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Castelos de Letras

Em torno das minhas leituras!

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#233 STEINBECK, John, O Inverno do Nosso Descontentamento


"Now is the winter of our discontent;Made glorious summer by this sun of York"


Se considerar O Inverno do Nosso Descontentamento avulso, atribuir-lhe-ia um 5. À luz de outros trabalhos de Steinbeck, seria um 4 - falta-lhe a pujança e a pertinência de um As Vinhas da Ira, ou a espiritualidade de um A Um Deus Desconhecido, ou mesmo a nota de desconcerto final que nos deixa um Ratos e homens.
Na minha percepção, este é um romance mais contido, mais reflexivo e até mais pessoal. A sociedade está presente, as suas injustiças, hierarquias, vícios e manias. E, uma vez mais, estamos perante a narrativa de um homem honesto, de bom fundo, perante as vilezas que o rodeiam. Não é uma história de sobrevivência, como outras do autor, mas sim de ganância, de status social, e também de idoneidade. Declínio e ascensão na sociedade é o que molda e o que move Ethan Allen Hawley e a sua pequena família, no seio de uma cidade fictícia que o autor inventou para urdir o seu enredo.
Acompanhamos, ao longo das cerca de 300 páginas, a decadência moral que tem lugar por detrás das fachadas de New Baytown, que mina a política e a autoridade local. E Steinbeck presenteia-nos com uma personagem principal complexa, multidimensional, cujas ações nos surpreendem e nos chocam, sem que nunca deixem de nos importar.
Mais um romance de excelência daquele que se tem consagrado como o meu autor favorito, a par com o grandioso Somerset Maugham.

Sinopse: O Inverno do Nosso Descontentamento, o último romance que Steinbeck publicou, em 1961, é dominado pelos temas sociais, que conferiram à obra do autor uma unânime ressonância internacional.
O núcleo do romance é o dinheiro, a hipocrisia e os falsos valores, a crítica serena mas implacável às engrenagens de uma sociedade que mutila o homem no que ele tem de mais autêntico.
Na ponta final da sua carreira literária, John Steinbeck reencontra o fulgor de As Vinhas da Ira, o seu romance mais famoso, galardoado em 1940 com o Prémio Pulitzer

As Mulheres e o Nobel

Prémios Nobel atribuídos a mulheres
Apesar de me propor a um texto sobre as mulheres e o Nobel, na realidade este é um texto sobre as mulheres e o sucesso, em geral

Nos últimos 12 meses, reeditei um romance (Demência @ Coolbooks), com todo o trabalho envolvente (revisão, por exemplo), escrevi dois romances de raiz (coloquei ambos em prémios literários, porque a esperança é a última a morrer, e por isso abstenho-me de revelar os seus títulos de momento), e revi um quarto romance para publicação nos próximos seis meses (Os Pássaros @ Coolbooks). Além de todo este trabalho de escrita, li 32 livros nos últimos 12 meses. Não é um número muito elevado, tendo em conta que há quem leia 30 por mês, mas estou orgulhosa de mim mesma porque entre os títulos lidos encontram-se O Som e a Fúria, À Espera no Centeio, Crime e Castigo, O Adeus às Armas, O Fio da Navalha, etc., etc. Nessa lista constam alguns dos melhores livros da minha vida. Dão trabalho e obrigam a pensar - contam em peso na questão da "disponibilidade emocional". Acrescentam inquietação (mesmo porque leio para me inquietar) a uma vida já de si muito exigente.

Mas não foi só isso que fiz nos últimos 12 meses, e é por isso que, quando oiço dizer (a propósito de o Nobel da Literatura de 2018 ter sido atribuído a uma escritora polaca) que "ultimamente as mulheres andam a escrever quase tão bem como os homens", fico um bocado aborrecida.

De algum modo, em 2019, continuo a ver as mulheres mais ancoradas à casa do que os homens. Não todas, mas muitas. Ainda há mulheres a engomar as camisas dos seus homens. Mas eu não tenho homem, então o que me impede de "escrever melhor", segundo esse tipo de comentário? Ou de ter mais visibilidade do que os homens na literatura? Bom em primeiro lugar, talvez, talento. Eu gosto de considerar que os prémios são atribuídos por mérito e meramente apoiados na qualidade do conteúdo dos manuscritos a concurso, embora entenda que isto soa muito ingénuo. Muitas vezes, a nível internacional, os prémios são política e regionalismo. Muitas vezes importa mais o objetivo da obra a concurso, a sua pertinência, do que a execução da mesma. Tudo bem, estou a fugir ao tema.

Voltando à premissa: porque é que eu escrevo pior do que os homens, ou porque é que as mulheres, em geral, imaginam e executam pior literatura do que os homens, segundo algumas vozes ou até segundo a análise das quotas de vencedores de prémios literários em geral, em que o sexo masculino sai sempre beneficiado? Não pôr de lado o facto de a sociedade, em geral, considerar os homens mais capazes para as áreas do intelecto, isso com certeza terá o seu peso. Mas serão os júris assim tão quadrados, hoje em dia?

Ontem, enquanto varria o chão da cozinha pela segunda vez, perguntava-me o que há de biológico em mim que me obriga a tomar atenção ao que se passa na casa. Passei em revista a quantidade de detalhes insignificantes que fazem da vida num lar uma coisa mais higiénica e confortável. Coisinhas às quais empresto o meu cérebro, o meu tempo, a minha "disponibilidade emocional" desde os 23 anos, e que me roubaram tempo e disposição para sonhar, para imaginar. Se eu não andasse pela casa a varrer rodapés, a lavar a parede da bancada da cozinha, a desengordurar o exaustor, a encher o dispensador de sabão, a lavar a gaveta do amaciador da máquina de lavar roupa, a meter sal na de lavar loiça, a lavar o tacho dos gatos, a desentupir o ralo do duche, a verificar o nível de óleos essenciais dos ambientadores da tomada elétrica, a comprar saquetas anti-traças para os guarda-fatos, a ir ao supermercado perder horas nas compras e depois na fila, a pagar contas e a verificar se os débitos diretos não me andam a roubar, a rearranjar os tachos e suas tampas no armário que anda sempre de pernas para o ar, a cozinhar, a estender roupa, a fazer máquinas de roupa, a arrumar a loiça da máquina nos armários, a varrer, a aspirar, a passar o pano na parede branca onde alguém fez um risco, a escovar os gatos, a arrastar o sofá para endireitar a proteção e as mantas, a passar o pano do pó por cima da televisão e pelas prateleiras dos livros... 

Bom, se não tivesse tudo isto para fazer, quem sabe eu e milhentas mulheres mundo fora não pudessem ser Nobel. Escrever melhor. Sonhar mais, sei lá...

O meu tempo (para mim) por dia começa pelas 21h30 durante a semana e pelas 17h ao fim-de-semana. Depois da casa, das compras, de toda a gente que depende de mim. Cortar as unhas ou fazer uma máscara capilar são um luxo. E é assim desde os meus 23 anos. É por isso que dizerem-me que a casa está muito arrumadinha, quando há visitas, me sabe quase melhor do que ganhar um prémio literário. É o bendito reconhecimento do meu trabalho diário. Do meu trabalho a tempo inteiro que roça a escravatura. E, uff, pelo menos não tenho filhos (pequenos). Se tivesse, podia bem arrumar a caneta pelos próximos 10 anos, pelo menos.

A verdade é que o sucesso da mulher, seja em que área for para lá do emprego das 9h às 18h, está sempre dependente da casa. Do dinheiro que dispõe para se comprar mais tempo, contratando uma empregada doméstica, trazendo refeições já feitas, metendo a roupa na lavandaria, comprando uma casa no centro para diminuir o tempo de deslocação de casa ao trabalho (o meu chega a ser de 3 horas diárias), dos recursos para ter uma ama que apanhe as crianças na escola, se as tiver, e que quem sabe vá adiantando os banhos? Sem filhos, sem "casa", sem emprego (ou com um emprego em jornalismo!) é mais fácil chegar-se lá na escrita. É por isso que os homens tiveram esta vantagem civilizacional durante o tempo em que é conhecida a civilização - sempre livres para imaginar que extraterrestres invadem a sua aldeia natal, livres para filosofarem, para terem visões e para serem visionários. E ainda castravam as mulheres que também viviam do ócio em séculos distantes, embora algumas, apesar dos grilhões, tenham sido capazes de dar cartas nas mais diversas áreas do conhecimento.

Ainda assim, há quem consiga, no meio disto tudo, ter excelência em áreas relacionadas com hobbies, como a escrita. É a essas mulheres (e homens) que dou os parabéns: a essas mulheres com filhos e sem dinheiro para empregadas que conseguem levar também uma vida longe do fogão e das reuniões de pais e do condomínio. Posto tudo isto, imagino que sejam poucas, mas bato-lhes palmas. Parabéns, são as minhas heroínas.


As mulheres não andam a escrever melhor do que os homens. Algumasmulheres conquistaram as mesmas circunstâncias dos homens, o que as libertapara as Artes e o pensamento, o que, com certeza, os põe em pé de igualdade pelo menos na qualidade (não digo na premiação).Também discordo de qualquer tipo de pressão que sugira que se devem atribuirprémios a mulheres só porque sim, porque elas também são capazes, coitadinhas! 

A arte deve falar mais alto. Mesmo que seja um elefante quem a criou.