#85 MARTEL, Yann, A Vida de Pi
Classificação: 5*****
Sinopse: Quando Pi tem dezasseis anos,a família decide emigrar para a América do Norte num navio cargueiro juntamentecom os habitantes do zoo. Porém, o navio afunda-se logo nos primeiros dias deviagem. Pi vê-se na imensidão do Pacífico a bordo de um salva-vidas acompanhadode uma hiena, um orangotango, uma zebra ferida e um tigre de Bengala. Em breverestarão apenas Pi e o tigre.
Opinião: Este livro – e o respectivo filme – estãoenvoltos em muito falatório. Primeiro os elogios à tecnologia utilizada pararecriar, no filme, um tigre e o ambiente inóspito do pacífico. Ang Lee ganha,felizmente, o Óscar pela direcção deste filme sublime. Uma obra gritante debeleza, espiritualidade e talento. Não imagino um ocidental a consegui-lo. Masquanto ao filme já falei aqui. Entretanto também o livro havia sidopremiado com o Booker Prize. Yann Martel é acusado de plágio – Max e osFelinos, de Moacyr Scliar seria a fonte original. É ainda criticado pelaarrogância com que reagiu a essa acusação. Eu lavei-me desse escândalo e isolei-o do conteúdo da obra.
Li, em resenhas de quem já tinha percorrido as suas páginas, que a obrasofre um corte abrupto. Aproximadamente as cem primeiras páginas falam de umavida na Índia. Um nome, “Piscine”, uma cidade, “Pondicherry”, um jardimzoológico com um rinoceronte que, por se sentir solitário, partilha o espaçocom um rebanho de cabras. A Índia… os cheiros, os rostos, as crenças. E umrapaz simultaneamente hindu, cristão e muçulmano. Uma aventura – poderiadizer-se -, visto que este rapaz lingrinhas e vegetariano sofre um naufrágio efica à deriva no Pacífico com um tigre, uma zebra, uma hiena e um orangotango.Mas não é bem isso, é ainda mais do que isso. Uma aventura interior, contra anossa própria natureza, os nossos limites, o nosso corpo que cede mesmo quandoa mente se esforça por continuar, as nossas fraquezas e melindres. Um contosolitário, angustiante, ainda assim enternecedor. Eu quase sentia a doçuraintrínseca entre Pi e o tigre. Tanto o Martel como o Ang Lee conseguiram tornaressa relação sólida, palpável, subtil e credível. É um feito. Sorri comdiversas nuances da interacção entre este rapazinho indiano e otigre.
De facto há uma mudança abrupta da primeira parte do livro para a segunda.Não necessariamente má, como fui levada a crer. A primeira parte é sobrenecessidades de ser enquanto a segunda é sobre as de sobreviver. Um livro quenos obriga a rever quem somos e até onde iríamos se a fome, a sede, o medo damorte, o definhar lento, nos instigassem.