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Castelos de Letras

Em torno das minhas leituras!

Castelos de Letras

Em torno das minhas leituras!

Carta ao Escritor, ao Leitor; o Funeral; os Escritos e o "Crítico"




Caros leitores e caros colegas escritores - caro crítico,

É maisescritor aquele que escreve do que aquele que publica? Não estou certa disso.Sempre me senti um pouco escritora. Cá na rua cantei bastante em criança, e daíme chamavam “a cantora”. Depois a minha avó denunciou os meus hábitos nocturnosde escrita, e vai daí chamavam-me “a escritora”. Fiquei-me por aqui, creio.
Hoje termineia revisão de 430 páginas d’O Funeral da Nossa Mãe. É um trabalho que nãovoltarei a ter na vida respeitante a esta obra e, em respeito à Célia de 2022,mais do que um suspiro pelo trabalho exaustivo terminado, ergo um copo a estemomento. Se é algo em grande? Nem por isso. Nem tão pouco em casa ocomunicarei, até porque ninguém compreenderia e ninguém daria valor. É simples;escrever é-me tão natural que há pouco de extraordinário nisso. É mais comumque eu escreva do que veja novelas, ou que escreva do que vá à praia. É, até,um hábito aborrecido e por vezes inconveniente, porque se mete no caminhoquando os outros reclamam a minha atenção ou, somente, a minha presença naTerra.
Em relação aesta revisão, confesso que não tive metade do ânimo que dispensei ao“Demência”. Não porque ame menos este meu fruto – e quem os tem sabe que, pormais orgulho que se tenha neste ou naquele, um rebento é um rebento e é sempreamado por isso. Talvez eu até ame este livro mais do que o anterior, porque étodo um processo de aperfeiçoamento e uma segunda chance de me superar que oprimeiro proporcionou. Mas eu já sabia no que me estava a meter. São horas ehoras a tentar focar a vista em letrinhas pequeninas que escrevemos há meses eque, de tão bem as conhecermos, se misturam e soam todas à nossa mesma voz. Seforem como eu, isto é, loucamente embevecidos pelo que de nós sai em partonatural, perdemo-nos até no prazer que a escrita nos proporciona, e que sedanem as gralhas, gafes e erros de gramática, que eu de gramática também nadasei.
Falaram-me emestruturas de romance; lamento, não sei o que isso é. Não estudei jamaisLiteratura, não tenciono faze-lo. Quero que, o que quer que destaideia saia, pertença primeiro a mim e, só depois, ao mundo. E não ao mundo – àsciências humanísticas e literárias – antes de a mim. Espero que,com isto que crio, consiga tocar as profundezas da compreensão e da comoção(quem sabe) de quem me lê. Tal como o “Demência”, este livro é uma reflexãosobre culpas e consequências. Não sei fazer livros muito felizes – mas não negoalgum humor, alguma ironia, a quem se atrever a ler-me.
Poderá atévir a encontrar neste livro amores maiores; daqueles que murcham quem deles padece,e amores menores – aqueles que vivem do benefício do momento, da circunstância.Sim, neste Funeral há mais amor do que no “Demência” e há maisreflexões em torno desse amor do que no “Demência”.

Também hojesucedeu outra situação curiosa. Descobri que uma opinião que dei a respeito deuma crítica – na minha opinião despropositadamente maldosa – é ainda recordadameses depois. E só nós, escritores, sabemos o peso que as palavras têm quandorepercutidas no tempo. Não sei se me envaideça por ter causado tal eco, não seise estremeça de decepção pela pobreza de espírito das pessoas. As pessoas que,dando saltos como os de Descartes, esquecem que há vida para além de tudo istoe dedicam tempo ao que as aborrece. A mim nada me aborrece, pelo que qualquer reflexãoé, infrutuosamente, uma tentativa de trazer paz também aos outros. É aminha veia budista que fala a respeito das coisas de importância maior. E assimme explico, numa tentativa vã de fazer-me compreender; não em meu benefício,que da fadiga de me tentar fazer compreender não o obtenho, mas em benefício dequem se sente lesado, ofendido, conspurcado pela minha vilania.
Pus-me areflectir se não teria sido exagerada a minha defesa da obra em questão - nãotanto da obra, sobre a qual apenas posso expressar a minha opinião, e essa valeo mesmo que a de todos numa democracia -, mas do trabalho da autora, e destafeita concluo que fui até suave demais. Isto porque há escritores de grandenome, grande fama, e pouco talento. Sim, há-os aos pontapés, há-os cada vezmais, a receberem honras e a poderem passar aquilo que quiserem – mensagens depaz ou de ódio, lições de amor ou de guerra – (que é o que de facto lhesinvejo) aos seus leitores, e a optarem por criar algo que renda, sem puxarmuito pela cabeça. O desperdício de ser ouvido sem que de algo importante sequeira falar! A deitarem para fora alimento de fogueira atrás de alimento defogueira. E aí andam, louvados pelo leitor fácil, pelo leitor de ouvido e decara, que ouviu falar dele aqui, o viu ali.Alimentados ainda pelas editoras, que da literatura não exigem mais do que olucro garantido. E isto entristece-me. Entristece-me sempre que os pódios sejamroubados a quem, talvez, os merecesse, em prol de quem fez mais vista. Istoporque – e possivelmente excluindo-me disso, que a qualidade dum escritor é oleitor que avalia e não o próprio criador – certamente que os há (escritores)melhores do que estes que nos atiram para os tops de vendas.Certamente que os tem de haver – se não, invista-se na educação, pois que nãohaverá ninguém com nada pertinente a dizer? Não haverá ninguém a saber dizê-lo?
E depoishavemos nós. E por nós entendamos eu, Andreia, outros tantos. Nós que lutamosafincadamente por trazer a nossa obra aos leitores e, enquanto houver um leitorque retire prazer do nosso trabalho, continuaremos a escrever. Eu sim, pelomenos - e com isto saliento que não falo em meu nome e da Andreia ( que dela, aesta hora, nada sei. Jantará, talvez?). Nós que mergulhámos nisto de cabeça coma força de quem dá os primeiros passos numa indústria destas, que investimostanto – de  nós, do que é nosso – não para termos a cara nasrevistas de Sábado, nas crónicas dos magazines lidos pelos portugueses, maspara nos termos na vossa mão, mão de quem nos lê…
E então hápessoas que, estando estiraçadas confortavelmente a ler, acham por bem usar dedeboche para nos esmiuçar. Chico Buarque diz "devia ser proibido debocharde quem se aventura em língua estrangeira". Eu digo, com o mesmo tomcorriqueiro: devia ser proibido debochar de quem trabalha e se empenha,e "deboche" é, aqui, a palavra de ordem. Não se critica o criticar,não se opina sobre o opinar, critica-se e opina-se sobre o"debochar". E eu aceito – ninguém respeita liberdades deexpressão como eu, visto que rasgaria a pele a quem tentasse roubar-me a minha,e se me mandassem fechar a boca, estando eu em silêncio, o certo seria morrerpelo grito – que não se aprecie uma obra. Ah pois, eu não aprecio muitasobras. Posso até ser menos diplomática com autores que, da minha opinião, fazempapel higiénico, continuando a receber os respectivos cheques chorudos (se éque alguém recebe bem por escrever neste país) e continuando a parir obras queum terço do país – do país que  -, certamente, sorverá. Masseria incapaz de, tendo experimentado o alívio que é terminar um trabalho tãomoroso, deitar abaixo um autor que tenha subido, a pezinhos e lã e a sua contae risco, até ao pequeno patamar que agora ocupamos. Dar-lhe-ia água fresca e umpano para secar a testa. "Não gostei do teu livro, mas não consigo debochar dequem subiu até aqui para mo passar". Falo de nós, malconhecidos, primeiros passos na indústria e sema cara no jornal e o livro na homepage daFnac Online.
E é a esses,que se divertem a destruir com os pés os castelos de areia dos sonhadores, doslutadores, dos corajosos… - requer coragem expormo-nos a este nível,sendo o livro um espelho fiel do autor; da sua inteligência ou falta dela, dasua perspicácia, da sua concepção do mundo e dos outros, do seu nível deobservação ou de distracção para com tudo o resto, da sua vaidade até, porvezes - que me dirijo. Não é preciso alguém, nos bastidores, aesfregar as mãos e a citar partes íntimas da nossa história e a compará-la ajogos de Lego. Não é preciso alguém que se gabe e se orgulhe de ser“honesto”, porque a honestidade é um estado absoluto de opinião, diverge depessoa para pessoa, mas poderia ao menos ter em conta estas considerações quelhe faço? Aliás, que lhe fiz e que pareceram tão desaforadas?
Tenho sidofrequentemente abordada por muito boa gente – muito inteligente e capaz, queinclusive me apresentam textos com evidentes rasgos de brilhantismo – e que medizem que não conseguem dar continuidade a uma ideia. Que não têm imaginação.Ou que não sabem sobre o que escrever. E com isto entendi, finalmente, queescrever não é natural. Que ter-se ideias – ser-se, até, perseguido por ideias– não é natural, que ser-se capaz de terminar um livro não é natural, emboraseja cada vez mais banal, mas não é natural. Ser-se arquitecto no espaço ejogar-se apenas com a assimetria e a dissonância das palavras não é natural.Erguer castelos de letras de alicerces sólidos não é natural... Concluir umaobra de 300 ou 400 páginas com pés e cabeça ainda é algo digno decongratulações. Ainda é algo que nem toda a gente consegue.
E é por issoque não me arrependo de ter defendido uma pessoa que vi investir tanto de sinuma obra que custou a nascer e que, em geral, foi bastante apreciada. A artetem esse efeito – afastar-nos da vida, geralmente tão dura, tão impiedosa, tãopouco importada com o fazer sentido. A arte eleva-nos; perdoem-me, fãs do FiftyShades of Grey, se continuar a disparatar a seu respeito. Pensem “a Céliaacha um disparate e uma perda de tempo, mas a Célia sabe que uma pessoa devefazer o que for preciso para ser feliz e ela às vezes até lê a TV 7 Dias”. Sejaler o Fifty Shades, seja gastar o ordenado de meio mês em livros. Ea liberdade é uma coisa doce. Por isso, digam o que quiserem. Eu digo o quequero e calo o que, por respeito, considero melhor ficar silenciado. E que oentendimento de cada um sobre respeito, esforço e dedicação seja só do seuforo, e assim permaneça.

Quanto a mim,estou em júbilo.
O Funeral daNossa Mãe tem 430 páginas, começa com um poema a respeito do indigno que édesejar-se algo pelo qual não se luta, e termina com um gosto a vida. Um travode possibilidades.

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