#94 ALCOFORADO, Mariana, Cartas Portuguesas
Na realidade já as tinha lido anteriormente, mas não sei se tinha lido todas e com o espírito com que as li agora. Estava em Beja, com as minhas duas irmãs, e senti necessidade de as ligar àquela cidade tanto quanto lhe sou ligada. Aproveitei as tecnologias para baixá-las da internet e ler-lhas, visto que no dia seguinte iríamos ao Convento da Conceição ver a janela que, afinal, não está no local original. Apenas os ferros são os mesmos.
Os franceses reinvindicam a autoria destas cartas, originalmente publicadas em 1669 em França e, posteriormente, na Alemanha. Não acredito que a profundidade deste retrato psicológico feminino pertença a um qualquer "escritor". Creio realmente que estes queixumes partem da mão da pessoa que sofreu, na pele, as agruras dum amor enganado, não correspondido.
Nas duas primeiras cartas, Mariana transparece o sopro nefasto da esperança, do desengano. Está apaixonada e crê que o Marquês de Chamilly sente igualmente a sua falta. Com o avançar das cartas, um ano depois, menciona o engano de que foi vítima. Lamenta ter-se-lhe entregado (é assim que entendo as alusões a prazeres e entrega), praticamente o acusa de ter sido oportunista e de a ter escolhido para desgraçar. O tom lamurioso torna-se aborrecido, como uma amiga que sofre por amor e nos enche os ouvidos. Já fui essa pessoa. A dada altura só nos apetece dizer: esquece-o, anda para a frente, já viste que ele não volta, que não vale a pena. Contudo a sua angústia é justificada e dói na alma.
Mariana referencia a D. Brites, madre do convento, a janela de Mértola, a cidade de Beja, os cavaleiros franceses. Isto sem o pretensiosismo dum escrito e com a veracidade de uma situação real.
Mariana nasceu em 1640, ingressou no Convento da Conceição aos 11 anos e lá morreu, em 1723. Não faço ideia se terá sido algum dia confrontada com algum leitor curioso a respeito das suas supostas cartas de amor.
Li também, há muitos anos, o Mariana da Katherine Vaz, que me deu a conhecer este episódio delicioso da nossa história.