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Castelos de Letras

Em torno das minhas leituras!

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#123 GOLDING, William, O Deus das Moscas

Sinopse: Publicado originalmente em 1954, O Deus das Moscas de William Golding é um dos mais perturbadores e aclamados romances da actualidade. Um avião despenha-se numa ilha deserta, e os únicos sobreviventes são um grupo de rapazes. Inicialmente, desfrutando da liberdade total e festejando a ausência de adultos, unem forças, cooperando na procura de alimentos, na construção de abrigos e na manutenção de sinais de fogo. A supervisioná-los está Ralph, um jovem ponderado, e o seu amigo gorducho e esperto, Piggy. Apesar de Ralph tentar impor a ordem e delegar responsabilidades, muitos dos rapazes preferem celebrar a ausência de adultos nadando, brincando ou caçando a grande população de porcos selvagens que habita a ilha. O mais feroz adversário de Ralph é Jack, o líder dos caçadores, que consegue arrastar consigo a maioria dos rapazes. No entanto, à medida que o tempo passa, o frágil sentido de ordem desmorona-se. Os seus medos alcançam um significado sinistro e primitivo, até Ralph descobrir que ele e Piggy se tornaram nos alvos de caça dos restantes rapazes, embriagados pela sensação aparente de poder.

Opinião: Gostava de poder levantar-me do sofá, ligar o computador e escrever, com comodidade, a grandiosa review que este livro merece. Porém, tenho cinco quilos de gata sobre a perna, e por esse motivo não me atrevo a mexer-me a arruinar o sono de beleza do Deus dos Gatos. Terei de escrever mesmo no telemóvel.
Eu lembrava-me de ser pequena e de ver um filme, que agora sei ser o de 1990, sobre miúdos selvagens numa ilha, por sua conta. Nem esse visionamento me preparou para este romance perturbador.
Golding apresenta-nos um grupo de rapazes que não sabem grande coisa sobre as suas circunstâncias, na realidade. Os mais velhos de entre eles têm cerca de 12 anos: os mais novos totalizam metade dessa idade. Eis o que o leitor deduz: são britânicos, estão no Pacífico, a segunda guerra está no auge e chegou a esse oceano, devem ser um grupo escolar a viajar em conjunto por algum motivo nunca enunciado. Há conflitos ali próximos, porque além dos clarões de explosões dá-se uma prova ainda mais óbvia da civilização a trucidar-se ali perto. O livro também não se centra no saudosismo das crianças, na falta que o conforto do lar lhes traz, mas sim em como se constrói a sua nova organização, deixando para trás a civilidade.
Num primeiro momento, todos, mesmo a personagem principal (Ralph) são tomados de um entusiasmo contagiante por se verem livres e num belo cenário, com água fresca, piscinas naturais, fruta à mão e sem nenhum adulto a condicioná-los. Não se conhecendo entre si (excepto para o grupo de um coro, liderado por Jack Merridew e um par de gémeos inseparáveis), os rapazes procuram estabelecer uma nova ordem à semelhança da que acabam de deixar. O chefe (Ralph) é eleito por democracia, por possuir um búzio, uma espécie de tesouro na ilha em que todos chegam apenas com a roupa do corpo, e por usá-lo, por instrução de um outro rapaz (Piggy), para convocar reuniões e promover a auto-ajuda.
Nas reuniões discutem-se temas como o asseio pessoal e da ilha, a fogueira que urge manter acessa para que haja fumo na ilha e possam ser salvos, a alimentação, abrigos, exploração da ilha, etc.
Depois temos Piggy, um rapaz gordo, medroso, asmático, queixoso e preguiçoso, que não vê um palmo à sua frente sem os óculos. Piggy é vitima da troça geral por todas estas características, mas é também o rapaz mais sensato de todos pelo que, à revelia de quem o goza, se torna uma espécie de conselheiro de Ralph. Depois existe Simon, corajoso, fiel, individualista. Jack, o chefe dos rapazes do coro, desesperado por se ver à cabeça de todos. As crianças pequenas, vítimas do desinteresse dos outros miúdos, pouco mais velhos.
O livro explora as hierarquias e a ausência de lei e de um governo que institua livre sufrágio e a aplicação do resultado das eleições sem que a chefia seja sólida.Os membros do grupo dividem-se, não só por indecisão mas porque, enquanto Ralph é um chefe brando, outro se insinua com mais fervor, sob o signo do autoritarismo. O povo receia Jack, admira-o a certas o ocasiões, como quando a sua inclinação para a crueldade faz dele o líder ideal para os caçadores, por proporcionar a excitação da caçada e o consolo da carne.
Por outro lado, simpatiza com Ralph, o líder eleito por democracia, possuidor do objecto mágico: o búzio. Mas Ralph é um líder responsável entre crianças, não se regozija com a chefia nem procura nenhum mérito pessoal. Não é vaidoso nem sedento de poder, e insiste para que se faça o correcto.
O desencanto que a situação provoca, e que se vai agravando, vai separando os rapazes, trazendo ao de cima o pior de alguns deles e acicatando a ânsia de poder que atormenta Jack. Cria também uma rivalidade insustentável entre Ralph e Jack, e  de súbito a ilha parece pequena demais para dois chefes tão antagónicos.
As maiores crueldades são cometidas, levando-nos a perguntar se não seria assim, mesmo no mundo dos adultos, caso não houvesse uma entidade superior a policiar e a julgar comportamentos. Enquanto se sentem ligados à civilização, os rapazes experimentam vergonha, bom senso, cordialidade e procura por entendimento. Depois, resvalando para a bestialidade, despem-se da sua civilidade e tornam-se paus mandados de um chefe cruel. Só o receio ao novo chefe, impiedoso, os move, os faz obedecer com cegueira e, inclusive, encontrar prazer nos actos que se vão cometendo.
Este livro fez-me pensar muito e partiu-me o coração. Recordei-me da convicção de Locke e de Hobbes de que os homens não são bons por natureza, o que impede que se dispensem certas instituições que existem com o mero propósito de lhe refrear as mesquinhices.
Recomendo a todos!
Classificação: 5*****