Escrever sob uma fórmula: funciona sempre?
Escrever sob uma fórmula: funciona para sempre?
Aparentemente, sim.Isto porque hoje me pus a fazer reviews dos livros que li há praí dez anos daDanielle Steel. Alguém, num comentário pouco lisonjeiro, mencionou que a “fórmualda autora” não lhe agrada. Eu havia escrito a mesma coisa nos dois livros emque elaborei review – que há um padrão que me aborrece na autora. Tambémreflecti sobre essas ditas “fórmulas”, e desencantei alguns autores que seguemalgo que pode ser assim apelidado. Ocorreram-me de imediato, a par da DanielleSteel, o Nicholas Sparks, o Dan Brown, a Sveva Casati Modignani, a MadelineHunter e quase todos estes escritores que escrevem romances de época mais malandros.Talvez também porque fechá-los no tempo os limite um pouco, mais é mais do queisso… É uma espécie de auto-plágio repetitivo e cíclico. Ora vejamos:
DanielleSteel (baseando-me em exemplos de livros como Um AmorImenso, A Dádiva, A Imagem no Espelho, o Rancho, etc…): A personagem principalfeminina perde sempre alguém muito importante (mãe, pai, pais, filho), a perdadilacera-a e consegue a piedade de todos para ela. É maltratada durante grandeparte da sua vida, metendo-se em disparates porque a vida lhe foi madrasta, equando conhece “o tal” está muito traumatizada. Toda a gente lhe dizconstantemente que é linda e maravilhosa (ao ponto do enjoo) e que a admirammuito. O tipo tem de se esforçar por lhe provar que não é um playboy, não é como o violador, não éindigno da sua confiança… blablá. Sempre a mesma história com personagens defortes valores morais que atiram constantemente pela janela. É uma frustraçãode pessoas a cometerem disparates gritantes porque acham que é o certo.
NicholasSparks (o Diário daNossa Paixão, A Alquimia do Amor, O Sorriso das Estrelas, Uma Promessa Para aVida, À Primeira Vista, Uma Escolha por Amor, Corações em Silêncio, Laços quePerduram, As Palavras que Nunca te Direi, Quem Ama Acredita, etc.): é umcaso mais bicudo. Em praticamente todos estes livros – e nos outros que li ecujo nome me esqueci de mencionar – há sempre ou um viúvo (À Primeira Vista, AAlquimia do Amor, Um Refúgio para a Vida, As Palavras que Nunca te Direi), ouuma mulher doente de cancro/vítima dum acidente/Alzheimer (Um MomentoInesquecível, Uma Escolha por Amor, O Diário da Nossa Paixão), ou uma mulhervítima de violência doméstica (Laços que Perduram e Um Refúgio para a Vida), ouum homem no Iraque (Juntos ao Luar, Um Homem com Sorte).
Um deles tende amorrer no final (O Diário da Nossa Paixão, O Sorriso das Estrelas, Um MomentoInesquecível). Depois há outros pontos comuns – as histórias passam-se sempre na Carolina do Norte, há sempre um alpendre, há sempre uma mulherque bebe Diet Coke e um homem que temcovinhas no rosto. O homem é sempre um goodguy que nunca tem sexo ocasional e que quebra um longo jejum por devoção àmocinha. Convida-a sempre para sair com a maior cerimónia, debate-se geralmentese deve ou não beijá-la no final dessa saída. Não há grande paixão (ouespontaneidade) entre as personagens. Mesmo as primeiras piruetas na camacostumam ter uma aura de “ao quinto encontro já podemos”. Ele leva-a sempre ajantar a um sítio fixe que conhece. Não é invulgar darem um passeio de barco ouficarem até tarde no alpendre a conversar e a beber vinho. O tipo grelha semprequalquer coisa enquanto bebe cerveja (este ambiente de descontracção forçadadeita-me por terra). Tenho notado que dá cada vez mais importância à comida –repete muito que comeram isto e aquilo e como o confeccionaram. Os finais sãoum de dois: ou para destroçar o leitor
(conseguiu com o Um Momento Inesquecívele o As Palavras que Nunca te Direi), ou para o enternecer (Uma Promessa para aVida). Entretanto comecei a borrifar-me para as personagens dele. São tão semsal, o romance sempre tão forçado e tão igual…! A culpa é do filme, Um Refúgiopara a Vida, que me obrigou a lê-lo de novo. Lamento informar que é um daquelescasos raros em que o filme é melhor do que o livro. Ou isso ou seria uma secatremenda!
A ideia com que fiqueié a de que o autor tem um casamento longo e sólido, é um homem conservador decovinhas no rosto e a mulher provavelmente bebe Diet Coke. É um good guyaté no sorriso. Por isto acredito que não faça ideia do que são grandes ímpetosde amor. Atira obstáculos para o caminho dos dois inflamados responsáveis esérios, que praticam sempre o mesmo género de piada fácil – doenças, acidentesde carro, distância (oh, esqueci-me de mencionar os problemas geográficos; não ficamos juntos porque moras longe???– Quem Ama Acredita, As Palavras que Nunca te Direi, O Sorriso das Estrelas) –homens violentos a espancar as mocinhas e a persegui-las. É pena é que atiresempre os mesmos…
O Dan Brown já sabemos, é sabido que haverá uma morte, um mistério,algo intrincado por detrás, um inimigo quase invisível mas sempre presente, umarevelação BAM! e um sentimento de satisfação por termos, algures a meio dolivro, desconfiado que fosse aquele o mau.
A Sveva CasatiModignani é outro caso sério de quem repete infinitamente a mesma fórmula.Tirando o Mister Gregory (que ademais não li) todas as obras que li delaapresentam o mesmo “guião”. Uma mulher forte, de Chanel Nº 5, quase nos quarenta ou na casa dos quarenta, a viver umcasamento infeliz e tantas vezes com um cão basset. Entretanto surge a sua infância no sul de Itália, o paioperário, os irmãos inconsequentes, a vizinha velha que coleccionava peças deantiquário, a senhora rica que se encantou dela e lhe disse que devia ir para amoda/ser sua criada num palacete onde o seu filho mora e é jeitoso/estudarporque é muito inteligente. E conhece um grande empresário. E fica muito rica.
E o empresário trai-a/ela trai o empresário. A mãe fora uma desvairada, traírao pai. O pai era um amor de pessoa, um idealista. A avó dava bons conselhos,fazia boa comida. E com isto disse tudo o que havia a dizer desta senhora, dequem li obras como Baunilha e Chocolate, Desesperadamente Giulia, A Viela daDuquesa, 6 de Abril de ’96, Lição de Tango, Qualquer Coisa de Bom, Uma Chuva deDiamantes, etc., etc. E sempre, a cada página, com as personagens secundárias arevoltearem em torno da principal a dizer-lhe como é linda, honesta, franca,admirável. Um enjoo.
E o empresário trai-a/ela trai o empresário. A mãe fora uma desvairada, traírao pai. O pai era um amor de pessoa, um idealista. A avó dava bons conselhos,fazia boa comida. E com isto disse tudo o que havia a dizer desta senhora, dequem li obras como Baunilha e Chocolate, Desesperadamente Giulia, A Viela daDuquesa, 6 de Abril de ’96, Lição de Tango, Qualquer Coisa de Bom, Uma Chuva deDiamantes, etc., etc. E sempre, a cada página, com as personagens secundárias arevoltearem em torno da principal a dizer-lhe como é linda, honesta, franca,admirável. Um enjoo.
A Nora Roberts idem,cheguei ao terceiro livro e senti que já tinha lido a obra completa. Ao leroutras sinopses já sabia que ia, exactamente, dar ao mesmo. Mulheres que gostam de cozinha e jardinagem e com homens para a agricultura ou a construção civil... basicamente isto, embora esteja a ser redutora. Uma Ilha qualquer ou uma bonita paisagem na Irlanda (devo-lhe a motivação para a minha viagem à Irlanda em Setembro passado). Gostei muito da Trilogia "Herança" de Fogo, Gelo e Vergonha. Três irmãs, um ambiente familiar, pubs irlandeses, ocasionais idas a Dublin. Depois li a trilogia das "flores" Lírio isto, Dália aquilo, Rosa tal. Aborreceu-me de morte, para além de que tudo gira em torno do mesmo... Desisti dela tão rápido quanto me apaixonei, de início.
Agora pergunto:porque vamos nós dar ao mesmo? Porque é que estes autores que mencionei atéocupam um papel central nos best-sellers?Será possíveis que queiramos mais do mesmo? Eu acuso-me porque, como vêem, livários dos mesmos autores. Mas quando é que um autor enjoa os leitores com amesma fórmula repetidamente? Será possível que, em casos como o NicholasSparks, os leitores nunca se encham? Será que a isto se chama jogar pelo seguro? Voltar a um sítio que nos é confortável e não guarda surpresas nem estranhezas?
Eu escrevi dois livrossobre pequenas vilas/aldeias e sinto-me na obrigação de fugir para o Históricoou para a cidade. Não tiro prazer algum de nadar em círculos nas mesmas águas…
Será que… não se mexeem fórmula vencedora?
Conhecem outros autores com fórmulas que queiram partilhar?
Conhecem outros autores com fórmulas que queiram partilhar?