#38 PEDRO, João Ricardo - O Teu Rosto Será o Último
Sinopse: [Prémio Leya 2011] Tudo começa com um homem saindo de casa, armado, numa madrugada fria. Mas do que o move só saberemos quase no fim, por uma carta escrita de outro continente. Ou talvez nem aí. Parece, afinal, mais importante a história do doutor Augusto Mendes, o médico que o tratou quarenta anos antes, quando lho levaram ao consultório muito ferido. Ou do seu filho António, que fez duas comissões em África e conheceu a madrinha de guerra numa livraria. Ou mesmo do neto, Duarte, que um dia andou de bicicleta todo nu.
Através de episódios aparentemente autónomos - e tendo como ponto de partida a Revolução de 1974 -, este romance constrói a história de uma família marcada pelos longos anos de ditadura, pela repressão política, pela guerra colonial.
Duarte, cuja infância se desenrola já sob os auspícios de Abril, cresce envolto nessas memórias alheias - muitas vezes traumáticas, muitas vezes obscuras - que formam uma espécie de trama onde um qualquer segredo se esconde. Dotado de enorme talento, pianista precoce e prodigioso, afigura-se como o elemento capaz de suscitar todas as esperanças. Mas terá a sua arte essa capacidade redentora, ou revelar-se-á, ela própria, lugar propício a novos e inesperados conflitos?
Opinião: Estou um bocado confusa. Serei eu que ando a perder capacidades de leitura? Concentração, talvez? Ou talvez seja o meu cérebro que começa a ficar exausto destas viagens a preto e branco pelas páginas de múltiplos livros. Antes de mais, sem dúvida que o autor tem um talento inato para a escrita. Não me parece que o que ele articula - toda esta orquestra de palavrões ou associações espontâneas ao longo de uma mesma frase - seja menos do que isso; espontânea. Não é possível ensaiar tal desembaraçado na hora de criar uma ideia escrita, isto é-lhe certamente natural. Vi muita matemática, e até alguma engenharia, pelo meio do discurso - e isso agradou-me, porque os homens de números geralmente não são homens de letras, e o João Ricardo Pedro parece conseguir dividir-se por estes dois campos tão distintos do raciocínio humano.
A história em si é uma teia intrincada, um puzzle que se vai juntando aos poucos e, quando faz sentido, é de uma lógica deliciosa vê-lo formar imagens. Gostei da narrativa, apesar das asneiras e da crueldade. Acho que a vida é um pouco assim: uma série de desastres e culpas involuntárias que, a pouco e pouco, vão compondo quem os comete e quem deles é vítima. Ao contrário do que esperava de uma obra tão falada e tão aclamada e com tanto Marketing, não há sexo (ou praticamente não há sexo), e uma coisa assim seria em tudo compatível com a linguagem crua do autor e o tom irónico e um pouco fatalista do livro. Se é para expôr a natureza das pessoas, porque não expo-la na sua maior fraqueza? Gabo isso ao autor, manteve-se longe daquilo que é sabido vender tanto e atrair tanto o público português (basta pensar nos tele-filmes/cinema nacionais/nacional).
Acho que tanto as questões políticas quanto existenciais coexistem nesta obra na medida certa. Gostei das personagens; entendi as personagens, entendi, sobretudo, a falta de nexo da vida das personagens. E se, no final, esperam resposta a todas as dúvidas... desenganem-se! Na vida, muitas portas ficarão por fechar e muitos enigmas por solucionar.
Se ele voltar a escrever, eu lerei. Mas o livro é de um cariz muito português, muito mergulhado na minha própria natureza de portuguesa, no nosso passado de portugueses, e eu não sei se voltarei algum dia a estas páginas, se as recomendarei. É como lidar com o mal que é nosso diariamente, que é inatamente nosso. Custa a encarar que tanto do ser português esteja aqui.
Espero fazer-me entender e garanto que compreendo, na totalidade, o prémio com que foi galardoado. Uma vez mais, atribuo 3,5.
Classificação: 3,5***