#253 TOLSTÓI, Lev, Guerra e Paz (Vol. II)
Opinião: Maravilhoso! Ainda melhor que o primeiro volume.
"Se o homem pudesse achar um estado em que, sendo ocioso, se sentisse útil e ciente do dever cumprido, acharia uma das facetas da felicidade primitiva."
Neste segundo volume, estamos familiarizados com a miríade de personagens, já lhes conhecemos o passado e começamos a preocupar-nos com o seu futuro. Muita coisa aconteceu ao longo dos quase sete anos (1805-1812) que o livro cobre. Os soldados russos regressam de Austerlitz para a vida em sociedade, sendo que a sua prestação no exército (e na Batalha em específico) se reflete no seu estatuto social. A humanidade de cada personalidade adensa-se. Pierre, sem qualquer ligação aos palcos de guerra, foca-se na aprendizagem e na melhoria do seu carácter, bem como numa série de questões espirituais, Andrei sofre uma reviravolta na sua vida que leva a que se isole e caia em melancolia, e depois, quando o seu destino se cruza com o de outra personagem que nos é cara, vai redescobrir o prazer de estar vivo. Nikolai Rostov, também regressado a casa de Austerlitz, é agora visto como um homem pela família, mas ainda conserva alguns trejeitos da juventude. Descobrimos nele um idealista romântico, e nem a situação de ruína eminente da família o leva a agir contra os seus princípios.
Em geral, trata-se de um segundo volume passado num período de paz, em que Napoleão forja uma aliança com o Império Russo, conseguindo assim um hiato no conflito armado. A Rússia respira de alívio, decide "manter-se fora dos conflitos Europeus", mas, em simultâneo, nasce nos russos um sentimento de si próprios. Por muito que a cultura francesa continue a ser admirada nas esferas aristocráticas, surgem indícios do que é a verdadeira essência deste povo. Há uma cena em que Natacha (uma menina criada na sociedade moscovita, que usa vestidos à la mode, penteados à grega, que fala francês e vibra com a valsa austríaca), usa um lenço tradicional russo estendido por uma criada, e dança animadamente ao ritmo da balalaica que um trabalhador rural dedilha. Essa demonstração do modo de ser russo - tão natural, tão instintiva em Natacha -, por parte de uma jovem que foi criada para os maneirismos "europeus", espanta e delicia um tio que vive à margem da sociedade, e portanto distanciado desse europeísmo que vinga na aristocracia imperial.
Neste volume, começam as emoções fortes. Desiludimo-nos fortemente com algumas personagens, deixamo-nos enternecer por outras. Acompanhamos um pouco do quotidiano, das vivências daquele povo tão à margem do resto do mundo, das suas dinâmicas sociais, ideologias e excessos, bem como da sua espiritualidade e ocasional abnegação. Neste momento a narrativa subdivide-se em vários núcleos, e todos me surgem interessantes e promissores, daí que me seja tão difícil parar de ler. Ontem, por volta da meia-noite, faltavam 90 páginas para encerrar o volume. Disse a mim mesma que terminava hoje, mas que ia "ler só mais um capítulo". Quando dei por mim, tinha avançado 30 páginas, só faltavam 60, ainda assim muitas, por isso terminava hoje. Sentei-me na cama, decidida a ir beber um último copo de água antes de dormir, e quando o fiz, com o livro no colo, iniciei a leitura de um novo capítulo e despachei mais 30 páginas. Fui beber o copo de água, voltei para a cama e olhei para o livro. Que importam as horas? Só faltavam 30 páginas, podia bem lê-las assim que abrisse os olhos, mas...
Aqui está um livro que não quero que acabe, mas cuja conclusão desejo alcançar o quanto antes. Pergunto-me porque nunca lhe tinha dedicado um pensamento sério, porque me mantive desinteressada dele até agora? Possivelmente porque julguei que não teria nada em comum com os russos, que não encontraria identificação com os seus dilemas. No entanto, a humanidade dos russos é tal e qual a nossa. Os dilemas são os mesmos transversais a cada indivíduo, a cada povo. Será que Deus existe? Será este o caminho da felicidade? Se viver apenas sem causar mal, viverei bem e serei absolvido? Terei coragem para deixar ir a pessoa que mais amo, e enfrentar a solidão após a sua partida? Um ano de afastamento será a eternidade para dois apaixonados? Devemos sacrificar os sentimentos ao bem-estar financeiro, à posição social e ao prestígio das nossas relações?
Parto para o terceiro livro com renovado entusiasmo, a torcer por estas pessoas e a desejar que cumpram os seus desejos e sejam bem-sucedidos nas suas lutas. Sempre consciente de que Napoleão irá violar a aliança a qualquer instante e marchar Rússia adentro, para destruir tudo o que sempre foi familiar a estas personagens. A Batalha de Borodino aproxima-se, e com ela há-de abrir-se uma ferida sem precedentes no orgulho russo. Aquilo que foi o maior fiasco de Napoleão, que levou à retirada mais catastrófica de um exército na história militar, e que custou a vida a 375 mil pessoas, no seu balanço final, será o absoluto desastre para os Rostov, os Bolkônski e os Bezukhov? Estas famílias atravessam-se entre Napoleão e o seu objectivo, e prevejo um final épico para os seus destinos.
Ah, these Russians!
Classificação: 5*/5*****