#275 BRAVO, Iris, A Nova Índia
Sinopse: Sofia assinou um acordo de divórcio e partiu para Moçambique. Disposta a viver aventuras e sem saber que continuava casada, envolveu-se com Alex, que lhe revelou os seus segredos e por que não queria ter filhos.
Foi por isso que quando ela descobriu que estava grávida, regressou a Portugal sem lhe contar. Assim que aterra em Lisboa, o seu marido Ricardo espera-a, arrependido de a ter magoado e decidido a tudo para a reconquistar.
Quando os seus olhos a fitaram, o seu coração parou. «E agora?» Dividida entre quem acreditava ser o homem da sua vida e um grande amor, a Terceira Índia terá de criar o seu futuro e enfrentar novas ameaças, que irão testar a sua coragem e levá-la aos seus limites."
Opinião: Curiosamente, demorei mais tempo a articular a opinião do que a ler o livro!
Li A Terceira Índia no verão passado, e fiquei rendida à história. Não tenho lido muitos portugueses contemporâneos, o que é uma pena porque os há, e bons.
Porquê que os livros da Íris Bravo me conquistaram?
1. São um pequeno milagre no panorama nacional: como é que as nossas editoras, tão seletas, tão ciosas do seu "plano editorial", foram apostar numa autora desconhecida, em ficção contemporânea?
2. A Cultura Editora apostou, e a aposta venceu. Com sorte, abre a porta a outros novos autores com livros BONS para publicar.
(Porque venceu esta aposta? A capa era maravilhosa, o que captou de imediato o meu interesse. Depois, o BookGang, da Helena Magalhães, fez um trabalho excelente de divulgação e, quando se dá por ela, o livro já pertence a todos e está em toda a parte. Como é um livro BOM, dá-se o passa a palavra dos leitores, e o Bookstagram impulsionou-o. Curioso que esse livro e o Apneia da Tânia Ganho são dois livros de mulheres, sobre mulheres e problemas de mulheres, e tiveram tanto destaque num ano de pandemia, em que algumas vozes dizem que as pessoas só se querem "distrair", que a economia iria contrair-se - já era esperado - e que as vendas de livros caíram. Concluo que quando um livro parte de uma premissa interessante, e quando os leitores têm oportunidade de saber da sua existência, o livro vende-se.)
3. É um caso de sucesso em que se promove um livro, um tema, e não um autor.
(Eu sou da literatura pelos livros, e acho lamentável quando um autor estabelecido publica um livro fraco sobre crocs e a ideia é muito original, e vende dezenas de milhar de exemplares (porque está estabelecido), e um autor novo escreve um livro brilhante sobre os mesmos crocs e as editoras fecham-lhe a porta na cara porque o tema não dá com nada, não gera interesse, ninguém vai comprar. No nosso meio editorial, idolatram-se os criadores, não a obra. Isso rouba aos leitores a possibilidade de conhecer livros maravilhosos. Uma Elena Ferrante teria sido um sucesso aqui? Provavelmente teria passado despercebida, como em Itália - os próprios editores italianos o admitem, e o Strega negou-lhe o prémio em parte porque não saberiam como o entregar a um anónimo, diz-se - mas chegou aos Estados Unidos, o que importa é o produto, em avaliar a rentabilidade de um produto, e tornou-se o sucesso que é.)
Agora regressando a A Nova Índia, o livro que encerra a história da Sofia... Sabíamos que haveria um triângulo amoroso, sabíamos do milagre relacionado com a infertilidade da Sofia, sabíamos que é provável acabarmos a leitura em pranto.
Mas não sabia que um romance contemporâneo português, ainda para mais de uma estreante, podia ser tão inclusivo e tão representativo daquilo que é a nossa sociedade hoje. Eu gosto de ler autores portugueses sobre Portugal (rejeito muitos autores portugueses bem estabelecidos que levam a ação das suas obras para a Islândia, para lagos na Suíça, para a América e outras paragens, e que dão nomes estrangeiros às suas personagens) porque acho que existimos agora, temos capacidade e interesse em escrever, e se não imortalizarmos o Portugal de hoje, quem irá fazê-lo?
A Iris pega na infertilidade - tema que, à partida, diz tanto a tantas famílias - pega no ambientalismo, pega em problemas humanitários, pega na sociedade portuguesa, nas boas famílias, nas famílias trabalhadoras e nos portugueses que farão o amanhã, e alinhava esta história de um modo que envolve o leitor, nos faz importar-nos com as conquistas e os falhanços destas personagens falíveis e tão palpáveis. A Sofia é uma personagem excelente nas suas inconstâncias, sempre fiel à sua natureza. O Ricardo, seu ex., is a little bit of a stalker, e por isso detestei-o durante 75% da história, mas a Iris não o deixaria despedir-se dos leitores sem mostrar o seu lado bom. E há ainda o Alex, aquele tipo bem intencionado - por vezes irresistível - que queremos ter nas nossas vidas porque representa conforto e proteção.
Mais do que isto, há o Algarve, Lisboa, Beja, Almeirim, as tias de Cascais e os hippies da Margem Sul, há vislumbre da vida dos médicos em Portugal, mas também dos professores, dos arquitetos e dos agentes da judiciária. Há uma sugestão de corrupção, de cunha, de ilegalidades de que todos desconfiamos mas às quais fechamos os olhos porque é como é, estamos na periferia da Europa, tudo isto nos é endémico.
Estou convicta de que a Iris voltará com novos livros, com novas personagens, para brincar uma vez mais com o coração dos leitores, e para nos devolver o nosso país na palavra impressa, para que todos possamos identificar-nos e, ainda assim, estudá-lo de fora, estudarmo-nos de fora, com todos os nossos defeitos e virtudes.
Acabou, mas guardo estes dois volumes com carinho, e desconfio que um dia serão relidos com o mesmo entusiasmo!
Obrigada Iris, por não desistires de publicar estes livros apesar da muita resistência que o mercado oferece. E obrigada, Cultura, por se despirem de preconceitos e nos trazerem uma história onde qualquer leitor pode rever-se. É isto que queremos!
Classificação: 5/5*****