, comi uma maçã e fui às compras. Bebi um café, voltei para casa e escrevi dez páginas do livro novo”. E da futilidade das relações, dos melhores amigos que se fazem após uma conversa, das mil e uma personagens cuja história é resumida em dois parágrafos, do homem que amamos por causa do cheiro, da elegância e do desprezo a que nos vota, do tipo com quem dormimos porque está na hora de seguir em frente e ele estava ali, naquele bar, naquela noite, e nos disse que éramos bonitas. Mas o pior está para vir… Ah, e já vos disse que a alcunha da personagem principal é Açúcar? "Oh Açúcar, tens de o esquecer!".
Mariana Alcoforado: Completamente assassinada. Para quem leu e releu as cartas, como eu, a Mariana não é nada daquilo que a Margarida descreve. E há visões que terei de apagar da memória, para poder preservar a ideia daquela que é, para mim, a mais notável história de amor do nosso país. Maior do que a de Pedro e Inês, que julgo baseada sobretudo em luxúria, e na traição da pobre Constança. A felicidade desses dois constrói-se sobre a desgraça da princesa e a possível perda de independência do reino. No caso da Mariana, falamos da vida pessoal de uma jovem de boas famílias, cuja contrariedade por ter sido fechada num convento transparece a cada palavra das suas cartas. Uma mulher confinada cujas palavras escapam às paredes do convento e chegam aos confins da Europa para confidenciar a sua solidão e o seu amor desmesurado pelo Marquês de Chamilly. É evidente que ele a conspurcou, que ela se deixou ir por acreditar nas suas promessas de amor eterno e de que voltaria para a resgatar do Convento. Porém, e sem me alongar, a abordagem da Margarida é a seguinte: sempre na primeira pessoa, a Mariana narra, ao longo de 4 dias, a sua história de amor a uma noviça muda. Teria então 75 anos e analisa tudo em retrospectiva. Porém, a falta de sensibilidade da Margarida neste ponto do romance é constrangedora. A voz que empresta a Mariana jamais pode pertencer-lhe: esta mulher conformada, entregue à vida religiosa e que se queixa do amor da sua vida, a quem chama “crápula” e outras coisas que agora não me recordo e que me soavam igualmente abrasileiradas. A linguagem está desfasada da época, parece-me. “Devo cuidar da higiene do convento”, ou algo semelhante. Higiene? Este conceito não me parece muito seiscentista. Enfim, o pior mesmo foi o modo como, quase no fim do livro, ela continua a repetir “Benedita, vou contar-te a história deste amor, regista tudo o que digo”. E depois divaga sobre o amor e o sexo – muito entendida, esta freira que só teve um amante, e que foi enclausurada num convento aos dezasseis anos. Mas pior é mesmo o modo como há sempre descrições de sexo nas lições desta Abadessa à sua pupila, de modo vulgar e incomodativo. Toda eu me encolhia ao ler a minha “suposta” Mariana a dizer que o Marquês de Chamilly “a penetrava” assim, a “possuía” assado, mas pior ainda… Que tinha um “membro muito grande”, e que ela lho dizia, ou que uma mulher deve dar prazer ao homem de todos os modos que souber, por exemplo “montando-o”, e que o faziam todas as noites, despachando depois os lençóis para uma noviça lavar. O que me matou (fechei o livro, apaguei a luz e enrolei-me em posição fetal de olhos muito abertos no escuro), foi ler que (view spoiler). Morte ao amor, viva às lições sexuais da freira enclausurada. Não acredito que uma velha abadessa de 75 anos tenha necessidade de contar tais coisas, pensei que falariam do amor, das conversas, dos detalhes do enamoramento, mas não. Aqui fala-se do modo como fornicavam, e basta. Também adorei ler a Mariana a avisar a freirinha dos homens maus, do modo como abandonam as mulheres, como “se não nos respondem às cartas é porque já não têm nada a dizer”, e como há por aí “violadores”. Espantoso o acesso à informação que uma freira enclausurada tinha, e sobretudo o quão progressistas eram estes termos e visões da sociedade. Ah e a HISTÓRIA? Enxurradas de números e datas sobre guerras, e está feito. É mentira, a Mariana é só um engodo para fingir que a MRP é capaz de escrever um romance histórico (nem de época, quanto mais histórico!!!). Se é pela Mariana que vêm, fujam!
Apreciação geral: Tirando partes do romance da tal Alice, a que até achei alguma graça, a mulher não sai do mesmo. A criatura arrasta-se, queixa-se a todos, todos lhe perguntam se está bem, se já o esqueceu… Bem, dá a ideia de que o amor é isto: na gaveta, à espera que ele precise de nós como que a um par de cuecas limpas. E já me estou a repetir, pareço ela.
Duas estrelas: 1 pelo Brasil, 1 porque reservo o 1* somente para livros que nem podem ser apelidados de tal.
Toni Morrison, Deus Ajude a Criança
Do pior que jamais li
”Sem aprofundarem muito, partiram do princípio de que os três viveriam juntos, pelo menos até Queen poder cuidar de si”
Nos últimos tempos, tenho lido muitos livros bons. Li O Som e a Fúria, li As Vinhas da Ira, li À Espera No Centeio, li Mataram a Cotovia. Posto isto, peguei nesta pequena obra de Toni Morrison, uma autora nova para mim, porque o tema do racismo me interessa genuinamente. Já o explorei nalguns destes romances, e esperava algo ainda mais pungente, ainda mais avassalador, neste Deus ajude a criança, porque a ação nos chega pelo punho de uma negra laureada com o Nobel, nascida em 1931 e que, até pela época em que viveu a sua juventude, deve ter contos de arrepiar a respeito do assunto.
Não sei se comecei pelo livro errado, ainda tenho ali outro da autora na prateleira, mas o certo é que detestei. Oh, se detestei. Detestei-o da página 1 à 149, mas mais ainda da 150 à 157. Vou tentar resumir porque me causa o livro tanta aversão em termos gerais, e depois vou pôr um filtro de spoilers para dizer porque é que um pobre e inocente romance de 157 páginas me causa tanta indignação.
Comecemos do modo politicamente correto: as personagens são fúteis e superficiais. Pode dizer-se isto de personagens que saíram do punho de um Nobel? Diria que sim, se este acaso lhe fosse intencional. Só que não é. O que a autora faz neste romance já vi ser feito muitas vezes: pega-se em personagens de duas dimensões, irritantes, inconsequentes e incoerentes, e pinta-se-lhes um passado infeliz. A partir daí, é como se a tivéssemos enchido de substância. Já não é fútil, é revoltada. Já não é irritante, é reativa. E também não é inconsequente, está é perturbada. Só que as personagens deste livro, da primeira à última, são de um vazio de dar dó.
Comecemos pela personagem principal, Bride. "Bride" é o apelido que Lula Ann escolheu para si própria. É estúpido, mas podia ser só isso. Não, na realidade, não consigo escolher um nome melhor para uma personagem tão chata como esta Bride. O nome calha-lhe que nem ginjas. De seguida, temos Brooklyn, a amiga de Bride. Nem me ponham a falar dessa amizade entre a menina preta-ónix e a menina loirinha e pálida de rastas loiras. Não acrescentou uma vírgula ao romance, exceto descrevê-las exaustivamente a nível físico, para vermos como são diferentes e como os brancos até podem ter os seus traumas. Depois temos Booker, o ex-qualquer coisa de Bride. Nunca entendemos porque é que gostam um do outro, porque é que se apaixonaram, se estão apaixonados ou se é só o sexo que era maravilhoso. Isto também me faz imensa confusão nos romances: quando os autores nos atiram personagens que são autênticos protótipos do falhanço da nossa espécie, que não conseguem conduzir um carro sem bater, que só fazem disparates, são desastrados, só se metem em problemas, mas, por acaso, são todos deuses no sexo. E como há aquele ênfase aborrecido no sexo e em como sexo de outro mundo é suficiente para forjar relações. “Ele era complicado, mas o sexo era divinal”. Pronto, isto é a relação da Bride com o Booker. Mas há mais personagens, há a Julie, a Raisin/Rain, a Sofia Huxley/ex-professora da Bride, a mãe da Bride, todas muito iguais. Demasiado iguais. Já explicarei abaixo quão iguais.
Agora, para finalizar o excerto sem spoilers… Imaginem uma história que se quer sobre o racismo, um racismo tão acutilante que a premissa principal vendida na sinopse é a de uma mãe que despreza a própria filha pela cor da sua pele. Parece-me um mundo de possibilidades e, no entanto, saíram todas goradas. Parecia-me que estava a ler um livro da Lesley Pearse, tragédia após tragédia. Não há um dedo de credível neste romance. A autora não quis saber de realismo. Pensou “quantas tragédias consigo enfiar num livro passado em para aí dois meses e em 157 páginas?”, e enfiou-as todas. Com especial incidência no racismo, abusos sexuais e desastres em geral. Pois é, esperava uma coisa composta e saiu-me este esboço sobre uma negra da cor da noite cujos atributos físicos vêm referidos até à exaustão, de uma futilidade embaraçosa, tudo num emaranhado de situações irrealizáveis que me puseram num constante estado de a sério?. Gostaria de dizer que foi isso me impediu de viver a história, mas a verdade é que não há história. Não entendo a quantidade de boas reviews. A medicação deve estar a afetar-me o discernimento.
Para culminar, o livro segue a várias vozes que, em vez de acrescentarem algo de novo, só repetem a mesma circunstância pela segunda e às vezes terceira vez. Num livro tão pequeno, é dose.
E vocês, quais são os piores livros que jamais leram?