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Castelos de Letras

Em torno das minhas leituras!

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#262 DINIS, Júlio, Os Fidalgos da Casa Mourisca

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Opinião: Orgulho e Preconceito seria o título mais apropriado para este romance póstumo de Júlio Dinis (publicado em 1871, no mesmo ano da morte do autor).

Joaquim Guilherme Gomes Coelho (1839-1871) travou uma longa batalha com a tuberculose (doença que, aliás, lhe levou a mãe e os irmãos), e pereceu na idade precoce de 31 anos. Este foi o seu último romance, obra que já não contou com a sua revisão. Apesar de se tratar de uma narrativa saída do punho de um moribundo, é um livro positivo, com momentos de grande divertimento, mas também de angústia e de seriedade.

Comecei a lê-lo em Agosto, quando tinha acabado há dias Uma Família Inglesa, de que muito gostei. Nunca é boa ideia ler livros muito próximos de um mesmo autor, senti que estava a ler uma continuação do livro mencionado e comecei a sentir-me algo fatigada. A culpa não era do livro, mas sim da necessidade que tive de me afastar da narrativa de Júlio Dinis, para depois poder regressar a ela repousada, e assim poder admirá-la em todo o seu esplendor.

A escrita é elegante, compreensível mas contém a complexidade de ideias e de caracteres das personagens. Neste livro, ficaram-me várias inesquecíveis: D. Luís, o fidalgo falido da Casa Mourisca, que tudo perdeu exceto a altivez do seu brasão. Jorge, o filho mais velho, empenhado em recuperar o brio que outrora luziu sobre a sua família. Maurício, o filho mais novo e impetuoso do velho fidalgo, dado a paixões e a aventuras. Outras personagens cuja vida vem entrelaçar-se com a destes nobres são o Tomé da Póvoa, antigo criado da casa e que entretanto investiu na sua própria Herdade e a elevou muito além do esplendor da Casa Mourisca, a sua filha Berta, regressada de Lisboa com estudos e maneiras elegantes, e tantos outros vizinhos que com estas personagens se cruzam, ajudando a traçar os seus destinos.

As personagens são sublimes. Jorge é sisudo, empenhado e devoto ao dever de reerguer a casa da família. É, por isso, a minha personagem favorita que toma como sua responsabilidade a missão de abandonar os velhos modos que levaram ao ócio e à destituição do património de muitos nobres nessa segunda metade do séc. XIX, em que o país se regia pelo signo do liberalismo. Berta é, à semelhança de Jenny de Uma Família Inglesa , uma menina de bem, meiga e com valores sólidos que vem agitar a relação dos dois irmãos, Jorge e Maurício, mas, sobretudo, agitar o equilíbrio decadente de séculos por aquelas bandas: a separação de classes, de aspirações, de fortunas e de oportunidades.

A única coisa que me aborrece ligeiramente nos livros de Júlio Dinis é a santificação da figura feminina, como se personificasse tudo o que há de bom, estivesse sempre disponível para os maiores sacrifícios e superasse os homens em índole e perspicácia, e acabando sempre por salvá-los dos seus impulsos mais nocivos. Talvez esta ideia de mulher perfeita lhe venha da mãe que perdeu quando era tão pequeno? De qualquer modo, parece-se um pouco com o fenómeno de adoração da Mãe (Fátima) que nasceu em 1917. Uma espécie de percursor de uma crença na sacralidade feminina e maternal que os portugueses sempre estiveram muito dispostos a abraçar. Também me oponho bastante a esta ideia constante de sacríficio que surge tão virtuosa e que tanto eleva o caráter das personagens à luz do seu século. Eram outros tempos, mas creio que este espírito se estendeu em Portugal durante todo o Estado Novo, à sombra da religiosidade e dos bons costumes de modéstia e recato.

De um lado, a ruína dos nobres; de outro, o progresso da burguesia e dos lavradores honrados. Amo este Portugal fulgurante que Júlio Dinis nos descreve, e adoro o modo como o livro nos sugere que o país poderia ter seguido um rumo de ascensão económica, mesmo no seio Europeu, se a aristocracia de deixasse das velhas maneiras e adotasse a força e a determinação de homens que, do nada, construíam pequenos impérios.

Agora só me falta A Morgadinha dos Canaviais e As Pupilas do Senhor Reitor para colher o que de melhor este jovem autor nos deixou. Para mais tarde, claro!

 

Sinopse: Publicado no ano da morte do autor, este romance foca o progresso da burguesia e a consequente decadência da nobreza. As personagens são, em geral, vagas, sem definição psicológica, servindo principalmente como elemento estrutural do conteúdo.
A sequência temporal é evidente e marcada pelas várias circunstâncias que vão constituindo a ação, com as personagens perfeitamente integradas, desempenhando as suas várias funções e dando-nos a conhecer os seus pensamentos.

 

Classificação: 5/5*****