A auto-publicação
Ou como as editoras, os leitores e os pares as vêem
Quando publiquei o meu primeiro romance, "Demência", pela Alfarroba, estávamos em 2011 e eu não tinha qualquer entendimento do mercado editorial.
Na altura, estava a enviar outro manuscrito para várias editoras. Era fácil, bastava ir aos sites e preencher o formulário de envio de originais. Era logo avisada que, se não respondessem em X tempo, é porque o livro não se adequava no Plano Editorial. Ficava triste perante tanto silêncio, posto que estava convencidíssima de que tinha escrito uma coisa espetacular, e de que o meu livro era pelo menos tão bom quanto alguns que via publicados e que acabava por ler. Existe uma enorme possibilidade de que estivesse enganada, inebriada pelo feito de ter terminado três romances que considerava publicáveis apenas com 18 anos, e desde então andava nessa senda por publicação.
Eu sempre escrevi para mim, mas havia gente próxima que sabia que o fazia, que lia os manuscritos, que sabia que dedicava bastante tempo a essas andanças, e que me incentivaram a procurar uma editora. Vários meses volvidos e com a caixa de correio vazia, comecei a perguntar-me se o meu livro seria péssimo ou se as editoras não estavam interessadas em escritores desconhecidos.
À luz dos meus 18, 19, 20 anos, isso pareceu-me doloroso. Era uma idealista que, inclusivamente, fez figura de idiota algumas vezes. Lembro-me de marcar uma reunião com o responsável pela Biblioteca de Almada, e de o pressionar a "investir" nos escritores locais. Que vergonha, meu Deus! Era lá essa a função do senhor!
Enfim. Uma amiga falou-me na Alfarroba, uma "editora pequenina" de Alcochete, e disse-me que tentasse enviar para lá o manuscrito. Não demorou muito para que me respondessem a solicitar uma reunião, à qual compareci com os nervos em franja. Disseram-me que o livro era bom, mas que podia melhorar um pouco - iam dar-me algumas indicações de como, caso eu concordasse em avançar para publicação. Cumprimentaram-me pela minha juventude, e explicaram-me que teria de me comprometer a adquirir um certo número de exemplares para podermos avançar com o trabalho. O valor que me pediram não era pouco para uma miúda que acabava de conseguir o seu primeiro trabalho, e fui aconselhada por familiares a recusar a proposta. Com aquele dinheiro, podia tirar a carta, fazer uma viagem, comprar um carrito velhinho que ainda andasse. Mas eu percebi que podia recuperar parte do investimento vendendo os livros diretamente, e agora até me sinto feliz que tenha sido assim. Esse expedir de livros autografados, o diálogo com cada leitor que foi ousado o suficiente para apostar numa desconhecida, com base em meia dúzia de reviews de pessoas que dedicam a vida à leitura e divulgação de autores... uau! Aproximou-nos imenso. De repente, vi-me naqueles filmes americanos em que a pessoa tem a sala cheia de caixotes com livros (nesses filmes americanos ninguém quer comprar os livros). Mas o "Demência" foi vendido até esgotar. Não sei exatamente quantos anos demorou a secar na fonte, mas de repente só existia no olx, nas feiras de rua, ou encontrava-se um exemplar danificado na banca de algum alfarrabista, etc. A divulgação foi parcialmente feita pela editora, que também assistiu na edição e revisão o melhor que podia. Envolvi-me no processo ao ponto de disponibilizar a fotografia da capa, e fiquei muito satisfeita com o objeto "livro" que saiu desse meu investimento e dessa aposta da "editora pequenina".
O melhor de tudo, e eu na altura nem sabia que era uma sortuda, foi o interesse sem preconceitos dos leitores e dos bloguers (fosse face à nova autora desconhecida, fosse face à editora não muito famosa), que apostavam em autores portugueses, que arriscaram no livro e depois o divulgaram sem qualquer benefício próprio. Fui muitíssimo bem acolhida, e todo esse processo aproximou-me imenso dos leitores e tornou-me profundamente grata a eles. Também me mostrou que grande parte deste processo está dependente deles e da sua receptividade.
"O Funeral da Nossa Mãe" passou pelo mesmo processo. O primeiro livro correu tão bem que não tive qualquer dúvida de que queria partilhar outro convosco, e salvo erro nem sequer cheguei a endereçar o manuscrito às editoras convencionais. Por essa altura, já tinha vários conhecidos no mundo das letras. Fiz amizade com alguns outros escritores emergentes, e as nossas dúvidas, frustrações e angústias eram as mesmas. O maior problema era a distribuição: os leitores a perguntarem onde podiam comprar o livro e sabê-lo disponível em tão poucas plataformas era frustrante. Mas eu entendo, e porquê? Porque as editoras são um negócio, as livrarias são um negócio e por aí fora: tudo é um negócio. Não tem como o não ser. Não é tarefa de nenhuma dessas plataformas "educar os leitores", nem sequer "promover a cultura". É possível que nessa área trabalhem muitos aficcionados da leitura, mas o princípio maior, julgo entender, é o lucro. Como em qualquer negócio: fazem apostas válidas que lhes garantam as portas abertas. E um escritor desconhecido é um mar de incerteza financeira.
Resumindo: estava satisfeita com o trabalho da Alfarroba, excepto a nível da revisão, que poderia ser mais cuidada mas na qual também via falhas minhas, e na distribuição, coisa que não estava a 100% nas suas mãos resolver. Olhando para trás, fui também uma sortuda por não ter caído nas garras da Chiado. A Chiado é uma tipografia que cospe livros com capas hediondas e revisão nula. Assisti à humilhação de uma rapariga muito querida de Almada, que me convidou para um café, quando ela entendeu que o livro não foi publicado por nenhum tipo de mérito seu. Foi publicado porque ela acabava de contrair uma dívida. Ela não sabia pôr o h em há, e a fábrica tipográfica também não lho soube corrigir logo na primeira página de livro. A somar a isso, o livro era um conto miserável, e ninguém lho disse. Ela descobriu quando eu lhe dei a minha opinião sincera, acompanhada de um pedido de desculpas.
Isto para dizer que, se querem publicar um livro por vossa iniciativa, não há nada de errado nisso. Tantos escritores de renome o fizeram! Tolstoi, Hemingway, Margaret Atwood, Virginia Woolf e por aí adiante. O facto de uma editora rejeitar o vosso manuscrito significa que ele não é vendável, na sua ótica. Não significa que seja mau. As Cinquenta Sombras de Grey são vendáveis. O nosso querido best-seller nacional da fórmula infalível e das frases feitas também. Até temos um guru espiritual que era careca e agora usa rabichinho que também deve sair-se bem nas vendas. Por isso não confundam a rejeição do vosso livro por uma editora conceituada como um atestado de má-qualidade. Pode ser que até vos seja lisonjeador.
Os meus conselhos caso queiram arriscar a vossa estreia com uma vanity, como a Alfarroba ou outras disponíveis no mercado, são:
1. Fujam da Chiado, vai destruir-vos a reputação ainda antes de serem lidos;
2. Estejam dispostos a trabalhar duro na revisão do livro, quiçá na concepção da capa, na divulgação e inclusive na venda da vossa criação, porque a distribuição nunca será o que desejavam;
3. Não se precipitem - depois de publicado, não podem fazer desaparecer o livro -, só podem contar com a vossa própria crítica, sejam exigentes. Perguntem-se se o livro está terminado, se é a melhor versão de si mesmo, se vale a pena disponibilizá-lo ao mundo;
4. Procurem bloguers / influencers em torno de livros a quem achem que o vosso manuscrito vai agradar. Ofereçam-lho em troca de uma opinião sincera! Se tiverem sorte de que se interesse, e que se disponha a ler-vos, vai partilhar a opinião com o seu universo de seguidores (é aqui que convém que estejam confiantes na qualidade do livro, porque é de opiniões positivas - sinceras - que a estrada será pavimentada!). É um investimento, e não há como ser forreta nessa hora;
5. Se tiverem dúvidas e quiserem tentar uma última vez a ronda das editoras convencionais, direccionem a vossa procura. Enviem o manuscrito e carta de apresentação, ou outros documentos solicitados, apenas para editoras cujo cerne editorial se adeque ao vosso trabalho. Caso contrário só estão a perder o vosso tempo e o deles;
6. Preparem-se para que algumas pessoas não gostem do livro quando for publicado: não levem a peito. Aceitem as opiniões com humildade e poder de encaixe. Usem esse feedback para melhorar no próximo livro.
Tendo optado por publicar com uma vanity, aproveitem essa divulgação e todos os conselhos anteriores para criarem o vosso universo de leitores. Chegada a altura de serem aceites por outra editora, que garanta distribuição e que não vos cobre para publicar, eles estarão convosco. São a vossa melhor carta de recomendação.
Para terminar, desejo boa sorte a todos os que queiram publicar um livro. Aconselho-vos a encontrarem a vossa voz, a desenvolverem temas que vos são familiares e a trazerem para a luz assuntos que mexem convosco. Num mundo com tantos, tantos livros, garantam que o vosso traz alguma diferença!
Bonne chance,
C.