Sinopse: A Amiga Genial é a história de um encontro entre duas crianças de um bairro popular nos arredores de Nápoles e da sua amizade adolescente. Elena conhece a sua amiga na primeira classe. Provêm ambas de famílias remediadas. O pai de Elena trabalha como porteiro na câmara municipal, o de Lila Cerullo é sapateiro. Lila é bravia, sagaz, corajosa nas palavras e nas acções. Tem resposta pronta para tudo e age com uma determinação que a pacata e estudiosa Elena inveja. Quando a desajeitada Lila se transforma numa adolescente que fascina os rapazes do bairro, Elena continua a procurar nela a sua inspiração. O percurso de ambas separa-se quando, ao contrário de Lila, Elena continua os estudos liceais e Lila tem de lutar por si e pela sua família no bairro onde vive. Mas a sua amizade prossegue. A Amiga Genial tem o andamento de uma grande narrativa popular, densa, veloz e desconcertante, ligeira e profunda, mostrando os conflitos familiares e amorosos numa sucessão de episódios que os leitores desejariam que nunca acabasse.
Opinião: Nápoles é um mundo à parte que tive o privilégio de conhecer a partir do seio de uma família napolitana. De uma família napolitana que vive nas encostas do Vesúvio e que me dizem que preferem pagar uma fortuna para morar ali do que pagar menos para viver melhor noutro lado. Esta família napolitana levou-me a ver o Cristo Velato e a ver os presépios da San Gregorio Armeno e a espreitar para a cidade a partir do cume do vulcão. Pelo caminho, perguntavam-me se queria uma sfogliatella com um café, e diziam-me para ter cuidado com a mala porque Nápoles está entregue à ladroagem e à máfia. Passeámos de noite e vimos a baía iluminada, não me foi difícil imaginar os fogos de artifício no fim de ano. Comi gnocchi alla sorrentina e pratiquei muito italiano (sem dizer que quando se punham todos a falar dialeto eu não pescava grande coisa).
De todas as histórias que me contaram, guardei uma que me comoveu, porque me chegou de três rostos simples, trabalhadores, que vivem muito bem mas que não escondem uma vírgula das suas origens. O patriarca contou-me que nasceu na Sicília e que era tão pobre que ele e os pais se mudaram para Nápoles nos anos 70. Também em Nápoles a miséria era tanta que só tinham uma cadeira na casa, cadeira essa que era ocupada pelo pai ao serão. Por fazer calor, abriam a porta. Os vizinhos (novos, desconfiados - porque cada recanto de Itália é um mundo diferente), viam o filho e a mãe sentados nos degraus da porta, enquanto o pai se sentava na única cadeira. De lágrimas nos olhos, contou-me que ao fim de uma semana tinham uma movimentação constante de vizinhos que apareciam a dispensar-lhes cadeiras. Foi assim que se tornou napolitano, e que aprendeu o dialeto e a profissão de mecânico de camiões. Agora, a entrar nos seus 60, continua a trabalhar como um rapazinho e passa os dias de fato-de-macaco e mãos sujas de óleo, enquanto a mulher se assume como a melhor condutora da família e o filho estuda engenharia aeroespacial. Como fui lá em Dezembro, a árvore de Natal ia do chão de mármore ao tecto e estava pejada de bolinhas de vidro colorido, cada uma trazida de um dos destinos para onde viajaram durante aquele longo (e feliz) casamento. Nova Iorque, Veneza e Fátima têm, para eles, o mesmo valor.
Terminada a minha aventura napolitana, concluo o seguinte: A Amiga Genial não é um livro original, nem imprevisível, nem formidável. É apenas muito representativo daquilo que é a Itália, sem grandes floreados. A linguagem é simples, as mensagens chegam-nos com facilidade. E é isso que mais me interessa na literatura: que a mensagem me chegue. Lamento apenas que a comida não tenha um papel muito importante na narrativa (disseram-me que acharam o livro um perpetuador dos estereótipos associados aos italianos). No entanto, pouco se falou de máfia, pouco se falou de comida, pouco se falou de futebol e de cantoria em coro. Eu, por minha vez, entendo porque é que as personagens deste primeiro volume da tetralogia de Elena Ferrante ainda não falam de comida, nem cantam a Sole Mio de olhos marejados de lágrimas, como me cantou a família Di Costanzo. Também o café napolitano e a água de Nápoles (precisamente aquilo que sabia que os napolitanos valorizam, assim como a pizza) não são elevadas. Tudo ocupa o seu lugar insignificante na vida destas crianças - e depois adolescentes - num ambiente altamente pobre e hostil. Tudo é violência neste subúrbio napolitano: as relações pais/filhos, as relações de amizade são pontuadas por episódios de pancadaria, o amor leva a traições, que levam à loucura e ao sangue, a miséria é embaraçosa e molda os caracteres destes jovens napolitanos. Ainda não chegaram à idade de valorizar a beleza visceral de um país que tenho como o mais belo do planeta, e nem de admirar a resignação e a dignidade do povo a que pertencem. Em suma: neste volume ainda não lhes veio a malinconia.
Acompanhamos Lenù (a narradora) e Raffaella (Lila) até aos seus dezasseis anos, e as duas são igualmente preciosas no seu modo de percecionar o mundo ao redor, de se movimentarem nele e de sonharem com grandezas inalcançáveis. O livro evidencia o espírito de sacrifício do povo italiano (um povo essencialmente de emigrantes), mesmo quando fica e busca conforto na bell'Italia. E, de toda essa pobreza, de toda essa violência de uma Itália selvagem - bela e arredia - emerge algo como única passagem para longe das adversidades: a educação. Belíssimo!
Opinião: Tenho de atribuir duas estrelas, porque significa it's ok enquanto 3 já significa I liked it
Foi a minha estreia com Valter Hugo Mãe, um autor que encontro muito pelo mundo dos livros, mas que até agora não me despertou grande curiosidade. Li algumas reviews de utilizadores com gostos semelhantes aos meus, folheei "A Desumanização", não consigo estar desinformada sobre títulos e às vezes até sinopses de livros que saem, e sempre me pareceu que não era para mim. Mas um amigo insistiu que devia lê-lo, e decidi ir até à biblioteca conseguir um exemplar de qualquer uma das suas obras e assim poder opinar com conhecimento de causa.
Uma das surpresas é que a capa da edição da Alfaguara (o homem em chamas) sugeria uma história poderosa, adulta, séria. Eu gosto muito de austeridade na escrita, mesmo o humor que surge num ambiente soturno tem outro gosto. A história não é nada disto, embora tenha rasgos de crueldade e outros de ingenuidade, e o contraste dos dois - promovido por um narrador que se expressa de modo peculiar - resulta nesta voz única em que mal se distinguem as personagens por si sós. Crianças, adultos e velhos, todos pensam do mesmo jeito, e com níveis de maturidade por vezes desadequados da sua faixa etária.
Que dizer desta história sem tempo nem espaço? As personagens têm nomes esquisitos, coisa a que começo a habituar-me no caso de alguns criadores portugueses. Temos o Crisóstomo, o Gemúndio, o Antonino e a Mininha (não me importava que os nomes esquisitos se tivessem ficado pelo imaginário do Saramago, e do seu Baltazar e Blimunda). A somar aos nomes, a personalidade das personagens: todos apanhados de uma certa loucura que procura elevar os rasgos de clarividência que lhes assista os pensamentos ou os diálogos. Depois é essa falta de tempo que me incomoda: que tempo é este em que a mentalidade é tão fechada, em que as pessoas atravessam montes a pé para chegar ao mar, mas há carros, hospitais e outras inovações que tais? E que espaço é este, que se estende da terra ao mar, e na terra naturalmente que o povo é lavrador, e no mar é pescador, e são todos remediados? É Portugal, julgo que seja Portugal. Diria um Portugal meio dos anos 30, ainda que nem o tempo nem o espaço cumpram nenhum propósito na narrativa. Tenho imensa pena, porque o tempo é um dos fatores que me leva até aos livros, e o espaço é outro logo a seguir.
Apesar de em jeito de romance, senti a história como uma espécie de compêndio de contos entrelaçados. Há homens tristes por não terem filhos e que enganam a tristeza com bonecos que se sentam no sofá, há anãs, há galinhas gigantes, há humanização de objetos (travessas e flores que se espantam) e há uma aura de surrealismo que nunca se cumpre, porque a força do surrealismo é a profundidade das raízes no real. Como num quadro de Magritte, a propósito meu pintor favorito, em que a composição é perfeita mas a imagem é desfasada do mundo físico. Perfeita, mas irreal. De contornos reais, mas a flutuar num céu azul de nuvens brancas. Surrealismo regado a mais surrealismo não me prende. As personagens acabam por não ser palpáveis - embora surja uma Isaura que é mais nítida do que as restantes -, as ações parecem-me dúbias e os encontros forçados. Fez-me especialmente impressão o modo como os menores são trocados de mão em mão, porque neste recanto do mundo sem tempo a lei também não existe. E temos de aceitar que tudo poderia passar-se assim, ou ficamos incapazes de produzir uma emoção quanto ao texto.
Parece que é um livro sobre a paternidade, mas não o senti assim. Achei que era um livro sobre superarem-se diferenças. A temática da aceitação do diferente - a mulher estranha, o velho solitário e desesperado, o maricas - é muito mais forte do que as relações interpessoais no livro. Ou melhor, as relações desenvolvem-se sobre essa superação da diferença, o que é algo positivo. O livro acaba por estar bem organizado - ainda que padeça de uma inesperada simplicidade -, e o português vem enrolado e desenrolado em floreados em certos trechos, por vezes sacrificando o significado à forma.
Destaco esta afirmação como o único momento em que o livro me agarrou realmente:
«Quando se conhece alguém, procuram-se as exuberâncias dos gestos (...) como para fazer exuberar o amor, mas o amor é uma pacificação com as nossas naturezas e deve conduzir ao sossego.»
Não me alongo mais, termino esclarecendo que o livro é, para mim, uma obra de art naïf, um quadro de figuras simplificadas e muito coloridas, num cenário primitivo de terra e animais. O meu gosto pessoal revê-se mais na intriga por detrás do surrealismo de Magritte.
Sinopse: Esta é a história de Crisóstomo que, chegando aos quarenta anos, lida com a tristeza de não ter tido um filho. Do sonho de encontrar uma criança que o prolongue e de outros inesperados encontros, nasce uma família inventada, mas tão pura e fundamental como qualquer outra. As histórias do Crisóstomo e do Camilo, da Isaura do Antonino e da Matilde mostram que para se ser feliz é preciso aceitar ser o que se pode, nunca deixando contudo de acreditar que é possível estar e ser sempre melhor. As suas vidas ilustram igualmente que o amor, sendo uma pacificação com a nossa natureza, tem o poder de a transformar. Tocando em temas tão basilares à vida humana como o amor, a paternidade e a família, O filho de mil homens exibe, como sempre, a apurada sensibilidade e o esplendor criativo de Valter Hugo Mãe
Sinopse:Sofia tem 32 anos, é professora num colégio em Lisboa e casada com um arquiteto de uma família nobre ribatejana. Ele conservador e ela liberal, não tinham nada em comum quando se apaixonaram numas férias de verão dez anos antes. Viveram um namoro feliz seguido de um casamento de sonho, desgastado pela sua obsessão por uma gravidez.
Quando descobre que foi traída, Sofia aceita uma proposta para substituir a sua mentora e viaja para o interior de Moçambique.
Disposta a viver aventuras, envolve-se com Alex, um homem que a atrai, apesar dos seus modos secos e do pressentimento de que lhe esconde algo.
Corajosa e determinada, Sofia irá descobrir tudo aquilo de que é capaz, incluindo arriscar a sua vida.
Opinião: Pronto, e é isto. Quando adoro um livro, dou-lhe cinco estrelas. Neste caso, cinco inesperadas estrelas e muita admiração pela autora, que se estreia assim na ficção nacional com uma promessa de talento inegável!
Uma palavra para o facto de só ter comprado o livro porque a capa é lindíssima e piscou-me o olho várias vezes na Feira do Livro. Eu ando numa fase de clássicos, mas decidi dar uma oportunidade ao livro, que ademais prometia misturar dois temas muito interessantes: infertilidade e as complexidades sociais de Moçambique.
Li algumas opiniões de outros leitores e parece-me consensual que a segunda parte do romance é muito mais cativante do que a primeira. De facto, no início senti-me um bocadinho aborrecida com aquele enredo do boy meets girl, ainda por cima a escrita é leve (e fluída), o que me fez sentir dentro de um YA, género que não me cativa de todo, por ser muito difícil introduzir algo de novo nesse segmento. Alguns ocasionais clichés, ou variantes deles, baixaram-me as expectativas de modo que a segunda parte pôde arrebatar-me por completo.
No entanto, sempre que a narração regressava ao presente, a escrita cativava-me. Elogio a escrita em si, o ritmo irrepreensível do romance - algo muito difícil quando se escreve -, e sobretudo os diálogos. Não é fácil escreverem-se diálogos com naturalidade, a Iris soma muitos pontos nessa área. Fez-me rir, comoveu-me. Fez-me torcer realmente pelas personagens, e é sempre ótimo quando um autor manipula os nossos sentimentos. Também de louvar o retrato psicológico de todas as suas personagens; fiéis a si próprias, com atitudes e até maneirismos no falar muito distintos. Parece uma coisa mínima, mas quantos livros li de autores ditos consagrados, portugueses, em que não há distinção de vozes e em que as personagens são unidimensionais?
Gostei muito mais da segunda parte porque mexe com temas na ordem do dia que me parecem muito pertinentes: ecologia, alimentação, exploração infantil, tráfico humano, corrupção, e por aí fora.
Trata-se de uma estreia de arromba, conto estar muito atenta a outros trabalhos da Iris, e precipitar-me para as bancas caso venha a haver uma continuação deste romance. Apesar de a história subsistir por si própria, parece-me que temos material de sobra para uma continuação igualmente emocionante.
Opinião: "Por exemplo, a inquietação sexual (...). Esta fome surda, obscura, esta sensação de me faltar qualquer coisa que me persegue, no sono, na vigília, em cada momento da minha vida. Que é isto? A possibilidade de amor no nosso corpo."
Este é o quinto romance da autoria do escritor sueco Lars Gustafsson (1936-2016) e, segundo a badana do livro, é considerado a sua "obra-prima". Comprei-o porque achei o título belíssimo (e muito promissor).
Se, por um lado, houve trechos de grande beleza - no isolamento, na proximidade à natureza, numa ou outra reflexão sobre a vida e, sobretudo, sobre o seu fim -, em geral foi, para mim, um livro ameno. Lê-se muito bem, com uma ou outra parte que nos atira para fora de pé - suponho que o próprio narrador alucine um pouco, devido às dores que o tolhem. Não sei se não era o momento, não sei se o tema "cancro" me é demasiado familiar. Não sei se as abelhas terão estado pouco presentes, ou talvez até por se tratar de um livro pequeno que, no entanto, nos permite vislumbrar a realidade sueca dos anos 40 aos 70. Porém, não conseguiu comover-me. Isso deixa-me confusa quando à questão de se tratar esta da "obra-prima" de um autor sueco. A literatura não tem de ser extensa, nem complexa, nem inteligível. Mas convém que nos acrescente algo...
"Um pequeno ser humano encerrado no seu próprio enigma."
Infelizmente, este romance não me acrescentou nada.
Sinopse: “Foi professor na escola oficial de Väster Vala: chama-se Lars Lennart Westin. Deram-lhe a reforma antecipada quando fecharam a escola primária de Ennora, na margem norte do lago. Sustenta-se fazendo de tudo um pouco, mas principalmente vendendo o mel das suas colmeias, que esporadicamente dão uma produção abundante. Desde que se divorciou vive numa quintarola em Näset, que fica a par das aldeias de Vretarna e Bodarna, mas na margem oriental do lago, claro. Tem uma hortazinha, um terreno com batata e um cão. Às vezes recebe a visita de familiares. Tem telefone, televisão e uma assinatura do jornal de Västmanland. Depois do divórcio não teve contactos femininos dignos desse nome (...).
O que vamos ler são apontamentos dele. Apontamentos deixados por ele, pois nesta Primavera de 1975, precisamente por alturas do degelo, ele descobre que antes do Outono terá desaparecido.”
A obra-prima de um dos maiores escritores suecos contemporâneos, agora revelado ao leitor português.