Sinopse: Para Stella a lógica é a única constante do universo. Inteligente e bem-sucedida, a jovem cria algoritmos para prever as compras dos consumidores – um emprego muito bem pago mas que não a ajuda a perceber os homens. Para piorar, Stella tem síndrome de Asperger e é-lhe mais fácil analisar números complexos do que iniciar um simples relacionamento amoroso. Perante a pressão da mãe para começar uma família, a jovem elabora um plano pouco convencional: CONTRATAR UM ACOMPANHANTE PARA A ENSINAR A SER A NAMORADA PERFEITA.
Michael Phan usa o charme e a aparência para conseguir algum dinheiro extra que lhe permita pagar as contas que se acumulam. E é com profissionalismo que o acompanhante de luxo aceita ajudar Stella em todos os pontos do seu detalhado plano de trabalho, DOS PRELIMINARES ÀS SITUAÇÕES MAIS ÍNTIMAS.
Mas quanto mais tempo passam juntos, mais Michael fica encantado com a mente brilhante de Stella. E ela, pela primeira vez, sente-se impelida a sair da sua zona de conforto e a descobrir uma nova constante do universo: O AMOR.
Opinião: Não aqueceu nem arrefeceu. Repesca aquele enredo em que completos opostos se apaixonam quase instantaneamente, sendo que aqui os ingredientes originais, conforme avança a sinopse, é que a jovem tem Asperger e o jovem é prostituto. Cria-se aquela bolha em torno dos dois, desenvolve-se um pouquinho as vidas privadas de ambos, mas vários parágrafos são completamente dispensáveis, meros interregnos entre uma cena sensual e a próxima. Detesto livros baseados em mal-entendidos, em "achei que x significava y", acho que é um truque fácil que pode resultar em enredos secundários, mas não pode ser o fuel de uma boa história. Não me pareceu sequer bem escrito no original. Dei por mim a rasurar coisas que me pareceram parvas, adjetivação desnecessária, tipo a avó pegar no comando "preto". Talvez isso venha da mente da própria autora, que tem Asperger, mas este livro, tal como A Educação de Eleanor, tornou-se demasiado confuso para o seguir. O modo de pensar das protagonistas nem sempre faz sentido, faltava um bom enredo a sustentar a coisa. Apesar de tudo, o segundo é melhor porque não cai nos clichés de que este está pejado, e o sexo não é o assunto principal. O livro, nesta edição, está cheio de gralhas e a linguagem em si, sobretudo das conversas, é porcalhota. Não gosto de ver tantos "Foda-se" a propósito de nada.
A parte sexual é OK, mas é mais uma história em que a mulher tímida e sem prática se revela uma deusa na cama, e em que há coincidências a torto e a direito (quando ela esbarra com ele no local de trabalho dele, numa cidade da dimensão de Palo Alto, ou quando ele vai a um restaurante coreano onde, por acaso, ela está num date com um imbecil. Não faltam os ciúmes, os murros, as lágrimas e os Mas tu disseste que..., rematado por Eu não disse nada disso, entendeste mal...
Para terminar, tem algo que odeio na literatura moderna, ainda por cima feminina, que tenho lido nos últimos tempos... Tanta conversa de feminismo e depois os protagonistas masculinos são paternalistas. Como neste caso, cruzam-se com uma mulher de 30 anos bem-sucedida e autossuficiente e começam a segui-la na rua para garantirem que chega bem a casa, a obrigá-la a alimentar-se, a aconselhá-la a manter-se longe deste e daquele, e um sentimento de posse, uma posse nociva que cria uma nova noção de romance. Um "só eu é que posso tocá-la", um "Ela é minha" que me soa a alarme, mais do que a amor. Ridículo, porque em nada contribui para que as mulheres se sintam seguras, capazes, livres para raciocinar e para tomar decisões.
Sinopse:Quando Adriana ganha finalmente coragem para sair de casa com o filho de cinco anos, pondo fim ao casamento com Alessandro, mal pode imaginar que o marido, incapaz de aceitar o divórcio, tudo fará para a destruir - nem que para isso tenha de destruir o próprio filho.
Apneia é uma viagem ao mundo sórdido da violência conjugal e parental, através de um labirinto negro em que os limites da resistência psicológica são postos à prova, ameaçando desabar a qualquer instante, e dos meandros tortuosos de uma Justiça por vezes incompreensível, desumana e desfasada da realidade.
Escrito com uma sobriedade e frieza inquietantes, Apneia é um romance intenso, absorvente e perturbador, que ilustra com uma autenticidade desarmante o estado de guerra em que vivem milhares de famílias estilhaçadas, e com o qual, inevitavelmente, muitos leitores se vão identificar, encontrando nestas páginas ecos da sua própria experiência.
Opinião: Apneiaé o primeiro livro que li da autora Tânia Ganho, apesar de já ter lido ótimas reviews de A Mulher-Casa. Apesar de se tratar de um romance gigantesco de 690 páginas, li-o em três fôlegos. Terminei-o compulsivamente de madrugada, e refleti sobre ele e acordei a tentar pôr as ideias no lugar.
Este é um romance sobre burocracia, sobre tribunais, autoridades, profissionais de saúde mental, e retrata a infindável luta de uma mãe pela segurança do filho. É um livro avassalador, que nos angustia e envergonha, que nos deixa frustrados e impotentes, envolvidos nesta espiral de desespero, de declínio emocional. É a história de uma mulher (mãe) no limite, mas também de uma criança manipulada por um pai sádico e do sistema que cede terreno para que o pai pratique os seus abusos psicológicos.
Conforme a sinopse indica, Apneia conta a história de um divórcio litigioso, e das lutas em tribunal pela guarda de uma criança. Adriana é pintora, e portanto sensível e fraca. Ela própria reconhece o seu lado subserviente, e torna-se assim a vítima perfeita para um homem manipulador e sem escrúpulos (provavelmente um sociopata) como Alessandro. Depois de anos a destruir a auto-estima da mulher, ele jura-lhe que vai deixá-la sem nada quando esta se atreve a pôr um ponto final no casamento. Como qualquer calculista, depressa compreende que o melhor modo de a destruir emocionalmente é usando o filho, Edoardo, como arma de arremesso.
A construção das personagens está muito bem feita. Adriana e Edoardo passam por várias fases ao longo da narrativa, há um crescimento dos dois, e foi precisamente a evolução de Edoardo, enquanto a disputa pela sua "posse" se arrastava em tribunal, que me manteve tão presa ao livro. Quanto a Adriana, exasperou-me muitas vezes. Apetecia-me sacudi-la, esbofeteá-la, passar-lhe parte da minha fúria e sentido de inconformismo, mas tive de entender que nem todas as mulheres dispõem de ferramentas para pararem o mal quando ele as toma como alvo. Como é sugerido no livro, quando não se sabe o que é o ódio, não sabemos como defender-nos quando nos odeiam (parafraseando).
O lado exasperante do livro é a surdez e a cegueira da Justiça face à questão da guarda deste jovem, decidida na barra do tribunal de menores. A frustração de sentir que falamos sem ser ouvidos, que esbarramos em autorizações, gente incompetente, prazos infindáveis, desprezo e falta de empatia, está muito bem descrita e rouba-nos o ar. Há uma sensação de urgência, de luta por sobrevivência, por paz, ao longo de todo o livro. Há uma Adriana que, apesar de nunca baixar os braços, se vai transformando num náufrago, despojada de vida pessoal, de tranquilidade para criar, de liberdade para se mover e para levar o filho consigo. A sombra do ex-marido priva-os de ar, mantém-nos suspensos do medo, do terror, da insegurança. Como dizia um investigador num programa sobre abusos domésticos a que assisti, violência doméstica é homicídio em câmara lenta, e não é preciso introduzir violência física na equação para comprometer a integridade física de uma vítima. Em vez de nódoas negras e abrasões, Adriana tem ansiedade, ataques de pânico, depressão.
A somar ao tema premente, desconcertante, e às personagens palpáveis, a autora entrega-nos a história com uma prosa magnífica. Maravilhava-me ao ler os seus parágrafos sobre as reflexões de Adriana, sobre os seus sentimentos e sobre o seu despertar da ingenuidade para a realidade da indiferença e do descaso. Tantas vezes pensei que, se este livro fosse editado em língua inglesa, com certeza seria um best-seller internacional e rapidamente adaptado ao cinema.
Acrescento ainda o retrato de Lisboa, da Margem Sul e "da ilha" como locais que me são próximos e palpáveis. Adoro ler romances com esta qualidade descritiva sobre paisagens que me são caras, que conheço e que vejo assim envoltas em poesia, em melancolia.
Atribuo 4,5 estrelas ao romance, e não 5, porque este livro esteve quase, quase a tornar-se um dos livros da minha vida. Tal foi o prazer e o envolvimento com que o absorvi, que o final não me satisfez e decidi arrumá-lo para o canto. Na minha cabeça, a história não terminou como a autora a escreveu, mas sim do modo como eu vinha imaginando nas últimas cem páginas. Não é do leitor "gostar" ou "não gostar" de um final, mas num livro que mexeu tanto com os meus sentimentos, que se tornou tão íntimo, antevi um final. Entranhei a lição, e por isso acarinho essas ideias que o livro plantou em mim, e que não se coadunam com as páginas que o encerram.
Livro obrigatório e escritora a seguir de perto. Recomendo sem reservas.
Opinião: Orgulho e Preconceito seria o título mais apropriado para este romance póstumo de Júlio Dinis (publicado em 1871, no mesmo ano da morte do autor).
Joaquim Guilherme Gomes Coelho (1839-1871) travou uma longa batalha com a tuberculose (doença que, aliás, lhe levou a mãe e os irmãos), e pereceu na idade precoce de 31 anos. Este foi o seu último romance, obra que já não contou com a sua revisão. Apesar de se tratar de uma narrativa saída do punho de um moribundo, é um livro positivo, com momentos de grande divertimento, mas também de angústia e de seriedade.
Comecei a lê-lo em Agosto, quando tinha acabado há dias Uma Família Inglesa, de que muito gostei. Nunca é boa ideia ler livros muito próximos de um mesmo autor, senti que estava a ler uma continuação do livro mencionado e comecei a sentir-me algo fatigada. A culpa não era do livro, mas sim da necessidade que tive de me afastar da narrativa de Júlio Dinis, para depois poder regressar a ela repousada, e assim poder admirá-la em todo o seu esplendor.
A escrita é elegante, compreensível mas contém a complexidade de ideias e de caracteres das personagens. Neste livro, ficaram-me várias inesquecíveis: D. Luís, o fidalgo falido da Casa Mourisca, que tudo perdeu exceto a altivez do seu brasão. Jorge, o filho mais velho, empenhado em recuperar o brio que outrora luziu sobre a sua família. Maurício, o filho mais novo e impetuoso do velho fidalgo, dado a paixões e a aventuras. Outras personagens cuja vida vem entrelaçar-se com a destes nobres são o Tomé da Póvoa, antigo criado da casa e que entretanto investiu na sua própria Herdade e a elevou muito além do esplendor da Casa Mourisca, a sua filha Berta, regressada de Lisboa com estudos e maneiras elegantes, e tantos outros vizinhos que com estas personagens se cruzam, ajudando a traçar os seus destinos.
As personagens são sublimes. Jorge é sisudo, empenhado e devoto ao dever de reerguer a casa da família. É, por isso, a minha personagem favorita que toma como sua responsabilidade a missão de abandonar os velhos modos que levaram ao ócio e à destituição do património de muitos nobres nessa segunda metade do séc. XIX, em que o país se regia pelo signo do liberalismo. Berta é, à semelhança de Jenny de Uma Família Inglesa , uma menina de bem, meiga e com valores sólidos que vem agitar a relação dos dois irmãos, Jorge e Maurício, mas, sobretudo, agitar o equilíbrio decadente de séculos por aquelas bandas: a separação de classes, de aspirações, de fortunas e de oportunidades.
A única coisa que me aborrece ligeiramente nos livros de Júlio Dinis é a santificação da figura feminina, como se personificasse tudo o que há de bom, estivesse sempre disponível para os maiores sacrifícios e superasse os homens em índole e perspicácia, e acabando sempre por salvá-los dos seus impulsos mais nocivos. Talvez esta ideia de mulher perfeita lhe venha da mãe que perdeu quando era tão pequeno? De qualquer modo, parece-se um pouco com o fenómeno de adoração da Mãe (Fátima) que nasceu em 1917. Uma espécie de percursor de uma crença na sacralidade feminina e maternal que os portugueses sempre estiveram muito dispostos a abraçar. Também me oponho bastante a esta ideia constante de sacríficio que surge tão virtuosa e que tanto eleva o caráter das personagens à luz do seu século. Eram outros tempos, mas creio que este espírito se estendeu em Portugal durante todo o Estado Novo, à sombra da religiosidade e dos bons costumes de modéstia e recato.
De um lado, a ruína dos nobres; de outro, o progresso da burguesia e dos lavradores honrados. Amo este Portugal fulgurante que Júlio Dinis nos descreve, e adoro o modo como o livro nos sugere que o país poderia ter seguido um rumo de ascensão económica, mesmo no seio Europeu, se a aristocracia de deixasse das velhas maneiras e adotasse a força e a determinação de homens que, do nada, construíam pequenos impérios.
Sinopse: Publicado no ano da morte do autor, este romance foca o progresso da burguesia e a consequente decadência da nobreza. As personagens são, em geral, vagas, sem definição psicológica, servindo principalmente como elemento estrutural do conteúdo. A sequência temporal é evidente e marcada pelas várias circunstâncias que vão constituindo a ação, com as personagens perfeitamente integradas, desempenhando as suas várias funções e dando-nos a conhecer os seus pensamentos.