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Castelos de Letras

Em torno das minhas leituras!

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#266 DINIS, Júlio, As Pupilas do Senhor Reitor

Opinião: As Pupilas do Senhor Reitor é, talvez, o livro mais famoso e mais readaptado do escritor portuense Júlio Dinis. Publicado em folhetins em 1866, esta história passada numa aldeia portuguesa inominada foi ilustrada pelo artista Roque Gameiro em 1904 e 1905. Segundo Roque Gameiro, que percorreu o norte do país para procurar a paisagem adequada ao enredo, a ação teria lugar em Santo Tirso. Deixo algumas das esmeradas ilustrações de Gameiro, que sem dúvida me ajudaram a visualizar este romance soberbo.

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Tratando-se do terceiro livro de Júlio Dinis que leio este ano, começo a sentir algum cansaço face a um certo estilo de narrativa e a certo conteúdo temático (uma espécie de puerilidade que percorre todo o enredo). No entanto, se a primeira metade do livro considerei algo enfadonha, a segunda recordou-me do porquê de apreciar tanto as tramas do autor.

Este romance conta a história de duas meias-irmãs, Margarida e Clara. Quando ficam órfãs, o reitor da aldeia toma-as sob sua proteção. Ainda que financeiramente independentes, são as meninas dos olhos do reitor, e com ele realizam projetos de caridade, ensinam crianças a ler, levam conforto aos moribundos e etc. Gozam, portanto, da alta estima do povo da aldeia, malgrado sejam as duas muito diferentes.

Clara é alegre, espontânea e imprudente. O seu coração leve impede-a de se proteger de possíveis maldades alheias, e acaba metida numa grande confusão quando, já noiva, acaba por se colocar em situações comprometedoras com outro rapaz da aldeia. Quanto a Margarida, sinto ter já experienciado este espírito feminino noutras obras do autor. Tanto Jenny, de Uma Família Inglesa, como Berta, de Os Fidalgos da Casa Mourisca apresentam as mesmas qualidades. Próxima da canonização, Margarida é abnegada, perdoa facilmente e vive uma vida de recato. Pratica caridade, é adorada por crianças, velhos e moribundos, e é uma espécie de santa da aldeia, sendo inclusivamente assim apelidada por outras personagens em vários trechos. Esta santa, que se sacrifica para limpar a honra da irmã estouvada, é um tipo de mulher que Júlio Dinis parecia muito admirar, e que me suscita algumas reflexões. Primeiro, antevejo um laivo de romantismo nesta figura idealizada: ninguém é tão perfeito, tão doce, tão ponderado, tão apto a deixar-se sofrer e prejudicar, como as Jennys, as Bertas e as Margaridas desta literatura. Por outro lado, agrada-me a ideia, também exposta noutros romances do autor, de que os nossos protagonistas – por muito que amadureçam, por muito que se regenerem, nunca chegam realmente a “merecer” este tipo de mulher. E de facto há uma aura de etéreo em torno destas jovens, penso que talvez por Júlio Dinis ter perdido a mãe muito cedo, e por isso as mulheres terem sido para ele, quem sabe, uma entidade mística de superioridade moral, a salvo da inconstância masculina.

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Gosto sobretudo do retrato de Portugal que, apesar de sitiado nos anos 60 do século XIX, me parece ainda muito recente. Nesta aldeia as mulheres e crianças passam necessidades enquanto os maridos desperdiçam a pouca renda na taberna. O padre é uma entidade espiritual, mas também moral, e há sempre quem o siga de olhos vendados: é ele quem manda os homens para casa, entregarem os parcos soldos à prole. Como as aparições de Lourdes tinham tido lugar em 1858, causando com certeza grande impressão na sociedade portuguesa, havia mulheres que buscavam essa santidade pelo caminho da sacristia e da beatice. Aqui o autor deixa uma mensagem clara: a bondade, a santidade, são coisas distintas da devoção religiosa, o que me sugere que observava com ceticismo os costumes da época.

O que não apreciei neste livro foi, uma vez mais, a volatilidade dos sentimentos da personagem principal masculina, a leviandade com que professam o amor. Em Uma Família Inglesa, Charles é um estouvado até conhecer a jovem mascarada, e a partir daí redime-se sem mais. Em Os Fidalgos da Casa Mourisca é Maurício, uma personagem secundária, quem morre de amores pela nossa protagonista, e de repente esquece-a sem hesitar. Por fim, neste romance, é Daniel quem, depois de escrever versos a outras raparigas da aldeia, e de cercar Clara por não conseguir esquecer-lhe os modos alegres e os olhos negros, descobre que afinal o seu coração pertence a Margarida, à Margarida a quem nunca dedicou uma palavra em três quartos do livro. Resumindo: fiquei emocionada quando ele lhe retribuiu o seu amor de juventude, foi por isso que terminei o livro de um ápice. Porém, não pude deixar de concordar quando ela própria declara que em breve a afeição dele esvoaça para outra moça, os sentimentos deste médico da cidade não são de fiar, e isso desgosta-me neste tipo de romance, porque recai mais no romantismo de décadas anteriores do que no realismo que o autor se propôs a adentrar. O amor tudo redime, e o casamento é final feliz garantido.

De qualquer modo, recomendo vivamente, mesmo pelas gargalhadas que certas cenas me provocaram. Romance incontornável na literatura lusófona.

Deixo link para as ilustrações completas de Roque Gameiro numa edição antiga do romance, bem como estudos para as mesmas. Lindíssimo!

Classificação: 4****/*

 

Sinopse: Romance de Júlio Dinis publicado, em 1866, sob o formato de folhetins no Jornal do Porto, e em volume no ano seguinte. Segundo o próprio autor, numa referência das «Notas», a obra teria principiado a ser escrita em 1863, durante a permanência de Júlio Dinis em Ovar. O título refere-se às personagens femininas do romance, duas meias-irmãs órfãs, Margarida e Clara, de personalidades opostas, adotadas pelo Reitor. A intriga centra-se, contudo, em Daniel, segundo filho do lavrador José das Dornas. Depois de, em rapazinho, ter renunciado à carreira eclesiástica por amor a Margarida, Daniel regressa à aldeia, já médico e completamente esquecido do seu idílio de infância. Para além do Reitor, a obra apresenta uma interessante galeria de tipos rústicos, onde se destacam as figuras de José das Dornas, João Semana, o bondoso médico rural, João da Esquina, o dono da loja, e a sua esposa interesseira, a ti'Zefa, a beata linguaruda, entre outras. Em suma, As Pupilas do Senhor Reitor traduz a vida rural portuguesa da época.