#302 PEREIRA, Ana Teresa, Karen
Opinião: Foi a primeira vez que li um livro da autora Ana Teresa Pereira, uma das favoritas da DGLAB para atribuição de bolsas e prémios. A história é intrigante, bastante interessante - julgo que com laivos de Rebecca, ou daquilo que julgo que será essa obra de Daphne du Maurier.
Trata-se da história de uma pintora que de repente desperta numa casa no interior de Inglaterra, longe de Londres, do seu apartamento e das galerias que costumava frequentar. É-lhe atribuído outro nome e outro passado, e descobre que já não sabe dançar nem consegue pintar, como se fosse outra pessoa apesar de se recordar desse outro passado na capital. Está rodeada de estranhos e é informada de que sofreu um acidente relacionado com uma cascata local.
A linguagem é simples, a escrita fluida, o mistério vai-nos mantendo presos às páginas. Tem passagens realmente belas, tais como:
(...) e as gotas de orvalho de manhã cedo em todas as folhas e todos os ramos de um bosque onde ninguém passa, e o som da água é o som do universo, o som que também está no fundo de nós, misturado com o vazio e a escuridão.
De salientar um ponto de que não gostei e que me parece ser bastante recorrente num certo círculo de autores portugueses: o pedantismo de despejar referências artísticas, musicais e literárias umas atrás das outras, a cada página uma nova exibição da sua formação cultural. É desnecessário e diria até pouco credível escrever-se sobre pessoas comuns que vivem em águas-furtadas com grande simplicidade, mas estão sempre prontas a citar os "grandes".
(...) como as ruazinhas, as pontes, os canais, do filme de Luchino Visconti, como o mosteiro e o vale profundo do filme de Michael Powell e Emeric Pressburger). Uma rapariga casada que vinha a Londres uma vez por semana, ver um filme ou uma peça de teatro, e trocar um livro na biblioteca, livros de Dorothy Whipple, Richmal Crompton, D.E. Stevenson, Winifred Watson. E Francis Burnett.
Não me parece também que o retrato psicológico da personagem principal, esta Karen prestes a completar 25 anos, faça sentido perante estas referências. Uma jovem de 24 anos que vive sozinha em Londres, bebe vinho e ouve música antiga, pinta a óleo e visita galerias e faz caminhadas na natureza e vai ao teatro. Acho que é uma idealização de pessoas de outro tempo, sem raízes na realidade atual.
Sinopse: Le Notti Bianche passava‑se numa ponte: Maria Schell esperava o amante que partira há um ano, Marcello Mastroianni apaixonava‑se por ela, e havia música, não sei de onde vinha a música, talvez de um bar ou de uma esplanada próxima; lembro‑me de um barco no canal, e dos sinos a tocarem, e do momento em que começava a nevar, e da rapariga a deixar cair o casaco que tinha sobre os ombros e a correr para os braços de um dos homens. Black Narcissus: Deborah Kerr vestida de freira, e o inesperado dos seus cabelos ruivos quando recordava, porque aquele lugar fazia recordar coisas; Kathleen Byron a tocar o sino do mosteiro na beira do precipício e a pintar os lábios na sua cela, a voltar de madrugada com um vestido vermelho e o cabelo molhado; e depois a luta final entre a jovem com o hábito branco e a jovem com o vestido vermelho, as nuvens lá em baixo, o mosteiro erguia‑se acima das nuvens.
Em tempos pensava que todas as histórias eram uma só, a luta entre o anjo bom e o anjo caído, e sempre à beira de um abismo.
Classificação: 3,5/5*****