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Castelos de Letras

Em torno das minhas leituras!

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Em torno das minhas leituras!

#91 TOLSTOI, LEO, A Sonata de Kreutzer

Um livrinho tão pequeno e com tanta intensidade! Foia minha estreia com Tolstoi e maravilhou-me. É daqueles livros em que, determos experienciado apenas a amargura de um lado da moeda, nunca saberemos oque sucedeu de resto. Este é um livro sobre um ciumento doentio, inseguro,cronicamente insatisfeito? Ou sobre um homem honesto que, na tentativa de setornar num modelo de moralidade, casa como de si é esperado e é vítima duma viltraição? Haverá, de facto, traição?
O livro começa com uma viagem de comboio ondedesconhecidos partilham a mesma carruagem. São russos numa Rússia do últimoquartel do século XIX. Pessoas que procuram acompanhar o progresso tecnológico,intelectual e, sobretudo, social da Europa, tantas vezes evocada como termo decomparação. Em seguida a história esvoaça para um caso que sucedeu há pouco: ummarido que matou friamente a sua mulher, por suspeita de traição. Um dospassageiros é esse marido assassino, que se dispõe a contar ao nosso narrador oque aconteceu para o levar a esse extremo.
Portanto viajamos com um assassino, um homemperturbado, um fumador compulsivo que se esforça por beber chá e que nosintroduz ao esperado do jovem russo; que visite prostíbulos, que conheçamulheres, que se proteja toscamente da sífilis e que, depois de “adquirirexperiência”, escolha para si a mais inocente das jovens russas para casar. Aironia, o tom de crítica de Tolstoi e os seus ideais transparecem nesta tãopequena obra. Um homem sujo que apenas se acha digno da mais pura das mulheres.O pai honesto que folga em causar a filha donzela com o porco promíscuo maisrico disponível. O casamento sem amor, infeliz, fonte de desacatos, ódios,conflitos constantes.
Tolstoi parece culpar a sociedade por todos os erroscometidos na existência deste homem perturbado. Primeiro empurraram-no para asmulheres, por ser o esperado de si. Depois empurram-no para um casamento comuma jovem casta de boas famílias, para que ele a conspurque. Depois sãoincapazes de tolerar-se mutuamente, mas uma separação é praticamenteimpensável. Tudo isto é estranhamente contemporâneo – não a obrigação de a moçase casar, mas a efectividade de todas estas “imundícies” que causam dissaborese infelicidade parecem-me ainda presentes na nossa sociedade.
Acaba abruptamente, deixando-me um tanto ou quantodesconcertada. Dividida, confusa. Virei a página e, de súbito, com o chegar deum comboio a uma estação, há um adeus e o drama pessoal/conjugal encerra-se.
O autor é humano, contemplativo, reflexivo, provocador, capaz de analisar eventos como algo de maior, crítico e sarcástico. Um génio não apenas da literatura, mas também do coração humano.

Classificação: 5*****