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Castelos de Letras

Em torno das minhas leituras!

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#270 SANTOS, José Rodrigues dos, O Mágico de Auschwitz

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Opinião: Lamento profundamente ter desistido, comprei o livro numa altura em que pondero bem os meus gastos com literatura, e sabia que não gosto da escrita do autor, mas pensei que talvez o tema conseguisse cativar-me de algum modo. Até nisso o livro falha redondamente, pelo menos para quem gosta de História e já leu bastante não-ficção sobre o assunto.

O documentário da Netflix Hitler's Circle of Evil introduziu-me às personagens mais influentes que serviam como tentáculos do Führer em territórios ocupados e na própria Alemanha nazi. Ouvir falar de Göring, Goebbels, Heydrich, Himmler, Hess e tantos outros não me foi novidade, e tenho inclusive em mente os rostos e as motivações de cada um, o seu papel no Reich e as atrocidades com que mancharam as mãos. Posto isto aconselho-vos a, em vez de perderem tempo e dinheiro com este livro, assinem um mês de Netflix e vejam antes o documentário. Isto se procurarem literatura: se procurarem investigação jornalística por escrito, podem avançar para O Mágico de Auschwitz sem receio de uma desilusão.

Neste romance, como em quase todos os outros que li do autor, JRS tem uma fórmula infalível para nos despejar o conteúdo da sua pesquisa sobre um tema: interpõe diálogos entre burros e sabichões, em que o burro vai puxando pelo sabichão, e assim descobrimos o que significa a suástica, a caveira nos bonés das SS, e tantos outros detalhes académicos do nacional-socialismo. Aqui surgem dois problemas: 1 é que se trata de infodump e, atenção, não é que os temas não sejam interessantes, e sim, de facto foi a primeira vez que li sobre o significado da caveira dos SS, mas esse significado surge conspurcado pelas teorias de ocultismo de que o livro está pejado. Mas também podia ter ido à Wikipédia ou pegado num livro tipo "iconografia nazi" e estaria lá o significado à mesma, quem sabe limpo da veia tendenciosa do ocultismo. O segundo problema é que que todos os diálogos servem, de caras, o propósito de de nos contar uma história, de aprofundar simbolismos e dar a conhecer as várias frentes do teatro de guerra. Um bom autor conseguiria coser tudo isso às vivências das suas personagens, emprestar-lhes emoção, insuflá-las de medo e de expectativa de futuro. Mas JRS continua a apostar nesta fórmula em que cada encontro no livro serve o simples propósito de palestra. Ao longo das 120 páginas que li, levei a palestra do sabichão Frabatto vs o burro Nivelli (Frabatto explica-nos tudo o que há a saber sobre a suposta ideologia dos nazis, que pressupõe que descenderam de atlantes e que isso justifica a sua superioridade), seguida da palestra do voluntário sabichão falangista Juanito vs o burro português Francisco, em que o primeiro explica ao segundo aquilo que demos no 12º ano de História, isto é, que a Espanha de Franco, auxiliou a sua irmã ideológica como pôde, não juntando-se ao conflito nem ao Eixo, mas enviando voluntários mais ou menos forçados para a frente. A esta palestra segue-se a do burro mágico Nivelli vs o sabichão SS Heydrich, em que o segundo dispõe do seu precioso tempo a explicar ao judeu o significado da suástica (o outro já sabia porque o sabichão Frabatto tinha-lho explicado), e da caveira das SS, e ainda conta a este mágico, de vez em quando sabe tanto doutros mágicos, que quem desenhou esse símbolo foi um magus, uma espécie de mágico superior, mas isto o burro Nivelli não sabia. A somar a estas palestras surgem as da rádio, as dos jornais, as trocadas entre donos de cafés e seus visitantes, onde descobrimos como vai a guerra, como vão as restrições aos judeus, etc., etc.

Atenção, eu não digo que seja fácil escrever sobre a II Guerra Mundial, mundo menos deste palco específico onde as luzes seguem os judeus e os nazis, e a conhecida Solução Final arquitectada por Himmler. Mas para despejar conteúdo jornalístico em 450 páginas de suposta ficção... Para quê? No contexto de uma catástrofe humanitária, de um horror inigualável, não seria de maior valor dar vida, vontade, sentimentos às personagens? Nesta narrativa torna-se evidente, desde muito cedo, que estas personagens poderiam ser outras quaisquer: JRS quer despejar tudo o que pesquisou sobre o Holocausto neste livro, e para isso escolheu pessoas aleatórias em locais estratégicos, deixou-as unidimensionais e capazes apenas de ouvir e falar, nada mais. Tudo bem, ainda estou longe de Auschwitz, mas como poderá isto melhorar? Já sabemos que Francisco se alistou na Legião para fugir a um problema qualquer em Portugal, que se voluntariou para a frente oriental porque o seu comandante deu a entender que quem não o fizesse era maricón, e sabemos, pelas entrevistas, que Francisco se há-de tornar SS por outro acaso que tal, sem vontade que o leve. Resumindo: continuará burro e a gaguejar pelo livro afora, confrontando-se com sabichões que lhe hão de explicar o que se passa no mundo, porque ele não compreende e pouca parte tem nele, excepto o chamado "corpo presente".

A somar a isto (personagens vazias e infodump) juntam-se mais dois factores que matam a narrativa. 1) A escrita e sobretudo os diálogos, 2) a tentativa nada dissimulada de reescrever a história dos nazis, insinuando a cada duas páginas que tudo o que fizeram foi movidos por ilusões místicas e balelas sobre descenderem de atlantes e desejarem criar o "Super-homem" por via da eliminação de raças inferiores.

Quanto ao 1), somei expressões como: ouvidos de mercadorEstás a reinar comigo?lambão de primeirareal ganagraçola e de chofre. Tudo isto em diálogos com intervenientes de língua-mãe alemã ou espanhola, ou mesmo portuguesa, mata a seriedade do assunto e tira-me de uma oficina de Praga nas vésperas do Holocausto para uma tasca na Verdizela (já o repeti duas vezes mas é mesmo o que senti).

Quanto ao 2), acho uma assunção falaciosa dar a entender que os nazis eram todos uns iludidos, lunáticos, que acreditavam realmente que tudo o que faziam era para o bem da Humanidade (a qual, evidentemente, encabeçavam). Creio estar certa quanto a tudo o que estudei, li e assisti a respeito deste período negro da História. Os nazis tinham motivações práticas, motivações materialistas, motivações ideológicas- estamos no séc. XX, o século em que ideologias tão opostas quanto o fascismo e o comunismo se consolidam em sociedade e colidem inevitavelmente -, tinham motivações imperialistas, expansionistas, antissemitas, e tanta outra coisa que moveu a máquina nacional-socialista como um rolo compressor sobre todos os poderiam atrapalhar-lhes os objetivos... Em Hitler's Circle of Evil há inclusive uma cena em que fica claro que um funcionário de Himmler, ao entrar na sua sala e deparar com o chefe a tentar fazer levitar uma cadeira apenas com o poder da mente, o considera prestes a perder o juízo. O ocultismo que um ou outro nazi professasse, numa tentativa, quem sabe, de aliviar um pouco a consciência dos horrores que causavam (para se convencerem de que o faziam por um bem maior), não era abraçado por todos, não era visto como verdade absoluta nem era o verdadeiro motivo que erigiu as paredes de Auschwitz. Para uma ideia do que era a ideia nazi, leiam Morrer Sozinho em Berlim, contado por um alemão que o viveu.

Posto tudo isto, e volvidas 120 páginas, não tenho interesse em seguir Nivelli para Auschwitz. Não quero ler sobre uma Auschwitz de bordéis e em que não se passava assim tão mal. Gostaria, talvez, de explorar a humanidade a debater-se com essas condições, mas isso JRS não tem sensibilidade (nem capacidade) para fazer. Quem sabe eu deva antes ler Se Isto é um Homem? Ou rever Campos de Concentração Nazis, também disponível na Netflix, onde as verdadeiras imagens captadas pelos americanos que libertaram aqueles campos mostram uma realidade que a mente dificilmente alcança. São as imagens mais abomináveis que hei de ver na vida, mas valem por mil palavras.

Classificação: 1/5*****

Sinopse: A vida do Grande Nivelli, o mágico judeu que encanta Praga, muda quando os nazis invadem a Checoslováquia. A Segunda Guerra Mundial começa e ele é deportado com a família. O seu destino é o de milhões de judeus. Auschwitz. O português Francisco Latino sempre foi considerado um bruto na Legião Estrangeira. Mas o seu coração amolece durante o cerco de Leninegrado, onde integra a Divisão Azul espanhola e se apaixona por uma russa. Até que as SS o levam... O mágico judeu e o soldado português unem os seus destinos em AuschwitzBirkenau. A magia do Grande Nivelli será chamada a desempenhar um papel central num evento largamente desconhecido, mas que se revelou a maior conspiração levada a cabo pelas vítimas contra o Holocausto.

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