#251 MAUGHAM, W. Somerset, As Paixões de Júlia
Opinião: W. Somerset Maugham é o meu autor favorito. Também é possível que já o tenha dito de Steinbeck, e é igualmente verdade. São dois autores com várias obras publicadas, entre contos, romances e novelas, muitos dos quais já tive o prazer de ler. Quando os leio, os seus livros competem apenas com as outras criações deles próprios. Avalio-os pela sua própria escala. No caso de Maugham, durante anos foi também dramaturgo, e terá sido com base nesses conhecimentos da vida nos palcos que escreveu este As Paixões de Júlia, ou, no original, Theatre. É também um gentleman, e das poucas pessoas da História que eu gostaria realmente de ter conhecido. Quem sabe ele me convidasse para a sua casa do Mónaco para tomar chá, e nos tornássemos bons amigos ou, pelo menos pen pals.
Este romance centra-se num casal inglês, Michael e Julia, e no modo como ambos dedicam a sua vida ao teatro. Michael é um homem bem parecido, altruísta apesar de avarento, sem outro talento que não a beleza. Julia é uma mulher de aparência vulgar, mas de génio, cuja vocação a levou a tornar-se a melhor artista de teatro inglesa. Juntos, gerem um teatro e as suas relações com elegância.
Maugham dá voz a Julia, uma mulher que, segundo o filho, representa a todos os instantes. Julia é calculista, caprichosa e egocêntrica. A sua grande tragédia é perder-se sob camadas de fingimento, arriscando-se a nem existir. Usa a sua capacidade de ler os outros, e de os contemplar com o que esperam dela, para ser adorada e aceite em todos os círculos. A sua reputação é imaculada e ela adora ser o centro das atenções. Acompanhamo-la desde a juventude, em que era uma atriz promissora, enamorada por Michael, até aos seus 46 anos, altura em que, assustada pela possibilidade de estar a envelhecer e a perder a admiração de que goza há tanto tempo, se deixa envolver num caso desesperado com um jovem contabilista que a admira cegamente.
Apesar de a primeira metade do livro não oferecer grandes emoções, e o romance ostentar a frivolidade da própria protagonista, na segunda parte o autor valeu-se do seu conhecimento inigualável da natureza humana para nos surpreender. Julia é apanhada nos seus exercícios de fingimento, o seu amante talvez não lhe seja assim tão devoto e o filho, que considera insípido, talvez seja a única pessoa que a vê sob todas as camadas de que o teatro a revestiu.
"Não conheces a diferença entre verdade e fingimento. Estás sempre a representar. Em ti é uma segunda natureza. Representas quando temos uma festa em casa. Representas com o pai, representas comigo. Comigo fazes o papel da mãe carinhosa, tolerante e célebre. Não existes, não passas dos inúmeros papéis que interpretaste. Interroguei-me muitas vezes se terá alguma vez existido uma Julia Lambert ou se nunca foste mais do que um veículo para todas essas pessoas que fingiste ser. Ao ver-te entrar numa sala vazia, senti por vezes vontade de abrir a porta de repente, mas tive medo de não encontrar ninguém."
Mais uma viagem inesquecível pela pena do meu adorado Maugham.
Sinopse: Julia Lambert está no auge do seu sucesso: é considerada a maior actriz inglesa do seu tempo. No palco, é uma verdadeira profissional, dominando totalmente as suas emoções, e as suas actuações são arrebatadoras. Na vida real, está cansada do marido e é bastante menos disciplinada. Quando um tímido e jovem fã a cobre de atenções, Julia fica inicialmente divertida, mais tarde entusiasmada pela sua persistência e, por fim, louca e perigosamente apaixonada… A sua vida, até então aparentemente perfeita e imperturbável, vai sofrer uma viragem irreversível.
Ainda que Maugham seja preferencialmente aclamado enquanto romancista e escritor de contos, foi enquanto dramaturgo que ele conheceu inicialmente o sucesso. O presente romance é um testemunho desse seu entusiasmo pelos palcos.
Classificação: 4****/*