#214 STEINBECK, John, A Pérola
Sinopse: Baseada num conto popular mexicano, A Pérola constitui uma inesquecível parábola poética sobre as grandezas e as misérias do mundo tão contraditório em que vivemos. E, assim, a história comovente de uma pérola enorme, de como foi descoberta e de como se perdeu… levando com ela os sonhos bons e maus que representava, mas é também a história de uma família e da solidariedade especial entre uma mulher, um pobre pescador índio e o filho de ambos.
Opinião:
"Não é bom desejar muito uma coisa. Pode arredar a sorte. Basta desejá-la um pouco, porque é preciso muito tacto com Deus ou com os deuses."
A Pérola é uma novela de J. Steinbeck - provavelmente o meu escritor favorito -, publicada em 1947. Como a sinopse anuncia, é baseado num conto popular mexicano.
O tom da leitura foi-me muito familiar. Recordou-me sobretudo A Um Deus Desconhecido (1933), que é um dos meus livros favoritos. Tem a mesma carga mística, profética, quase divina desse outro volume.
Uma vez mais, creio antever algum socialismo nas exposições deste autor californiano. Steinbeck volta a pegar num núcleo de pessoas desfavorecidas e atira-os aos lobos. Nesta curta leitura de 98 páginas, nem por isso menos intensa, apresenta-nos a Kino, Juana, e ao filho do casal de pescadores de pérolas, Coyotito. Kino é o chefe da família, é sobre os seus ombros que assentam os seus alicerces. Juana é o lado espiritual, a voz que procura conter os impulsos de bestialidade do bicho-humano. São nativos mexicanos, falam a "língua comum" há pouco tempo, e vivem à beira mar, que lhes traz a cada dia o sustento. Isolados do burburinho da cidade e um pouco à margem das suas regras, não cultivam ambições nem procuram ser mais do que são. A fonte de rendimentos é o barco que Kino herdou do pai, e que pertencera, em tempos, ao seu avô. É com ele que mergulha em busca de pérolas, que depois vendem aos negociantes da cidade.
Steinbeck consegue enlear-nos em toda a sociedade de La Paz (California Sur), e apresenta-nos os muitos defeitos dos extratos que a compõem. Esses defeitos tão humanos são postos em evidência quando Kino encontra uma pérola de valor e dimensão extraordinárias.
O até então pobre, ignorante e marginalizado Kino, é alvo da curiosidade de toda a cidade. Em breve as coisas escalam e a ganância do padre, do médico, dos outros pescadores e dos compradores de pérolas, põem em risco o equilíbrio sólido da pequena família de nativos que, até então, pouco tivera e menos ambicionara.
Creio que Steinbeck queria mostrar os efeitos nefastos da ganância na sociedade. Diria que esta ganância é a mesma que expôs em As Vinhas da Ira (1929), quando parte da população americana perecia de fome, e a outra aproveitava o seu desespero para progredir pagando baixos salários e explorando-os até à última gota de sangue. Os princípios são os mesmos. Steinbeck deixa também claro o quão difícil é, para alguém à margem, entrar numa sociedade que é aparentemente aberta e heterogénea, plena de oportunidades, mas que no fundo é viciada e corrupta. Deixa evidente que há uma tendência para que o humano tire proveito de outro humano que se lhe apresente vulnerável. A prova disso é que, a partir do instante em que Kino descobre algo valioso, algo que desperta a cobiça de todos os outros, é como se toda a cidade se unisse para o esmagar e expropriar do que poderia significar, para ele, uma possível ascensão social.
Senti as emoções que me acompanharam nestas outras leituras. Injustiça. Desespero. Uma vez mais, o autor conseguiu imprimir uma aura quase de um Jesus Cristo, ou de um profeta, ao seu personagem masculino central. E Juana, por sua vez, é como uma Maria sofredora e mãe. Acima de qualquer coisa, é mãe.
Lê-se muito rápido e é uma excelente introdução à obra deste Nobel (1962) americano.Recomendo vivamente!
Classificação: 5*****