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Castelos de Letras

Em torno das minhas leituras!

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#52 QUEIRÓS, Eça de - Os Maias


"Os Maias", obra-prima de Eça de Queirós e romanceintemporal, foi primeiramente publicado no Porto em 1888. Popularmente falado por se tratar de uma história de amor incestuoso com uma introduçãoexageradamente descritiva, onde é apresentada ao leitor a casa da família Maia.De facto, da primeira vez que tentei ler o romance, em 2006, fui desmotivadapela referida descrição do Ramalhete. Pareceram-me quinze páginas sobrechaminés e tapetes. Agora que lhes dei uma segunda oportunidade decidi que iaapreciar a descrição da casa, ia deixar que o Eça me levasse lá pela mestria dasua escrita - de que tinha tido um vislumbre n’A Cidade e as Serras. E sabemque mais? A casa tem uma descrição de meia dúzia de parágrafos. Pronto. Podeser muito a respeito de uma mera propriedade, mas de facto faz sentido, porqueé a introdução a uma vida de luxos e vícios, que retrata bem a sociedadeportuguesa no último quartel do séc. XIX.
Eça de Queirós, do pouco que entendo deliteratura, pertence à corrente realista. Denota-se, inclusive, um certodespeito pelo romantismo e ultra-romantismo que imortalizaram, por exemplo,Camilo Castelo Branco, cerca de vinte anos antes. Não na pena do autor, mas naspalavras que vai colocando na boca dos seus personagens, todos eles muitocríticos, dados a fervorosos discursos de honra e de ideais. Tudo parece dignode esmiuçar nesta sociedade retratada por Eça, e todos se dão ares de grandeintegridade moral. No entanto, nenhuma personagem é realmente casta oumoralmente correcta.
Ega, Carlos da Maia, o Eusebiozinho, Dâmaso, oTaveira, Cruges, o Cohen, o Craft, Castro Gomes, o Gouvarinho. Nunca secompreende realmente o que fazem estes condes e homens do governo e depândegas. São, ao que é sugerido, a fina flor das relações de Lisboa. Noentanto nunca se chega a compreender muito bem aonde vão buscar os rendimentosque sustentam as suas vidas de luxos, whist (jogo de cartas muitoapreciado à época), charutos, cigarrettes, teatro, grémios epasseiozinhos de charrete em Sintra. O retrato geográfico de Portugal é delicioso - com ocomboio até ao Porto, “estradas de ferro”, assim chamados os caminhos de ferro,numa desconfiaça muito lusitana, mais de cem anos depois de a Inglaterra terdado o impulso à Revolução Industrial, o vapor para o Alfeite, etc. A Lawrence, em Sintra, os travesseiros,os ovos moles de Aveiro, os fados assim mencionados, louvados mais de cem anos antes de se tornarem património mundial...! Eça foi um visionário. Tantas referências quetive de absorver no estudo do turismo assim naturalmente descritas, como se Eçaadivinhasse que, pela sua qualidade, perdurariam no tempo... Tão contemporâneoe intemporal quanto se tivesse sido escrito hoje sob o signo dos romances deépoca, tão em voga.
Referências literárias, filosóficas e políticassão outras tantas: Robespierre, Proudhon, Darwin, Voltaire, Garibaldi,democracia, um cheirinho já ao socialismo e à república, etc., etc.. Foi comoum meeting de figuras famosas, só que vivenciadas em tempo real. Asopiniões sobre tudo e sobre nada preenchem centenas de folhas. Perto do fim,inclusive, as intrigas sociais e as discussões políticas e literáriasmultiplicam-se, ficando a Maria Eduarda e o Carlos um pouco esquecidos. Todo olivro é muito boémio, com trejeitos de ironia preciosos e um clima bonacheirãoe de bazófia que ora nos desespera, ora nos enche de bom humor. A cobardia, osfalsos ares de finura, os falsos escrúpulos, duelos de florete, ameaças deescarros em faces gorduchas, a falta de moral para se discursar sobredeterminado assunto, o amante da mulher casada que se ofende com o seu marido,por se ter atrevido a surpreendê-los...! Eas mulheres? Fonte de problemas, infiéis, frágeis, insistentes, apersonificação do pecado. E então surge Maria Eduarda, um aparente modelo devirtudes, ainda assim corruptível, que se revela a maior das desgraças na vidade Carlos da Maia... mas também a maior das lições.
As últimas linhas, o último raciocínio desteromance, são desconcertantes, esperançosos, trazem um sorriso aos lábios e uminchaço bom ao peito. Não há trevas no final de uma intriga que tanta dor causaa tantas personagens que acabamos por amar. Há, sim, um certo optimismo de quemtem noção de ser impotente perante os grandes factos. Aqui também vejo orealismo, porque por muito difícil que seja o desafio, por muito que doa aperda, a vida continua. E, quando tivermos de voltar a correr,correremos. Está-nos no sangue, é a nossa natureza.
Ao nível dos grandes clássicos, e digo-o enquantoleio, em paralelo, O Conde de Monte Cristo. Mostra uma vanguarda depensamentos, uma insolaridade que nos é típica, um carácter muito português euma influência - na realidade pouco influente, quase ridícula de tão malabsorvida - dos estrangeiros, sobretudo da França. Tudo é motivo para secolocar uma expressãozinha francesa. Tudo é très chique, chique a valer.No fundo, o “português” prevalece sobre o cavalheiro, de cabeça quente e punhocerrado, apostado em encher cabeças de bengaladas ao primeiro desaforo... Umautêntico teatro de civilidade ensaiada. Um romance único que requer pés ecabeça durante a leitura. Quase quatro semanas depois, terminei-o finalmente. Osentimento é um misto de feito grandioso - e de admiração perante um feitograndioso que foi, para Eça, escrever uma obra ao nível dos grandes clássicos -e de alívio.
Já conheço os Maias.

Classificação: 5*****

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