#44 BUARQUE, Chico - Leite Derramado
Sinopse: Um homem muito velho está num leito de hospital.Membro de uma tradicional família brasileira, ele desfia, num monólogo dirigidoà filha, às enfermeiras e a quem quiser ouvir, a história da sua linhagem,desde os ancestrais portugueses, passando por um barão do Império, um senadorda Primeira República, até ao tetraneto, um jovem do Rio de Janeiro actual. Umasaga familiar caracterizada pela decadência social e económica, tendo como panode fundo a história do Brasil dos últimos dois séculos.
«A força maior da narrativa é, neste quarto romance de Chico Buarque, a simplicidade aparente. Lê-se e é como se cada um dos leitores pudesse ocupar um lugar na borda da cama do enfermo Assumpção e o estivesse escutando e segurando-lhe a mão, à espera do seu derradeiro suspiro.»
Jorge Marmelo, Ipsilon
Opinião: Eu tinha posto na cabeça queChico Buarque era só um "cara sensível" da Bossa Nova e que só escrevia baseado na fama que obteve comomúsico. Mas outra das minhas ideias pré-concebidas foi deitada por terra (etanto é que estou louca para ler o Budapeste,que vai directo para a wishlist).Estou até mais perto de adoptar o acordo ortográfico (brincadeirinha), sóporque também se pode fazer poesia sem C em correCto. Enfim, estou até falando português do Brasil.
Leite Derramado é a história deEulálio d'Assumpção, por amor de Deus, não se esqueçam do P em AssumPção, elefaz questão disso. É um centenário estendido numa cama de hospital a tagarelaras reviravoltas do seu século de vida com uma beleza muito particular - porqueora é sensível ora é grosso. Adorei conhecer parte da História do Brasil, e dadecadência da própria sociedade globalizada e actual, ao longo do séc. XX.Fiquei também deliciada com os pontos em que a mesma se entrecruza com o meupaís. Esta é a história de um quase moribundo que receia se esquecer da suavida, que começa o romance com uma frase inesquecível «Quando eu sairdaqui...». Daqui, donde? E está a minha curiosidade aguçada. E há a Matilde,que amei tanto quanto o Eulálio, e a Maria Eulália, filha do Eulálio, e unsquantos Eulalinhos, isto apenas para ressalvar que a estória se repete. Tanta atenção aos pormenores, tantahumanidade... o Eulálio centenário é-me tão familiar quanto os meus avôs,apaixonei-me pela leveza, o optimismo, os acessos de fúria e os caprichos a quecede na vida.
Hesitei entre um 4,5 e um 5, mas aminha percepção do romance ganha na atribuição deste último valor entre o 4 e o5. O livro pode não ser genial, mas eu queria voltar para dentro dele a cadavez que o pousava. Houve umas deixas geniais e houve momentos de puraliteratura, aquela que dá vontade de citar. E assim fiquei a saber que "A curva é o gesto do rio".
Classificação: 5****