#303 SILVA, Filipa Fonseca, E Se eu Morrer Amanhã?
Opnião: "(...) É cada vez mais difícil lidar com um corpo que falha. Mais comprimidos, mais uma operação, um coração mecânico, uma válvula aqui, uma placa de titânio ali, a carne macerada, os ossos em franca erosão, tudo preso pela ciência da longevidade e por peças impressas em máquinas 3D, como se a morte não fosse parte da vida, mas, antes, uma sentença adiável, até se atingir o limite do conhecimento humano, que, como se sabe, é impossível, visto que este é como o universo e a estupidez..."
Depois de um longo jejum de leitura - só tenho lido o que estou a traduzir -, decidi apostar no último livro da Filipa Fonseca Silva, porque a sinopse promete uma viagem a lugares que nunca tinha explorado na literatura: a sexualidade geriátrica.
Ultrapassada uma certa resistência inicial, e auxiliada pelo tacto da autora, que nos conduz por esse mundo em que nunca me tinha permitido pensar com sensibilidade e um toque de humor, aventurei-me na viuvez da Helena.
A Helena é uma octogenária que, apenas depois da morte do marido, começou a saciar a sua curiosidade quanto ao mundo do sexo. Na exploração da sua sexualidade, tem o seu primeiro orgasmo aos 70 anos, e essa descoberta desperta-a para tudo aquilo que nunca fez e que não quer morrer sem fazer. E se eu morrer amanhã? torna-se o seu lema e, na sua jornada de descoberta, acaba por ter ainda algumas coisinhas a ensinar aos filhos e à neta. Gostei acima de tudo da relação da Helena com a neta, mas também da abordagem ao sexo como um ato de companheirismo, de confiança, de exploração e de partilha sem preconceitos. Gostava tanto que a Helena fosse minha avó <3
Acabei este livro abraçada a um presente inesperado: a minha vida não vai acabar aos 50, nem aos 60. Se calhar, nem aos 90. Aconselho vivamente este livro para refletirmos com leveza - mas pertinência - em assuntos que nunca nos ocorreram, e que agora vão lançar um novo prisma sobre a vida e as suas infinitas possibilidades.
Sinopse: Helena é uma viúva de setenta e nove anos aparentemente pacata. Vive com o gato num apartamento, independente dos filhos e netos adultos, gozando de ótima saúde física e mental. Até ao dia em que, por acidente, pega fogo à sala de estar.
Obrigada a mudar-se para casa da filha, que começa a questionar a sua sanidade, acaba por revelar um segredo que deixará toda a família boquiaberta: afinal, tem uma vida sexual ativa. Muito ativa.
A partir desta confidência, Helena conta-nos as suas aventuras amorosas e o lema de vida que adotou desde a morte do marido, com quem partilhou mais de quatro décadas de descontentamento.
E se eu morrer amanhã? é um romance hilariante, que nos leva a refletir sobre os preconceitos em relação às mulheres mais velhas e o enorme tabu em torno da sua sexualidade. É também uma luz de esperança, iluminando a ideia de que nunca é tarde para descobrir o que nos faz feliz.