Sinopse: “Tinha sido tão cuidadosa. (...) No entanto, ali estava ele, qual D. Sebastião a voltar num dia de nevoeiro sem que ninguém o esperasse.”
Teresa alcançou o seu maior sonho: publicar um livro, e não podia estar a ter mais sucesso! No entanto, a sua carreira e a sua vida entram numa montanha-russa de acontecimentos e emoções quando Simão, o rapaz que lhe partiu o coração, reaparece na sua vida, com uma única intenção: difamar o seu nome e o seu livro. Mas será mesmo essa a sua verdadeira intenção? Uma comédia romântica sobre um amor interminável e as peripécias que sempre parecem tentar impedir a felicidade.
Opinião: Este é um livrinho fofinho que marca a estreia da Leonor Ferrão na escrita. Como pontos positivos tem realmente a escrita, que é fluida, a estrutura em capítulos pequenos, e a cidade de Lisboa e suas livrarias como cenário.
No início achei as personagens interessantes, mas depois foram-se tornando um pouco instáveis, talvez porque a premissa do conto seja colocá-las sob pressão durante aqueles dias em que se reencontram. Senti ali umas vibes de adolescentes indecisos que acabam por ser maus para si próprios.
Penso que funciona muito bem como YA, e que ficou claro que a Leonor tem potencial para desenvolver um enredo e um livro maior. Quem sabe num formato maior haja mais espaço para desenvolver a história e as personagens?
De qualquer modo, como livro de estreia e ainda por cima em edição de autor, está muito bem.
Sinopse: Sofia assinou um acordo de divórcio e partiu para Moçambique. Disposta a viver aventuras e sem saber que continuava casada, envolveu-se com Alex, que lhe revelou os seus segredos e por que não queria ter filhos.
Foi por isso que quando ela descobriu que estava grávida, regressou a Portugal sem lhe contar. Assim que aterra em Lisboa, o seu marido Ricardo espera-a, arrependido de a ter magoado e decidido a tudo para a reconquistar.
Quando os seus olhos a fitaram, o seu coração parou. «E agora?» Dividida entre quem acreditava ser o homem da sua vida e um grande amor, a Terceira Índia terá de criar o seu futuro e enfrentar novas ameaças, que irão testar a sua coragem e levá-la aos seus limites."
Opinião: Curiosamente, demorei mais tempo a articular a opinião do que a ler o livro!
Li A Terceira Índia no verão passado, e fiquei rendida à história. Não tenho lido muitos portugueses contemporâneos, o que é uma pena porque os há, e bons.
Porquê que os livros da Íris Bravo me conquistaram? 1. São um pequeno milagre no panorama nacional: como é que as nossas editoras, tão seletas, tão ciosas do seu "plano editorial", foram apostar numa autora desconhecida, em ficção contemporânea? 2. A Cultura Editora apostou, e a aposta venceu. Com sorte, abre a porta a outros novos autores com livros BONS para publicar. (Porque venceu esta aposta? A capa era maravilhosa, o que captou de imediato o meu interesse. Depois, o BookGang, da Helena Magalhães, fez um trabalho excelente de divulgação e, quando se dá por ela, o livro já pertence a todos e está em toda a parte. Como é um livro BOM, dá-se o passa a palavra dos leitores, e o Bookstagram impulsionou-o. Curioso que esse livro e o Apneia da Tânia Ganho são dois livros de mulheres, sobre mulheres e problemas de mulheres, e tiveram tanto destaque num ano de pandemia, em que algumas vozes dizem que as pessoas só se querem "distrair", que a economia iria contrair-se - já era esperado - e que as vendas de livros caíram. Concluo que quando um livro parte de uma premissa interessante, e quando os leitores têm oportunidade de saber da sua existência, o livro vende-se.) 3. É um caso de sucesso em que se promove um livro, um tema, e não um autor. (Eu sou da literatura pelos livros, e acho lamentável quando um autor estabelecido publica um livro fraco sobre crocs e a ideia é muito original, e vende dezenas de milhar de exemplares (porque está estabelecido), e um autor novo escreve um livro brilhante sobre os mesmos crocs e as editoras fecham-lhe a porta na cara porque o tema não dá com nada, não gera interesse, ninguém vai comprar. No nosso meio editorial, idolatram-se os criadores, não a obra. Isso rouba aos leitores a possibilidade de conhecer livros maravilhosos. Uma Elena Ferrante teria sido um sucesso aqui? Provavelmente teria passado despercebida, como em Itália - os próprios editores italianos o admitem, e o Strega negou-lhe o prémio em parte porque não saberiam como o entregar a um anónimo, diz-se - mas chegou aos Estados Unidos, o que importa é o produto, em avaliar a rentabilidade de um produto, e tornou-se o sucesso que é.)
Agora regressando a A Nova Índia, o livro que encerra a história da Sofia... Sabíamos que haveria um triângulo amoroso, sabíamos do milagre relacionado com a infertilidade da Sofia, sabíamos que é provável acabarmos a leitura em pranto.
Mas não sabia que um romance contemporâneo português, ainda para mais de uma estreante, podia ser tão inclusivo e tão representativo daquilo que é a nossa sociedade hoje. Eu gosto de ler autores portugueses sobre Portugal (rejeito muitos autores portugueses bem estabelecidos que levam a ação das suas obras para a Islândia, para lagos na Suíça, para a América e outras paragens, e que dão nomes estrangeiros às suas personagens) porque acho que existimos agora, temos capacidade e interesse em escrever, e se não imortalizarmos o Portugal de hoje, quem irá fazê-lo?
A Iris pega na infertilidade - tema que, à partida, diz tanto a tantas famílias - pega no ambientalismo, pega em problemas humanitários, pega na sociedade portuguesa, nas boas famílias, nas famílias trabalhadoras e nos portugueses que farão o amanhã, e alinhava esta história de um modo que envolve o leitor, nos faz importar-nos com as conquistas e os falhanços destas personagens falíveis e tão palpáveis. A Sofia é uma personagem excelente nas suas inconstâncias, sempre fiel à sua natureza. O Ricardo, seu ex., is a little bit of a stalker, e por isso detestei-o durante 75% da história, mas a Iris não o deixaria despedir-se dos leitores sem mostrar o seu lado bom. E há ainda o Alex, aquele tipo bem intencionado - por vezes irresistível - que queremos ter nas nossas vidas porque representa conforto e proteção.
Mais do que isto, há o Algarve, Lisboa, Beja, Almeirim, as tias de Cascais e os hippies da Margem Sul, há vislumbre da vida dos médicos em Portugal, mas também dos professores, dos arquitetos e dos agentes da judiciária. Há uma sugestão de corrupção, de cunha, de ilegalidades de que todos desconfiamos mas às quais fechamos os olhos porque é como é, estamos na periferia da Europa, tudo isto nos é endémico.
Estou convicta de que a Iris voltará com novos livros, com novas personagens, para brincar uma vez mais com o coração dos leitores, e para nos devolver o nosso país na palavra impressa, para que todos possamos identificar-nos e, ainda assim, estudá-lo de fora, estudarmo-nos de fora, com todos os nossos defeitos e virtudes.
Acabou, mas guardo estes dois volumes com carinho, e desconfio que um dia serão relidos com o mesmo entusiasmo!
Obrigada Iris, por não desistires de publicar estes livros apesar da muita resistência que o mercado oferece. E obrigada, Cultura, por se despirem de preconceitos e nos trazerem uma história onde qualquer leitor pode rever-se. É isto que queremos!
Opinião: Há muitos, muitos anos, tentei ler A Selva, deste mesmo autor. Lembro-me que estava a gostar muito do livro mas, entretanto, a curiosidade esmoreceu e abandonei-o. Era da biblioteca e acabei por devolvê-lo.
“A Missão” é uma novela, e nesta edição é seguida de um conto intitulado “Nossa Senhora dos Navegantes”. Ambos são excelentes, e muito intensos apesar de serem relativamente breves. “A Missão” recordou-me a intensidade das novelas de Steinbeck, em particular A Pérola, que adorei. E sai-se melhor do que essa outra (atrevo-me a dizer) no que ao imprimir realismo e intensidade a uma narrativa, em tão curtas páginas, diz respeito.
"Nessa época, as colónias representavam para os missionários o mesmo que as câmaras de experimentação para certos metais: punham à prova a sua resistência. Todos sabiam que o pecado andava lá, quase nu, entre os coqueiros e que entre pecados e virtude havia apenas os dois ou três milímetros de espessura de uma tanga.
”A Missão” é uma novela publicada em 1954, que se debruça sobre um dilema moral e religioso que teria tido lugar durante a invasão da França pelos alemães, no contexto da II Guerra. Conforme a sinopse indica, a grande questão é se estes monges devem salvaguardar-se dos bombardeamentos aéreos pintando a palavra “Missão” no telhado, ou se devem abster-se de fazê-lo posto que isso dirigiria, sem erro, a Luftwaffe para o único outro edifício de interesse naquela povoação: a fábrica de armamento na qual trabalhavam quase 500 almas.
Ferreira de Castro expõe, com esta premissa tão simples, a verdadeira natureza dos homens, e separa a religiosidade da abnegação e até da ética. Mounier e o superior tornam-se personagens maiores e de grande complexidade, um feito notável numa obra tão pequena. Alguns diálogos mantiveram-me pregada às páginas, sobretudo aqueles em que os monges tentavam, à vez, ser detentores da verdade (e da vontade) divina. O contexto histórico da II Guerra Mundial também está muito bem explorado, a geografia, o tempo e o contexto socio-político da França durante o flagelo dessa ocupação está exposto de modo sublime. Sem se alongar – e recorrendo a metáforas que me pareceram muito esclarecedoras e espirituosas (digo-o porque não sou grande fã de metáforas, sobretudo as de Lobo Antunes), - o autor teceu aqui um enredo credível, profundamente humano e envolvente. Terminei-o com a certeza de ter lido algo que, se tivesse saído da pena de um autor de outra nacionalidade – quem sabe, de alguém fora do isolamento do Estado Novo – teria chegado muito, muito longe.
”Ele pensou que talvez dez homens interpretassem melhor o desejo divino do que dois apenas. Mas, por outro lado, todas as grandes revelações que a Igreja apregoava tinham sido feitas, dizia-se, individualmente. Na religião como nas ideias novas fora sempre uma minoria que iluminara os passos da maioria.”
”Nossa Senhora dos Navegantes” é um pequeno conto que lhe segue, também com grande pertinência e desenvoltura narrativa. Um homem senta-se numa ermida agreste, no topo de uma escarpa e vertida sobre o mar, e descobre que não está sozinho. A outra figura presenteia-o com um longo monólogo sobre o que é ser Deus e viver entre os homens desde a criação. Menciona que em todas as vidas, em todas as épocas, foi chacinado, executado, perseguido e silenciado, ou, como nessa mesma, teve de pular um muro para fugir do manicómio. Uma vez mais, tornou-se para mim evidente que Ferreira de Castro separa a religião do mundo interior e espiritual de cada um, porque este Deus – que procura apenas apregoar a verdade, aliviar os homens da sua vileza para com os outros da sua espécie e ajudar os aflitos, despojando estátuas de ouro e entregando-a aos miseráveis – não é aceite pelos humanos.
Grande reflexão. Terminei a leitura absolutamente maravilhada e certa de que Ferreira de Castro foi um dos nossos grandes. Só teve a infelicidade de nascer em Portugal e, por isso, não ter alcançado voos mais altos (apesar de ter algum significado a nível internacional e de até Stefan Zweig o ter elogiado!)… Enfim, não o esqueçamos nós por aqui. Ele pertence-nos e engrandece-nos com a sua obra.
Sinopse: "A Missão Inclui "O Senhor dos Navegantes". França, Segunda Guerra Mundial: o frade Georges Mounier informa o superior da congregação religiosa a que pertence que, ditado por um imperativo de consciência, tomara a iniciativa de suspender a ordem de pintar a palavra Missão no telhado do convento, que permitiria assinalar o edifício pelo ar aos bombardeiros alemães. Porém, tal iniciativa equivaleria igualmente a denunciar o edifício semelhante ao lado, antigo convento de freiras transformado em fábrica que contribuía para o esforço de guerra francês, pondo em risco a vida dos operários e das famílias que viviam nas habitações em torno deste. «As mesmas letras que nos protegerem podem representar uma sentença de morte para os homens que ali trabalham», explica o frade ao superior, desencadeando um aceso debate sobre a decisão mais correcta: a de conservar a neutralidade da Missão ou a de salvando vidas, colocando-se ao serviço de umas das partes do conflito. O desfecho será inesperado. O presente volume inclui ainda a novela O Senhor dos Navegantes, tornando novamente disponível aos leitores portugueses duas grandes obras da literatura nacional.
Sinopse: Gil Vicente, figura insigne do Teatro e das Letras portuguesas, de vida incerta e misteriosa, mas alvo de admiração e honrarias ao longo dos séculos. Menos afamado, talvez, seja seu servo, Anrique de Viena, homem humilde e leal que conheceu em batalha o mundo, e que regressou para o lado de seu senhor, para o acompanhar no inverno de sua vida e o ajudar na escrita da sua última peça. E através da pena de Anrique, ágil e dedicada, veremos o mestre como nunca antes foi visto: completa e profundamente humano.
Irónico, divertido e comovente, Quando Servi Gil Vicente é um exercício extraordinário de estilo e invenção que, prestando homenagem a um dos maiores autores portugueses, nos permite acesso àquilo que, para o bem e para o mal, poderia muito bem ser Gil Vicente no seu tempo e mundo.
Opinião: A vida de Gil Vicente é, acima de tudo, uma incógnita. Trata-se daquelas biografias ou x, ou y, e o autor valeu-se dessa escassez de factos sobre a vida do dramaturgo para ficcionar. Dizia eu, ainda antes de ler este livro, que João Reis é o melhor escritor contemporâneo português no momento (dos que li, como é evidente). Digo-o porque me parece que vai vencer o teste do tempo, os seus livros terão sempre significância, ou pelo menos alguns deles sim.
Nesta pequena (grande) obra de 200 páginas, o leitor é puxado para dentro de um rodopio de acontecimentos, e no fim é cuspido para fora - esta opção pelo fluxo de consciência oferece sempre uma experiência de submersão. Não é facil entrar no ritmo, parece que aterramos na cabeça de alguém, e esse alguém assume que sabemos uma série de coisas que desconhecemos, e a história vai escorrendo, e aquela voz torna-se mais e mais familiar, e de repente entendemos tudo o que diz e como o diz, e é como compreender outra língua.
A Lisboa do século XVI era um sítio insalubre, prenhe de vigaristas, oportunistas, beatos e peneiras. As crianças e cães vagueavam pelas ruas em bandos, igualmente indisciplinados. O rio estava povoado de embarcações que chegavam dos sítios mais exóticos, os Painéis de São Vicente ornamentavam a capela-mor da Sé e a Inquisição estava prestes a chegar para silenciar os atrevidos. A excelência do romance dá-lhe cor, som, cheiro e sabores. Já JRS diz que o objetivo neste seu último livro era que o leitor percepcionasse Auschwitz com os sentidos... Não sei se aqui o autor pretendia que Lisboa ganhasse vida, mas conseguiu-o como só nos bons livros se consegue. Adorei descobrir expressões da época, ou encontrar a Língua Portuguesa mais próxima do ramo a partir do qual se distinguiu da castelhana - perro ainda era um cão, e a profissão de perreiro era espantar os vadios das igrejas. Não é fascinante?
O narrador é Anrique de Viena - e ele há-de explicar-vos porque é assim apelidado -, um mentiroso, aventureiro, pinga-amor, violento, mas acima de tudo dedicado servo de Gil Vicente. O que me tocou acima de tudo, na narrativa, além dessa imersão na Lisboa antiga, foi a noção de como este país já seria um pouco como é agora. Ou seja, o génio de Gil Vicente é menosprezado, embora o próprio, segundo o retrato, pareça ter vistas curtas e sonhos de grandeza. Tal como Camões, outro português viu parte do seu trabalho perdido, e acabou a vida como um renegado, na miséria e no oblívio, enterrado em parte incerta. Gil Vicente era também joalheiro, terá, entre outras peças, talhado a famosa Custódia de Belém - que, no século XIX, o rei D. Fernando II por acaso resgatou a um antiquário. Essa peça-mor da joalharia nacional está exposta no MNAA e é o que de mais palpável nos chegou das mãos do mestre.
Narrado com humor, sensibilidade e um ritmo muito próprio do estilo do autor, Quando Servi Gil Vicente é, acima de tudo, um livro sobre relações humanas, sobre as dificuldades de extrair génio - arte - a homens em situações desfavoráveis, e retrata muito bem os vícios de ser-se português (a fanfarronice, a preguiça, a soberba, a gula, a negação, a implicância por desporto)...
Sinopse: A mulher vagueia no universo repressivo da casa. Poderia ser a mesma onde a avó fora morta pelo avô, ou de onde a mãe saíra, louca, para o hospital psiquiátrico. Ema é o nome de todas elas. Como o da antepassada tomada pelo terror após ter parido uma menina, sem dar ao homem com quem casara um filho varão. É esse espaço de violência que vai alimentando o ódio na paixão que a última das Emas tem pelo marido. Um ódio crescente que a impele, implacável, para a vingança, para o assassínio dele. Uma morte desfrutada, dir-se-ia gozada, por um olhar onde, apesar de tudo, a paixão perdura...
Opinião:
"Naquela noite, quando ele acabou, ela soube, teve a certeza que ficara grávida. Sentou-se na borda da cama alta e vomitou para o bacio que mal teve tempo de puxar para si."
Ema é a minha estreia com Maria Teresa Horta (N. 1937), e é um aquecimento antes de me atrever a ler As Luzes de Leonor. Trata-se de uma novela (apesar de ser listado como romance, mas tem apenas 134 páginas e pouquíssimas personagens) publicada em 1985, e a temática é-me muito familiar: a mulher maltratada, abusada, violentada, magoada e de rastos às mãos do marido, e com a conivência da família.
Trata-te de um livro ao qual atribuo os adjetivos cru e visceral, e identifico alguns motivos pelos quais não mexeu mais comigo, tratando-se de uma das minhas bandeiras de vida (a denúncia da violência contra as mulheres).
Em primeiro lugar, trata-se de uma história muito curta, torna-se difícil afeiçoarmo-nos realmente às personagens (três Emas: avó, filha e neta, todas infelizes no casamento), mesmo porque a história é contada em avanços e arrecuas, com algumas repetições, alguma confusão (não há tell, trata-se sobretudo de show, coisa que aprecio bastante mas que levanta muitas dúvidas). Por outro lado, é muito interessante o modo como a autora distinguiu as vozes e o tempo das três Emas (a maçaneta de loiça que depois é metálica, o cabelo loiro e os bandós, o fato casaco-calça da neta, o cabelo curto e ruivo, os objetos oferecidos a uma Ema que depois se tornam relíquias para as outras Emas), e também o modo como a infelicidade de uma parece a infelicidade de todas, entrelaçadas numa mesma desdita conjugal que atravessa o tempo e as gerações.
Outra coisa que me impediu de me entregar mais ao romance é o facto de que, em 1985, esta obra poder constituir um tratado feminista, uma denúncia social, uma obra essencial que deu voz às mulheres. Em 2020 trata-se de um romance ainda atual (infelizmente), mas em torno de um tema muito discutido e explorado nesta época. Não deixa de ser trágico que assim seja, que ainda hoje seja pertinente falar-se de violência doméstica, de abusos psicológicos e de patriarcado... Mas a verdade é que, posto isto, o romance não me trouxe nenhuma novidade, nem chegou a comover-me embora esteja magistralmente escrito.
Opinião: As Pupilas do Senhor Reitor é, talvez, o livro mais famoso e mais readaptado do escritor portuense Júlio Dinis. Publicado em folhetins em 1866, esta história passada numa aldeia portuguesa inominada foi ilustrada pelo artista Roque Gameiro em 1904 e 1905. Segundo Roque Gameiro, que percorreu o norte do país para procurar a paisagem adequada ao enredo, a ação teria lugar em Santo Tirso. Deixo algumas das esmeradas ilustrações de Gameiro, que sem dúvida me ajudaram a visualizar este romance soberbo.
Tratando-se do terceiro livro de Júlio Dinis que leio este ano, começo a sentir algum cansaço face a um certo estilo de narrativa e a certo conteúdo temático (uma espécie de puerilidade que percorre todo o enredo). No entanto, se a primeira metade do livro considerei algo enfadonha, a segunda recordou-me do porquê de apreciar tanto as tramas do autor.
Este romance conta a história de duas meias-irmãs, Margarida e Clara. Quando ficam órfãs, o reitor da aldeia toma-as sob sua proteção. Ainda que financeiramente independentes, são as meninas dos olhos do reitor, e com ele realizam projetos de caridade, ensinam crianças a ler, levam conforto aos moribundos e etc. Gozam, portanto, da alta estima do povo da aldeia, malgrado sejam as duas muito diferentes.
Clara é alegre, espontânea e imprudente. O seu coração leve impede-a de se proteger de possíveis maldades alheias, e acaba metida numa grande confusão quando, já noiva, acaba por se colocar em situações comprometedoras com outro rapaz da aldeia. Quanto a Margarida, sinto ter já experienciado este espírito feminino noutras obras do autor. Tanto Jenny, de Uma Família Inglesa, como Berta, de Os Fidalgos da Casa Mourisca apresentam as mesmas qualidades. Próxima da canonização, Margarida é abnegada, perdoa facilmente e vive uma vida de recato. Pratica caridade, é adorada por crianças, velhos e moribundos, e é uma espécie de santa da aldeia, sendo inclusivamente assim apelidada por outras personagens em vários trechos. Esta santa, que se sacrifica para limpar a honra da irmã estouvada, é um tipo de mulher que Júlio Dinis parecia muito admirar, e que me suscita algumas reflexões. Primeiro, antevejo um laivo de romantismo nesta figura idealizada: ninguém é tão perfeito, tão doce, tão ponderado, tão apto a deixar-se sofrer e prejudicar, como as Jennys, as Bertas e as Margaridas desta literatura. Por outro lado, agrada-me a ideia, também exposta noutros romances do autor, de que os nossos protagonistas – por muito que amadureçam, por muito que se regenerem, nunca chegam realmente a “merecer” este tipo de mulher. E de facto há uma aura de etéreo em torno destas jovens, penso que talvez por Júlio Dinis ter perdido a mãe muito cedo, e por isso as mulheres terem sido para ele, quem sabe, uma entidade mística de superioridade moral, a salvo da inconstância masculina.
Gosto sobretudo do retrato de Portugal que, apesar de sitiado nos anos 60 do século XIX, me parece ainda muito recente. Nesta aldeia as mulheres e crianças passam necessidades enquanto os maridos desperdiçam a pouca renda na taberna. O padre é uma entidade espiritual, mas também moral, e há sempre quem o siga de olhos vendados: é ele quem manda os homens para casa, entregarem os parcos soldos à prole. Como as aparições de Lourdes tinham tido lugar em 1858, causando com certeza grande impressão na sociedade portuguesa, havia mulheres que buscavam essa santidade pelo caminho da sacristia e da beatice. Aqui o autor deixa uma mensagem clara: a bondade, a santidade, são coisas distintas da devoção religiosa, o que me sugere que observava com ceticismo os costumes da época.
O que não apreciei neste livro foi, uma vez mais, a volatilidade dos sentimentos da personagem principal masculina, a leviandade com que professam o amor. Em Uma Família Inglesa, Charles é um estouvado até conhecer a jovem mascarada, e a partir daí redime-se sem mais. Em Os Fidalgos da Casa Mourisca é Maurício, uma personagem secundária, quem morre de amores pela nossa protagonista, e de repente esquece-a sem hesitar. Por fim, neste romance, é Daniel quem, depois de escrever versos a outras raparigas da aldeia, e de cercar Clara por não conseguir esquecer-lhe os modos alegres e os olhos negros, descobre que afinal o seu coração pertence a Margarida, à Margarida a quem nunca dedicou uma palavra em três quartos do livro. Resumindo: fiquei emocionada quando ele lhe retribuiu o seu amor de juventude, foi por isso que terminei o livro de um ápice. Porém, não pude deixar de concordar quando ela própria declara que em breve a afeição dele esvoaça para outra moça, os sentimentos deste médico da cidade não são de fiar, e isso desgosta-me neste tipo de romance, porque recai mais no romantismo de décadas anteriores do que no realismo que o autor se propôs a adentrar. O amor tudo redime, e o casamento é final feliz garantido.
De qualquer modo, recomendo vivamente, mesmo pelas gargalhadas que certas cenas me provocaram. Romance incontornável na literatura lusófona.
Deixo link para as ilustrações completas de Roque Gameiro numa edição antiga do romance, bem como estudos para as mesmas. Lindíssimo!
Classificação: 4****/*
Sinopse: Romance de Júlio Dinis publicado, em 1866, sob o formato de folhetins no Jornal do Porto, e em volume no ano seguinte. Segundo o próprio autor, numa referência das «Notas», a obra teria principiado a ser escrita em 1863, durante a permanência de Júlio Dinis em Ovar. O título refere-se às personagens femininas do romance, duas meias-irmãs órfãs, Margarida e Clara, de personalidades opostas, adotadas pelo Reitor. A intriga centra-se, contudo, em Daniel, segundo filho do lavrador José das Dornas. Depois de, em rapazinho, ter renunciado à carreira eclesiástica por amor a Margarida, Daniel regressa à aldeia, já médico e completamente esquecido do seu idílio de infância. Para além do Reitor, a obra apresenta uma interessante galeria de tipos rústicos, onde se destacam as figuras de José das Dornas, João Semana, o bondoso médico rural, João da Esquina, o dono da loja, e a sua esposa interesseira, a ti'Zefa, a beata linguaruda, entre outras. Em suma, As Pupilas do Senhor Reitor traduz a vida rural portuguesa da época.
Sinopse:Quando Adriana ganha finalmente coragem para sair de casa com o filho de cinco anos, pondo fim ao casamento com Alessandro, mal pode imaginar que o marido, incapaz de aceitar o divórcio, tudo fará para a destruir - nem que para isso tenha de destruir o próprio filho.
Apneia é uma viagem ao mundo sórdido da violência conjugal e parental, através de um labirinto negro em que os limites da resistência psicológica são postos à prova, ameaçando desabar a qualquer instante, e dos meandros tortuosos de uma Justiça por vezes incompreensível, desumana e desfasada da realidade.
Escrito com uma sobriedade e frieza inquietantes, Apneia é um romance intenso, absorvente e perturbador, que ilustra com uma autenticidade desarmante o estado de guerra em que vivem milhares de famílias estilhaçadas, e com o qual, inevitavelmente, muitos leitores se vão identificar, encontrando nestas páginas ecos da sua própria experiência.
Opinião: Apneiaé o primeiro livro que li da autora Tânia Ganho, apesar de já ter lido ótimas reviews de A Mulher-Casa. Apesar de se tratar de um romance gigantesco de 690 páginas, li-o em três fôlegos. Terminei-o compulsivamente de madrugada, e refleti sobre ele e acordei a tentar pôr as ideias no lugar.
Este é um romance sobre burocracia, sobre tribunais, autoridades, profissionais de saúde mental, e retrata a infindável luta de uma mãe pela segurança do filho. É um livro avassalador, que nos angustia e envergonha, que nos deixa frustrados e impotentes, envolvidos nesta espiral de desespero, de declínio emocional. É a história de uma mulher (mãe) no limite, mas também de uma criança manipulada por um pai sádico e do sistema que cede terreno para que o pai pratique os seus abusos psicológicos.
Conforme a sinopse indica, Apneia conta a história de um divórcio litigioso, e das lutas em tribunal pela guarda de uma criança. Adriana é pintora, e portanto sensível e fraca. Ela própria reconhece o seu lado subserviente, e torna-se assim a vítima perfeita para um homem manipulador e sem escrúpulos (provavelmente um sociopata) como Alessandro. Depois de anos a destruir a auto-estima da mulher, ele jura-lhe que vai deixá-la sem nada quando esta se atreve a pôr um ponto final no casamento. Como qualquer calculista, depressa compreende que o melhor modo de a destruir emocionalmente é usando o filho, Edoardo, como arma de arremesso.
A construção das personagens está muito bem feita. Adriana e Edoardo passam por várias fases ao longo da narrativa, há um crescimento dos dois, e foi precisamente a evolução de Edoardo, enquanto a disputa pela sua "posse" se arrastava em tribunal, que me manteve tão presa ao livro. Quanto a Adriana, exasperou-me muitas vezes. Apetecia-me sacudi-la, esbofeteá-la, passar-lhe parte da minha fúria e sentido de inconformismo, mas tive de entender que nem todas as mulheres dispõem de ferramentas para pararem o mal quando ele as toma como alvo. Como é sugerido no livro, quando não se sabe o que é o ódio, não sabemos como defender-nos quando nos odeiam (parafraseando).
O lado exasperante do livro é a surdez e a cegueira da Justiça face à questão da guarda deste jovem, decidida na barra do tribunal de menores. A frustração de sentir que falamos sem ser ouvidos, que esbarramos em autorizações, gente incompetente, prazos infindáveis, desprezo e falta de empatia, está muito bem descrita e rouba-nos o ar. Há uma sensação de urgência, de luta por sobrevivência, por paz, ao longo de todo o livro. Há uma Adriana que, apesar de nunca baixar os braços, se vai transformando num náufrago, despojada de vida pessoal, de tranquilidade para criar, de liberdade para se mover e para levar o filho consigo. A sombra do ex-marido priva-os de ar, mantém-nos suspensos do medo, do terror, da insegurança. Como dizia um investigador num programa sobre abusos domésticos a que assisti, violência doméstica é homicídio em câmara lenta, e não é preciso introduzir violência física na equação para comprometer a integridade física de uma vítima. Em vez de nódoas negras e abrasões, Adriana tem ansiedade, ataques de pânico, depressão.
A somar ao tema premente, desconcertante, e às personagens palpáveis, a autora entrega-nos a história com uma prosa magnífica. Maravilhava-me ao ler os seus parágrafos sobre as reflexões de Adriana, sobre os seus sentimentos e sobre o seu despertar da ingenuidade para a realidade da indiferença e do descaso. Tantas vezes pensei que, se este livro fosse editado em língua inglesa, com certeza seria um best-seller internacional e rapidamente adaptado ao cinema.
Acrescento ainda o retrato de Lisboa, da Margem Sul e "da ilha" como locais que me são próximos e palpáveis. Adoro ler romances com esta qualidade descritiva sobre paisagens que me são caras, que conheço e que vejo assim envoltas em poesia, em melancolia.
Atribuo 4,5 estrelas ao romance, e não 5, porque este livro esteve quase, quase a tornar-se um dos livros da minha vida. Tal foi o prazer e o envolvimento com que o absorvi, que o final não me satisfez e decidi arrumá-lo para o canto. Na minha cabeça, a história não terminou como a autora a escreveu, mas sim do modo como eu vinha imaginando nas últimas cem páginas. Não é do leitor "gostar" ou "não gostar" de um final, mas num livro que mexeu tanto com os meus sentimentos, que se tornou tão íntimo, antevi um final. Entranhei a lição, e por isso acarinho essas ideias que o livro plantou em mim, e que não se coadunam com as páginas que o encerram.
Livro obrigatório e escritora a seguir de perto. Recomendo sem reservas.
Opinião: Tenho de atribuir duas estrelas, porque significa it's ok enquanto 3 já significa I liked it
Foi a minha estreia com Valter Hugo Mãe, um autor que encontro muito pelo mundo dos livros, mas que até agora não me despertou grande curiosidade. Li algumas reviews de utilizadores com gostos semelhantes aos meus, folheei "A Desumanização", não consigo estar desinformada sobre títulos e às vezes até sinopses de livros que saem, e sempre me pareceu que não era para mim. Mas um amigo insistiu que devia lê-lo, e decidi ir até à biblioteca conseguir um exemplar de qualquer uma das suas obras e assim poder opinar com conhecimento de causa.
Uma das surpresas é que a capa da edição da Alfaguara (o homem em chamas) sugeria uma história poderosa, adulta, séria. Eu gosto muito de austeridade na escrita, mesmo o humor que surge num ambiente soturno tem outro gosto. A história não é nada disto, embora tenha rasgos de crueldade e outros de ingenuidade, e o contraste dos dois - promovido por um narrador que se expressa de modo peculiar - resulta nesta voz única em que mal se distinguem as personagens por si sós. Crianças, adultos e velhos, todos pensam do mesmo jeito, e com níveis de maturidade por vezes desadequados da sua faixa etária.
Que dizer desta história sem tempo nem espaço? As personagens têm nomes esquisitos, coisa a que começo a habituar-me no caso de alguns criadores portugueses. Temos o Crisóstomo, o Gemúndio, o Antonino e a Mininha (não me importava que os nomes esquisitos se tivessem ficado pelo imaginário do Saramago, e do seu Baltazar e Blimunda). A somar aos nomes, a personalidade das personagens: todos apanhados de uma certa loucura que procura elevar os rasgos de clarividência que lhes assista os pensamentos ou os diálogos. Depois é essa falta de tempo que me incomoda: que tempo é este em que a mentalidade é tão fechada, em que as pessoas atravessam montes a pé para chegar ao mar, mas há carros, hospitais e outras inovações que tais? E que espaço é este, que se estende da terra ao mar, e na terra naturalmente que o povo é lavrador, e no mar é pescador, e são todos remediados? É Portugal, julgo que seja Portugal. Diria um Portugal meio dos anos 30, ainda que nem o tempo nem o espaço cumpram nenhum propósito na narrativa. Tenho imensa pena, porque o tempo é um dos fatores que me leva até aos livros, e o espaço é outro logo a seguir.
Apesar de em jeito de romance, senti a história como uma espécie de compêndio de contos entrelaçados. Há homens tristes por não terem filhos e que enganam a tristeza com bonecos que se sentam no sofá, há anãs, há galinhas gigantes, há humanização de objetos (travessas e flores que se espantam) e há uma aura de surrealismo que nunca se cumpre, porque a força do surrealismo é a profundidade das raízes no real. Como num quadro de Magritte, a propósito meu pintor favorito, em que a composição é perfeita mas a imagem é desfasada do mundo físico. Perfeita, mas irreal. De contornos reais, mas a flutuar num céu azul de nuvens brancas. Surrealismo regado a mais surrealismo não me prende. As personagens acabam por não ser palpáveis - embora surja uma Isaura que é mais nítida do que as restantes -, as ações parecem-me dúbias e os encontros forçados. Fez-me especialmente impressão o modo como os menores são trocados de mão em mão, porque neste recanto do mundo sem tempo a lei também não existe. E temos de aceitar que tudo poderia passar-se assim, ou ficamos incapazes de produzir uma emoção quanto ao texto.
Parece que é um livro sobre a paternidade, mas não o senti assim. Achei que era um livro sobre superarem-se diferenças. A temática da aceitação do diferente - a mulher estranha, o velho solitário e desesperado, o maricas - é muito mais forte do que as relações interpessoais no livro. Ou melhor, as relações desenvolvem-se sobre essa superação da diferença, o que é algo positivo. O livro acaba por estar bem organizado - ainda que padeça de uma inesperada simplicidade -, e o português vem enrolado e desenrolado em floreados em certos trechos, por vezes sacrificando o significado à forma.
Destaco esta afirmação como o único momento em que o livro me agarrou realmente:
«Quando se conhece alguém, procuram-se as exuberâncias dos gestos (...) como para fazer exuberar o amor, mas o amor é uma pacificação com as nossas naturezas e deve conduzir ao sossego.»
Não me alongo mais, termino esclarecendo que o livro é, para mim, uma obra de art naïf, um quadro de figuras simplificadas e muito coloridas, num cenário primitivo de terra e animais. O meu gosto pessoal revê-se mais na intriga por detrás do surrealismo de Magritte.
Sinopse: Esta é a história de Crisóstomo que, chegando aos quarenta anos, lida com a tristeza de não ter tido um filho. Do sonho de encontrar uma criança que o prolongue e de outros inesperados encontros, nasce uma família inventada, mas tão pura e fundamental como qualquer outra. As histórias do Crisóstomo e do Camilo, da Isaura do Antonino e da Matilde mostram que para se ser feliz é preciso aceitar ser o que se pode, nunca deixando contudo de acreditar que é possível estar e ser sempre melhor. As suas vidas ilustram igualmente que o amor, sendo uma pacificação com a nossa natureza, tem o poder de a transformar. Tocando em temas tão basilares à vida humana como o amor, a paternidade e a família, O filho de mil homens exibe, como sempre, a apurada sensibilidade e o esplendor criativo de Valter Hugo Mãe
Sinopse:Sofia tem 32 anos, é professora num colégio em Lisboa e casada com um arquiteto de uma família nobre ribatejana. Ele conservador e ela liberal, não tinham nada em comum quando se apaixonaram numas férias de verão dez anos antes. Viveram um namoro feliz seguido de um casamento de sonho, desgastado pela sua obsessão por uma gravidez.
Quando descobre que foi traída, Sofia aceita uma proposta para substituir a sua mentora e viaja para o interior de Moçambique.
Disposta a viver aventuras, envolve-se com Alex, um homem que a atrai, apesar dos seus modos secos e do pressentimento de que lhe esconde algo.
Corajosa e determinada, Sofia irá descobrir tudo aquilo de que é capaz, incluindo arriscar a sua vida.
Opinião: Pronto, e é isto. Quando adoro um livro, dou-lhe cinco estrelas. Neste caso, cinco inesperadas estrelas e muita admiração pela autora, que se estreia assim na ficção nacional com uma promessa de talento inegável!
Uma palavra para o facto de só ter comprado o livro porque a capa é lindíssima e piscou-me o olho várias vezes na Feira do Livro. Eu ando numa fase de clássicos, mas decidi dar uma oportunidade ao livro, que ademais prometia misturar dois temas muito interessantes: infertilidade e as complexidades sociais de Moçambique.
Li algumas opiniões de outros leitores e parece-me consensual que a segunda parte do romance é muito mais cativante do que a primeira. De facto, no início senti-me um bocadinho aborrecida com aquele enredo do boy meets girl, ainda por cima a escrita é leve (e fluída), o que me fez sentir dentro de um YA, género que não me cativa de todo, por ser muito difícil introduzir algo de novo nesse segmento. Alguns ocasionais clichés, ou variantes deles, baixaram-me as expectativas de modo que a segunda parte pôde arrebatar-me por completo.
No entanto, sempre que a narração regressava ao presente, a escrita cativava-me. Elogio a escrita em si, o ritmo irrepreensível do romance - algo muito difícil quando se escreve -, e sobretudo os diálogos. Não é fácil escreverem-se diálogos com naturalidade, a Iris soma muitos pontos nessa área. Fez-me rir, comoveu-me. Fez-me torcer realmente pelas personagens, e é sempre ótimo quando um autor manipula os nossos sentimentos. Também de louvar o retrato psicológico de todas as suas personagens; fiéis a si próprias, com atitudes e até maneirismos no falar muito distintos. Parece uma coisa mínima, mas quantos livros li de autores ditos consagrados, portugueses, em que não há distinção de vozes e em que as personagens são unidimensionais?
Gostei muito mais da segunda parte porque mexe com temas na ordem do dia que me parecem muito pertinentes: ecologia, alimentação, exploração infantil, tráfico humano, corrupção, e por aí fora.
Trata-se de uma estreia de arromba, conto estar muito atenta a outros trabalhos da Iris, e precipitar-me para as bancas caso venha a haver uma continuação deste romance. Apesar de a história subsistir por si própria, parece-me que temos material de sobra para uma continuação igualmente emocionante.
Opinião:“A Noite em que o Verão Acabou” é a minha estreia com João Tordo. Terminei o romance com a sensação de que não devia ter começado a lê-lo por este. Julgo entender que este é um livro “fora da sua praia”, em que se aventurou num novo género. Eu não percebo muito do género thriller, mas creio que o thriller é aquele género de filme/livro em que há um bandido à solta e os bons têm de o parar. Aqui, e segundo a sinopse anuncia, houve um crime, há um suspeito e procura-se a verdade. Nesse sentido, diria que é mais um… mistério? Ou um romance no qual acontece um assassinato. Acho mais corretoa ssim: é um romance no qual, por acaso, uma pessoa é assassinada.
“Aquele caso era, na verdade, uma história de amor. Ou mais de uma.”
Tirei várias conclusões a respeito do livro, e também senti que fiquei um bocadinho por dentro daquilo que é o trabalho do autor. Vou ensanduichar a minha opinião, porque há coisas boas e más à mistura.
Começando pelas coisas boas : - A escrita, que é clara e flui; - Os diálogos, que acabam por ser espirituosos; - As personagens, que mais ou menos interessantes se mantém fiéis à sua personalidade; - O trabalho gigantesco que é evidente que o autor levou a cabo para pôr de pé uma obra deste tipo, com várias pontas soltas – que, aliás, vai unindo a seu tempo, o que expõe o planeamento por detrás do livro; - Na sequência do ponto anterior, as analepses encaixam bem umas nas outras; Por tudo isto, penso que voltarei a ler João Tordo, mas no registo que é “dele”, e num livro mais pequeno. Agora vou alongar-me nas más, porque foram o que minou a leitura:: - O livro é enorme, com mil e um subenredos, e nem todos acrescentam grande coisa à história – por exemplo, há demasiadas páginas em torno da carreira frustrada da personagem principal, da sua tentativa de se formar na New York University. Também há muita insignificância em torno de rotinas diárias, coisas que podiam ser abreviadas até para não nos afastar do cerne do livro. E também há o facto de, a cada revelação a respeito do caso, se recapitular grande parte deste, o que a dada altura torna aquilo que seria a parte interessante da história – o assassinato e a investigação – um pouco aborrecidos; - Há muitos anacronismos históricos que me tiraram da ação, dos quais destaco alguns: o Hospital de Portimão referenciado em 1987, quando apenas foi inaugurado em 1999, Havaianas no Algarve em 1987, quando também só chegaram ao país em 1999, “televisores gigantescos” no Algarve de 1987, jogos em rede com utilizadores de todo o mundo em 1998, câmaras de televisão por cabo em 2008 ainda a utilizar cassete (aqui é o contrário, já havia câmaras digitais com memória digital); - Outros problemas com o enredo prendem-se com incongruências, isto é, com circunstâncias que não me convenceram – um rapaz de 13 anos que fala Inglês perfeito, e que só se atrapalha com uma expressão: Pen pal, mas depois se sai com outras que até eu desconhecia (digo “eu” que vejo filmes e séries há 30 anos, que leio em Inglês (não mais porque sou preguiçosa) que fui professora voluntária de Inglês por dois anos, e que trabalho em Inglês há 10: housebroken, para “domesticado” – é que estamos no Portugal de 1987, e embora o Pedro diga que aprendeu Inglês a ler e a ver filmes, parece-me altamente conveniente que assim seja para o enredo, e nada verossímil; - Também me debati com o modo como a personagem se dirigia aos membros da família – isto é, o romance é contado na primeira pessoa por Pedro Taborda, mas dirigia-se a algumas personagens com um distanciamento que me deixou alerta. Sendo o livro um pretenso thriller, e referindo-se sempre à irmã como “Júlia”, e raramente como “a minha irmã”, e ainda à tia-avó como Lucília, e nem sempre “a tia”, perguntei-me se viriam a ser suspeitas de algum crime ao longo do livro; - Outra dúvida são algumas expressões que surgem em Português, quando supostamente todos os diálogos do livro passados nos Estados Unidos devem ser em Inglês. “Com a breca!”, “Três é a conta que Deus fez”, ditos por personagens americanas, põem-me ali às voltas para tentar perceber o que teriam dito os yankees na realidade; - Outra coisa que dificultou a leitura foi o facto de muitas personagens serem estereotipadas – perdi a conta a quantos americanos eram “gordos”, ou moviam o rabo assim ou assado; o advogado tinha o perfil de fuinha que se associa a vários advogados, os polícias tinham um quê de idiotas corados que comem donuts, as jovens são muito bonitas, os homens de negócios passam muito tempo fora de casa, e por aí fora; - Por último, o que mais atrapalhou a leitura foram as inverosimilhanças na história, e neste ponto deixo as coisas com a proteção do spoiler. Quem ainda não leu o livro não abra. Começo por dizer que o que se segue são reflexões de uma pessoa que, desde que o confinamento começou, deve ter assistido a 13 temporadas de Forensic Files, no Youtube. Trata-se de uma espécie de minidocumentários sobre crimes ocorridos na América, ao longo das últimas décadas (e também Canadá e Austrália), e como a polícia os resolveu através da Ciência Forense. Cada episódio tem 20 e poucos minutos e basicamente mostra como a ciência é fulcral ao serviço da justiça. Neste romance, a ciência forense não existe. (view spoiler) (o link leva-vos para a página do Goodreads, onde podem clicar em spoiler para ver o texto oculto).
Fechando a sanduíche: É um bom esforço, com partes interessantes e alguns trechos de boa prosa. Porém, torna-se demasiado grande, demasiado inverosímil nalgumas partes, demasiado fantasioso e novelesco noutras. Isso e o facto de no livro subsistirem tantos núcleos, tantas histórias e tempos paralelos… Lembrei-me sempre da máxima “menos é mais”. Se o Taborda (já agora um tipo sem sal nem grande personalidade) está a contar a história como num romance, porque não ser objetivo? Vou voltar a tentar ler João Tordo, mas da próxima comprometo-me com um livro mais pequeno.
Sinopse: 14 de Setembro de 1998. O dia em que Chatlam, uma pequena vila americana, acordou em choque com o homicídio de Noah Walsh. O principal suspeito: a sua filha de dezasseis anos. No Verão de 1987, o adolescente Pedro Taborda apaixona-se por Laura Walsh, a filha mais velha de um magnata nova-iorquino. Ela e Levi – uma criança misteriosa – passam férias com os pais no Lagoeiro, uma pacata cidade algarvia. Rica e moderna, a família Walsh tem tudo para dar muito nas vistas no sul de Portugal. Inebriado pelas formas perfeitas e pelos modos ousados de Laura, Pedro encontra na rapariga americana o seu primeiro amor. Mas quando o Verão acaba, a família Walsh regressa aos Estados Unidos e o destino fica por cumprir.
Dez anos depois, Pedro, decidido a tornar-se escritor, vai estudar para Nova-Iorque. Fascinado com Gary List, antigo prodígio das letras americanas, chega aos Estados Unidos determinado a perseguir os sonhos da juventude. Ao reencontrar Laura, está longe de suspeitar que esse acaso o mergulhará no crime mais falado dos anos noventa, o homicídio do milionário Noah Walsh.
Com um segundo homicídio a atrapalhar a investigação e uma corrida para salvar Levi, de apenas dezasseis anos, acusada de matar o pai, Pedro e Laura enredam-se irremediavelmente na teia de segredos que envolve a família Walsh, desde os anos quarenta do século XX até ao impensável desfecho nas primeiras décadas do novo milénio.
Porque em Chatlam – e neste thriller imparável – nada é o que parece.