Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Castelos de Letras

Em torno das minhas leituras!

Castelos de Letras

Em torno das minhas leituras!

#76 MEDEIROS, Teresa, Um Beijo Inesquecível

Classificação: 4****/*

Sinopse: Laura Farleigh precisava de um marido. Se quisesse manter um teto sobre a cabeça dos irmãos, a orgulhosa filha do reitor teria de casar até ao dia do seu vigésimo primeiro aniversário. Ao encontrar inconsciente na floresta um misterioso desconhecido de rosto angelical e corpo de Adónis, que não se lembrava do nome e do passado, decide reclamá-lo como seu. Mal sabia ela que aquele anjo caído era afinal um demónio disfarçado. Sterling Harlow, o famoso devasso conhecido como o «Demónio de Devonbrooke», acorda com o beijo encantador de uma formosa jovem que lhe confessa ser ele o seu prometido. Com as faces beijadas pelo sol e sardentas, Laura é uma jovem inocente apesar do encanto feminino das suas curvas. Quando lhe garante ser ele um perfeito cavalheiro, Sterling pergunta a si próprio se, para além da memória, terá perdido o juízo. Juraria não ser homem para se satisfazer apenas com beijos - principalmente os da doce e sensual Laura. Tentando descobrir a verdade antes da noite de núpcias, um beijo inesquecível ateia a paixão que nenhum deles alguma vez esquecerá

Opinião: É daqueles livros que leio em algumas horas, compulsivamente. Sou obrigada a atribuir uma apreciação baseada no que o livro suscita em mim e não na sua qualidade literária. Basicamente fartei-me de rir com a história e, na última parte, houve ali alguns apertos de peito. Adorei a química entre o Sterling e a Laura, funcionou muito bem (algo que falta nos livros da Mary Balogh). Por muito que não seja um livro pesado, a autora levou-o a bom porto com a infância do Sterling e o que os pais fizeram por ele. Derramei algumas lágrimas quando ele finalmente lê as cartas da mãe. E é por isso que gostei mais desta Teresa Medeiros do que, por exemplo, da Patrícia Cabot ou da referida Mary Balogh (esta última repete-se um pouco nos enredos, cópias uns dos outros, e a Patrícia/Meg Cabot é inconsistente nas personagens e nas suas ideologias, querendo atribuir-lhes força e descurando a persistência. Mudam de direcção ao sabor do vento.



Nesta primeira obra que leio da Medeiros, é-me contada a história de um rapazinho que se vê privado da companhia dos pais, à mercê de um tio hediondo e da herança de um título que não lhe era destinado e que lhe sai caro. Incapaz de perdoar a mãe, Sterling torna-se numa criatura amarga e violenta que só encontra conforto na guerra. Na altura toda a Europa era um campo de batalha de lanças apontadas a Napoleão ou sob o seu comando (1815) e, tendo acabado agora o 1809, foi para mim um gosto voltar a este período.
Laura Fairleigh é arrastada para a precariedade de ficar dependente da caridade do novo senhor do casario quando a sua protectora morre. Receando pelo futuro dos irmãos órfãos compreende que deve casar o quanto antes para assegurar um tecto sobre as suas cabeças. É Sterling que, sem que ela saiba e devido a uma queda que lhe causa uma perda de memória, vai servir essa urgência.

Nada disto é novo, grande parte do livro é até "déjà-vu", mas este género é algo de confortável. Várias versões de uma mesma história, numa época em que a escolha estava bem mais limitada do que agora e, devido à complexidade do carácter de Sterling, que é sem dúvida a melhor personagem (embora Lord Thane, Diana, Lottie, George, o caseiro Dowe ou mesmo a cozinheira Cookie também sejam maravilhosamente bem individualizados e com deixas hilariantes de acordo com o carácter de cada um), me deu muito gosto "beber".
Aconselho a todos (as) amantes do género!

#5 A Vida de Pi




Títulooficial: Life of Pi @ 2012
Realizador:Ang Lee
BandaSonora: Mychael Danna
Actoresprincipais: Suraj Sharma, Irrfan Khan
ClassificaçãoIMDb: 8,2
Minhaclassificação: 9,5
Prémios:Óscares - Melhores Efeitos Visuais, Melhor Realizador, Melhor Banda Sonora,Globos de Ouro – Melhor Banda Sonora

Sinopse:Um jovem sobrevive a um naufrágio e fica cativo numa viagem de aventura edescoberta. Enquanto náufrago, cria um laço inesperado com outro sobrevivente:um feroz tigre de bengala.
 Opinião:Para quem não sabe, este filme é inspirado num romance de Yann Martel. Infelizmente,parece que o autor esteve envolvido num escândalo por ter plagiado o enredo de umlivroMax e os Felinos, de outro autor.O filme, contudo, não tem responsabilidade sobre isso. Limita-se a retratar a história dePiscine Patel, que fica 227 dias à deriva no Pacífico, com alguns animaisselvagens e, por fim, um tigre, após o naufrágio do navio onde seguia com afamília. 
A Vida de Pi é de uma beleza esmagadora

Por algum motivo liderou osóscares nas categorias técnicas (não que os óscares sejam exactamente sinónimode bons filmes). Mas sim, é de uma beleza desconcertante. É mais ou menos óbvioquando um bom filme tem, por trás, aquilo que desconfio agora tratar-se de umbom livro. Tem cabeça, tronco e membros. As personagens não nos são despejadas,entranham-se em nós. Não vêm do nada, mas sim de algo que nos é compreensível. 
Quanto à Índia, haverá sempre um certo exotismo a envolve-la, e neste filmeessa magia esteve presente. A coexistência de hindus, católicos e muçulmanos namesma comunidade tanto pode gerar conflitos, para mentes fechadas – religionis darkness, como uma das personagens diz no filme – como pode trazer granderiqueza cultural e interior a quem estiver aberto ao respeito e à compreensão. Pi (Piscine Patel, aliás) é assim. A própria história do nome da personagem principalleva-nos para dentro dela: Piscine, Pissing, Pi, e a conexão com o 3,14 da tãoodiada matemática tornam o filme em algo de maior. É uma aprendizagem interioratravés da fome, da solidão, do contacto com animais (eu diria mesmo com oanimal interior), e da eminência da morte perante a natureza opressora,tantas vezes subestimada pelo Homem.
Ofinal quebrou qualquer coisa cá dentro, porque penso que entendi para além doque é visualizado. Penso que terei de ler o livro para tirar mais dúvidas, masde qualquer modo dou os parabéns ao Ang Lee. O filme é arrebatador. Quase desejo viver uma aventura semelhante. Tendo vistoo Argo (Globo de Ouro e Óscar de Melhor Filme), que também me deixou de coração nas mãos, digo que este A Vida de Picontribuiu muito mais para mim como pessoa e amante de cinema. O Argo écontornável, esquecível. A Vida de Pi não.

PS - Vi-o de novo no dia seguinte, valeu a pena para compreendê-lo.

#4 Guia para um Final Feliz


Título oficial: The Silver Linnings Playbook @ 2012
Realizador: David O. Russell
Banda Sonora: Danny Elfman
Actores principais: Bradley Cooper, Jennifer Lawrence, Robert De Niro
Classificação IMDb: 8,0
Minha classificação: 8,0
Prémios: Melhor Actriz Princial (Jennifer Lawrence)


Sinopse: Após um internamento forçado numa instituição psiquiátrica, o professor Pat Solitano volta a morar com os seus pais enquanto tenta reconciliar-se com a sua ex-mulher. A sua busca pelo equilíbrio dificulta-se quando conhece Tiffany, uma misteriosa rapariga com a sua quota de problemas.


Opinião: Este filme mexeu comigo de um modo muito particular. As doenças mentais, compulsivas, que se revezam contra a vontade do seu portador, são um tema angustiante e tantas vezes têm dado origem a filmes comoventes (I Am Sam [2001], One Flew Over a Cuckoo’s Nest [1975]). Vi este filme sem grandes expectativas, espantada por aquelas duas caras bonitas (Cooper, Lawrence) terem protagonizado um filme que não foi encarado como uma comédia romântica comum, mas sim como um potencial vencedor de óscares. O enredo é rico em personagens e nas suas nuances comportamentais, deixando-nos no limbo quanto à concepção de “normalidade”. Pat (Cooper) sofre de bipolaridade. Devido a um choque emocional cometeu um acto de violência que lhe valeu uma estadia de vários meses num hospital psiquiátrico. Ao sair pretende recuperar a sua vida no ponto onde esta estava. No entanto é agora outra pessoa, apostada em melhorar em relação ao que fora antes, a fim de recuperar a mulher que o deixou. Tiffany (Lawrence) valeu o Óscar de melhor actriz a esta jovem de 22 anos. De facto, o seu papel é carismático e cativante, elevado a uma espécie de girl next door um bocadinho neurótica mas, em simultâneo, compreensível e empática. A personagem da Lawrence roubou realmente a cena a todos os outros os actores, mas também o Pat foi uma personagem profunda e versátil, sendo a sua evolução credível e, por vezes, inquietante. Robert De Niro ficou com o papel de pai de Pat, com obsessões compulsivas por sua vez (problemas de jogo, apostas, superstições).


Gostei muito de conhecer estas pessoas com os seus defeitos e vícios entranhados, numa luta constante entre o equilíbrio e a harmonia com a sociedade, e os seus resvalos interiores, difíceis de contornar. Por vezes as pessoas ditas “normais” que com eles se cruzavam eram tão ou mais infelizes do que o Pat e a Tiffany, o que me fez reflectir sobre o que significa, no fundo, ser-se normal.

1809 - II


Carta do religioso Noel Antoine (1804) às autoridades, pedindo que se substituísse a perigosa Ponte das Barcas, que custara 1 milhão de cruzados de empréstimo à Inglaterra

“A entrada e saída daponte são tão mesquinhamente estreitas que todos os dias existem dificuldadesperigosas que se acentuam muitíssimo nos dias das feiras e quando há afluênciade charretes de bois, cavalos, moços de fretes (…)”

1809 - I


Notase documentos para o 1809:

Decreto do Conselho de Guerra de 11 de Dezembro de1808

“Sendo a defeza daPatria o primeiro dever que a honra, a razão, e a mesma natureza impõe a todosos homens quando huma Nação barbara, desprezando os direitos mais sagrados queno mundo se conhecem, intenta reduzillos á escravidão, roubando as suas propriedades,destruindo a sua religião, violando os seus templos, e cometendo as maioresatrocidades (…) sem que tenham os seus habitantes outro algum meio de evitar oshorrores a que se vem expostos (…) sou servido determinar, que toda a NaçãoPortuguesa se arme pelo modo que a cada hum for possível: que todos os homens,sem excepção de pessoa, ou classe, tenhão huma espingarda, ou pique com pontade ferro de doze a treze palmos de comprido, e todas as mais armas que as suaspossibilidades permitirem. Que todas as cidades, Villas e povoações consideráveisse fortifiquem tapando as entradas e ruas principais com dous, três e maistravezes, para que, reunindo-se aos seus habitantes todos os moradores dosLugares, Aldêas, e Casaes vizinhos, se defendão alli vigorosamente quando oinimigo se apresente (...)”

E Soult acrescentaria mais tarde “Tive de medefrontar com uma nação inteira. Todos os habitantes, homens, mulheres, crianças,velhos e padres, estavam em armas, as aldeias abandonadas, os desfiladeirosemboscados. Fanáticos precipitavam-se contra as colunas francesas, ondeencontravam a morte”

#75 HEMINGWAY, Ernest, Na Outra Margem, entre as Árvores


Sinopse: Na outra Margem, entre as Árvores é uma das melhores obras de ficção de Ernest Hemingway, onde o famoso escritor recria alguns episódios da segunda guerra mundial, magistralmente narrados por uma personagem muito ao gosto de Hemingway, o coronel Cantwell, velho combatente que passa as últimas vinte e quatro horas da vida na estranha e bela cidade de Veneza. Retrato de um mundo violento e conturbado, obtido através da imagem de um homem, Na outra Margem, entre as Árvores é uma obra-prima do genial autor de O Velho e o Mar, onde Hemingway mais uma vez manifesta as qualidades que o impuseram como um dos maiores escritores do nosso tempo.

Opinião: Há aquela lista de escritores incontornável para qualquer pessoa que goste de ler. E o Hemingway encontra-se entre eles. Só lendo ficamos a conhecer os motivos pelos quais algum autor é elogiado, mas de vez em quando também se dá o caso de não compreender de todo o frufru em torno de determinada obra literária/criador literário. Li-o como se jamais alguém tivesse dito que ele é um dos maiores escritores do nosso tempo, o que por vezes pode confundir-se com procurar-lhe defeitos. De início isso aconteceu bastante, mas depois deixei-me envolver-me na história e a minha apreciação tornou-se mais apurada, com filtro anti-influências.

Eu gosto de avaliar as coisas pela minha cabeça, não com base no que dizem do livro, não com base no estatuto do autor no mundo literário, mas com base em todo o resto que li. Posto isto, já li melhor do que este livro. Isto basta para dizer que conheço o autor? Não, mas alguns traços dele são tão marcados que certamente hão de estar impressos noutras obras.

Um dos pontos altos do livro são os diálogos. Apesar de fazerem pouco sentido – porque parecem seguir ao ritmo dos pensamentos e das associações de ideias – tiveram alguns trejeitos mais importantes para a compreensão das personagens e do seu mundo interior do que o descritivo do conteúdo das suas cabeças. A escrita também é fácil, leve e fluída, embora por vezes se perca em pormenores demasiado técnicos ou francamente desnecessários. O autor é muito visual, o que ora beneficia a obra, ora a torna mais enfadonha.

Neste livro específico, Hemingway explora a vida de um coronel que combateu na II Guerra Mundial, tendo parte da sua missão decorrido em Itália. Estamos portanto em Veneza, onde Ricardo (penso que seja Richard no original, não entendendo se assim for o motivo desta tradução) vive aquilo que nos informa (uma dezena de vezes) ser o seu “último e único e verdadeiro amor”. Achei o coronel demasiado self centered, impondo autoridade de vez em quando, dando ordens a propósito de tudo. Agradou-me o seu trato rude, a aspereza com que se exprime e o modo cínico como vê o mundo, o poder, a guerra e as suas esferas e “heróis”. Algumas reflexões são interessantes. Uma delas ficou-me na ideia: o único, último e verdadeiro amor do coronel sugere-lhe que escreva as suas memórias de guerra. O coronel diz ao seu único, último e verdadeiro amor, que esse género de romance de guerra sai melhor de mãos que não lutaram, nem viveram realmente a guerra. Tive de concordar. O Hemingway está claramente muito – demasiado – relacionado com o conflito para escrever algo que não seja realista, técnico, melindroso e, desde modo, por vezes fastidioso, em relação à dita cuja.

A partir de certo momento o romance tornou-se um longo monólogo do coronel quanto aos episódios da guerra. Primeiro a personagem feminina (Renata) parece só existir para lhe implorar por explicações da guerra. Penso que entendo a ideia do autor: digamos assim que ela o ama realmente, mesmo com a mão estropiada, e que se interessa por aquilo que nele é maior; a profissão, a guerra. Na minha opinião, esta mulher não existe. Em segundo lugar, quando ela dorme, quando ele pensa, quando ele olha para o retrato dela, para o espelho, para o barqueiro, para o Gran Maestro, para o Conde Alvarito e todas as outras personagens, é sempre a guerra, sempre a mesma sombra a imiscuir-se em cada fio da narrativa. Como dizia, um longo monólogo com personagens secundárias como receptáculo destas palavras a respeito de um mesmo assunto.

O coronel, contudo, é uma personagem bastante realista. Compreendo as nuances do seu pensamento, o quanto luta por ser cordial quando, na sua natureza e na sua experiência, apenas adquiriu hábitos de brusquidão e aspereza.

O ponto alto do livro foi, para mim, um ou dois parágrafos (máximo) em que o coronel finalmente conta dois pormenores, dois episódios, humanos sobre a guerra. Um episódio em que finalmente são se fala em nomes de generais e de tenentes, nem de aviões, nem de operações, nem de troços específicos de uma estrada qualquer, na operação tal, com um motor tipo x e uma pistola tipo y, nem na farda com a medalha z para o oficial tal.
Não vou desistir do autor, mas não me foi inesquecível.

Classificação: 3,5***/*

#74 CLAUDEL, Philippe, Almas Cinzentas

Classificação: 4,5****/*

Sinopse: Vencedor do Prémio Renaudot, Almas Cinzentas foi considerado o romance preferido dos livreiros, segundo um inquérito conduzido pela revista Livres-Hebdo, bem como – segundo a revista Lire - o mais importante romance publicado em França durante o ano de 2003.
Muitos anos depois, vai ser o polícia da aldeia, que desde o início duvidara da culpa atribuída ao rapaz, a relembrar o dia do crime e a cadeia de acontecimentos que o precederam e que se lhe seguiram. Uma história que termina com a tomada de consciência de que, na fronteira entre o bem e o mal, todos somos a um tempo culpados e inocentes, justos e injustos, almas cinzentas e atormentadas.

Um romance que, em jeito de thriller, toca o universal para revelar o ser humano em toda a sua fragilidade e grandiosidade.
Inverno de 1917. Numa pequena povoação da Lorena, a poucos quilómetros do campo de batalha onde decorre uma das maiores carnificinas da história da Europa, é descoberto o cadáver de uma menina de dez anos. O assassino é encontrado na figura de um jovem desertor que é imediatamente executado, ainda que uma testemunha diga que viu a criança encontrar-se com o insondável Procurador da terra na noite do crime.

Opinião: De vez em quandoacontece-me desenvolver expectativas elevadas acerca de um romance. Em relaçãoa este a capa seduziu-me. O título ainda mais. Sempre defendi que não hápessoas brancas nem pretas, que esbracejamos todos num mar de cinzento comaltos e baixos. E o livro desenvolve essa ideia da melhor forma possível.Confesso que talvez ainda não o tenha entendido na sua imensidão complexa(compressa em 185 páginas), e que ainda nutro sentimentos ambíguos para com aspersonagens.
Dos poucos livrosfranceses que li, há um toque especial… uma atenção especial à comida, aovinho, aos ventres, ao calor, aos ventos, aos bigodes e aos vermelhidões derosto. Algo que se prende com as necessidades básicas humanas, longe darealização e que, de um modo ou de outro, constituem os pecados que a todoscompõem.
Eu esperava algo emgrande deste livro. Esperava ficar boquiaberta, despedaçada, surpreendida. Asurpresa foi o modo desconcertante como o autor conduz a narrativa, entrecruzaos factos. A vida é feita de coincidências, de ocasiões para nos revelarmospior do que o esperado, e da união destas duas. O acaso, nesta obra premiadacom o Renaudot de 2003 (no cinemacomo Les Âmes Grises), não passadisso. O acaso. A ocasião que faz o ladrão. O nada que influencia. Que induz emerro. Que cria a oportunidade para algo impulsivo, doentio, entranhado. Quegera suspeitas erróneas. Que fixa mentes na direcção errada durante uma vidainteira quando a verdade estava ali e era óbvia.
O livro é bom a tantosníveis… as personagens francesas são sempre almas próximas. Gostam de comerbem, beber melhor, agasalhar-se. São preguiçosas, por vezes de mente um poucosuja, língua um pouco solta, actos dificilmente justificados. São humanas,multidimensionais, cinzentas. Mil euma sombras de cinzento.
A guerra é o pano defundo nesta pequena aldeia sem nome, e a morte de uma criança, estrangulada edeixada na neve à beira de um canal, é a divisa para uma cisma de vida inteirade um polícia também ele sem nome. A guerra é um inimigo invisível, que vaichegando em colunas de soldados magoados, que trazem no corpo balas e memóriasde braços outrora funcionais deixados para trás, na frente. Não se fala dosmotivos da guerra. A guerra é a guerra e, como bem diz o Ashley Wilkes no E Tudo o Vento Levou, quando acaba jáninguém se lembra porque começou.
Há a Joséphine, quecurte peles, caça animais e passeia os coelhos e as raposas para esfolar no seucarrinho de mão. Há o Destinat, no seu Palácio,sempre saudoso da sua esposa falecida. A Lyse, uma brisa de ar fresco, a ocuparo novo lugar de professora. A Clémence, esposa perfeita, dócil e compreensiva. Osodiosos juízes e inspector, com nomes estranhos começados com M. Ambosdesprezíveis… Mas estarão certos? O odioso, o asqueroso, terá necessariamente deser o errado? O radioso representará o bem e o certo?
O autor mexe com anossa percepção. Ultraja-a. No fim, recusamo-nos a pôr de lado as nossascertezas, mesmo perante as evidências. Testa-nos nas ideias mais simples.Manipula as nossas emoções. Leva-nos a desejar bem ao mau, sem sabermos se é omau, e a querer aliviar as dores da voz que nos narra a história, e que julgamos benigna, e que, no fim,também se revela cinzenta. Se não aténegra.
Continuo a sentir quealgo me escapou. Não, um romance não pode conseguir deixar-nos neste estado deatordoamento…
Andyet

«- Confessas?
- Tudo o que quiser.
- E quanto à menina?
- Matei-a. Fui eu. Vi-a. Segui-a. Dei-lhe três facadas nas costas.
- Não, estrangulaste-a.
- Sim, é verdade, estrangulei-a, com estas mãos, o senhor tem razão eu nem tinha faca.
- Na margem do pequeno canal.
- Exactamente.
- E arrastaste-a para a água.
- Sim.
- Porque fizeste isso?
- Porque me apeteceu.
- Violá-la?
- Sim.
- Mas ela não foi violada.
- Não tive tempo. Ouvi barulho. Desatei a correr.»

#73 FIDALGO, Vanessa, Histórias de um Portugal Assombrado


Sinopse: Hoje o Palácio Beau Séjour é ocupado pelo Gabinete de Estudos Olisiponenses, da Câmara Municipal, de Lisboa, mas noutros tempos foi a residência do Barão da Glória, que ainda hoje por lá anda a arrastar grossos volumes de livros e caixotes de documentos, para desespero dos funcionários, que, dias depois, voltam a encontrá-los no exato local onde haviam procurado. O Barão também é culpado, acusam, pelo tilintar da chávenas em cima das mesas e pelo soar das campainhas da Quinta de São Domingos de Benfica. No Castelo de Almourol ou no de Bragança, amores incompreendidos deixaram espetros a pairar nas suas torres e ameias. Na Serra de Sintra sobram razões para ter medo, entre casas assombradas e almas que deambulam pelas estradas. No Porto, há espetros a discutir a herança pela calada da noite e apartamentos que, afinal, contra todas as razões lógicas, não estão vazios como aparentam. Em Castro Marim, as mouras ainda andam à solta, e, em Penafiel, os sustos marcam o ritmo dos dias na Quinta da Juncosa, que há séculos foi palco de um crime hediondo. Em Langarinhos, Gouveia, há uma casa inacabada, obra que, por mais que tente, nenhum proprietário consegue finalizar. 
Falar de fantasmas, casas assombradas e mistérios difíceis de explicar não é tarefa fácil. Há quem fique com pele de galinha, outros não deixam de esboçar um sorriso trocista.

Opinião: Não tinha qualquer expectativa quanto a este livro. Como me interesso por História, lendas e pelo património do meu país, julguei que talvez pudesse satisfazer um pouco dessas curiosidades nesta obra da Teresa Fidalgo. Até por volta da página 180 as compilações de situações foram isto tudo. A partir daí transformou-se num livrinho infantil sobre princesas mouras e alcaides/cavaleiros cristãos. Enfim...
Bom, o que me surpreendeu mais pela positiva foram as palavras escolhidas pela autora. Pensei, em dados trechos, que ela escreveria um bom romance. Não significa que tenha mergulhado muito a fundo nas personagens - ou sequer que não se tenha repetido "n" vezes, porque a dado momento as histórias eram todas iguais - mas tem um discurso fluído, que era onde receava ressentir-me mais na leitura.
Li histórias muito interessantes sobre casas, povoações, específicas. Pessoas com nome e história e moradas memoráveis. Edifícios conhecidos de qualquer lisboeta ou mesmo estruturas em Carcavelos e no Estoril, onde estudei três anos, aproximaram-me deste imaginário tenebroso. Infelizmente, intercaladas com estas histórias e depoimentos surgiam lendas sem grande fundamento, sem fontes que não o linguajar popular.
Entreteve-me (assustou-me e valeu-me um sonho daqueles de pôr os cabelinhos em pé), mas penso que a autora devia ter cortado tudo a partir da página 180/90 e poupar-nos às agruras dos amores medievais, bem como deveria ter-se encurtado na descrição das histórias centenárias de alguns edifícios. Não conseguiu, deste modo,  manter-me o interesse aceso. Ainda assim li-o em dois dias.
Aconselho, até porque aprendi um pouco da realidade dos sanatórios - doentes pulmonares - e de crenças populares como a suspeita de que, se uma mulher engravidasse de gémeos, cada filho seria de um pai diferente, votando-a à ostracização dos adúlteros.
Ia dar-lhe um 4*, mas as últimas 60/70 páginas sobre princesas, suicídios de amor, os amados sob a forma de neblina matinal e maldições assolapadas desmotivou-me.
Classificação: 3***/*

#3 Para Roma com Amor



Título oficial: To Rome WithLove @ 2012
Realizador:Woody Allen
Actores principais: AlecBaldwin, Woody Allen, Penelope Cruz, Ellen Page, Roberto Benigni, JesseEisenberg
ClassificaçãoIMDb: 6,4
Minha classificação: 6

Sinopse: Asvidas de alguns turistas e residentes em Roma e os seus romances, aventuras eperipécias.





Opinião:Nunca fui grande fã de Woody Allen. O meu filme favorito dele nunca foiultrapassado: Match Point. A aura doJonathan Rhys-Meyers conquistou-me esse apreço. Também gostei do Cassandra’s Dream, mas uma vez maispode dever-se ao Colin Farrell. Onde andou a Scarlett Johansson nesta produção?Não que eu sinta falta dela neste filme (ou em algum filme) mas estranhei,havia ali um ou outro papel que podiam ter-lhe pertencido.
ORoberto Benigni (A Vida é Bela) estáóptimo como sempre, bem como todos os autores romanos, que conferiram algumaautenticidade ao filme. Foi para mim um regalo observá-los, ouvi-los, ver comose vestem, o que comem, como se exprimem e barafustam.
Estareiem Roma em Junho e foi por Roma que procurei no filme. Vi-a e ela brilhou muitomais do que qualquer foco da história, isto porque, por ex., no Vicky Christina Barcelona nem tão poucome recordo de Barcelona. A cidade não foi uma personagem. Paris foi umapersonagem no Midnight in Paris.Neste último filme – talvez porque a minha atenção se centrou aí – mas a cidadefoi a grande protagonista. Roma e os romanos. Todos os outros são dispensáveis.
Háuma espécie de grilo falante – o Alec Baldwin – aos ouvidos do Jesse Eisenberg (A Rede Social). A Ellen Page(Juno) surge num papel detestável.Não que não conheça sex animals quese excitem principalmente com enrolarem-se com os namorados das amigas, masacho que já a vi demasiadas vezes com o mesmo tipo de actuação. Tive pena queela estivesse tão monótona quando tem tanto potencial.
APenelope Cruz enche a tela quando sorri, mas já a vi igual noutros tantosfilmes com esta mesma caracterização (para não dizer papel). No Nine, por exemplo. É um figurão,contudo.
OWoody Allen fez de velhopreconceituoso e inconveniente, embora com algumas certeiras que me fizeramsorrir. Para mim a cena mais marcante será aquela em que Fabio Armiliato canta ópera perante uns quantos senhores da indústria musical. Não fosse a minhaadorada Nessun Dorma (G. Puccini,Turandot) ainda faz uma cara inesquecível…
Foium filme leve – demasiado leve para WoodyAllen, superficial, pointless.
Emsuma, nada do filme perdurará por muito tempo na minha memória tãosobrecarregada excepto, talvez… Roma

#72 KEATING, Barbara & Stephanie, Luz Efémera


Sinopse: Em crianças, Hannah, Sarah eCamilla tornaram-se irmãs de sangue. Com o passar dos anos, conseguirá estaaliança manter-se inquebrável? 
 Hannahe o marido são donos da fazenda Langani e do Safari Lodge. Juntos, lutam parapreservar a vida selvagem e as suas terras, ameaçadas por caçadores furtivos efuncionários governamentais corruptos. Contudo, vai ser a relação entre a filhade ambos e um rapaz africano a constituir o verdadeiro teste à união familiar.Por seu lado, Sarah é uma reputada fotógrafa e investigadora da vida animal. Amorte do seu amor de infância marcou com violência a sua entrada na idadeadulta; tantos anos depois, procura ainda recuperar a inocência perdida.Camilla conseguiu vingar no exigente mundo da moda e parece estar prestes aviver plenamente o seu grande amor ao lado do carismático guia de safárisAnthony Chapman. Mas uma triste reviravolta ensombra a vida de ambos e ameaçaagora estilhaçar os sonhos que em tempos partilharam.
 Passadonas regiões selvagens e imprevisíveis do Quénia, LuzEfémera é umahistória de coragem, amizade, traição e sacrifício redentor.
  
Opinião: Comprei o Irmãs de Sangue em 2009, na Feira do Livro. Li as primeiras 600páginas deste primeiro volume num sopro, desconcertada com tanta beleza. O Quénia- Nairobi, os safaris, a fazenda Langani - são cenários de cortar a respiraçãoe, mesmo "lido", causa impacto se soltarmos a imaginação e estivermosreceptivos. Nesse ponto algo horrívelaconteceu e magoou-me tanto que fechei o livro, emocionalmente exausta. Doisanos depois peguei-lhe e sorvi as últimas 60 páginas. Chorei e sorri. Sim, olivro ainda tinha esse poder sobre mim. Li o segundo o ano passado, tendoinvestido nos outros dois volumes ao descobrir que se tratava de uma trilogia. Fuiao ponto de vender o meu 1º volume e re-comprá-lonovo para que a capa fizesse "pandan" com os irmãos na prateleira. Sim,isto expressa o quanto esta trilogia mexeu comigo. Os cenários em África, a História de África, um pouco também detodo o Império Britânico na segunda metade do século XX (em que sucumbiu)encantou-me desde o primeiro parágrafo.

Este discurso continuaria assim se, a cada novo parágrafo que lia deste último livro o meu encantonão fosse esmorecendo. Pôs-me, inclusive, a pensar no rumo e no ritmo dosvolumes anteriores. Apesar de todas as "falhas" que lhe apontareiabaixo, porque no final elas sobrepuseram-se ao enredo que tanto me haviaapaixonado, são livros para ser lidos evividos. Esqueçam tudo e foquem-se na beleza de África, e eles valerão apena.

Neste terceiro volume resolveram-se crises e problemasque se arrastaram desde o segundo. Infelizmente, as personagens principaisdecepcionaram-me todas, sem excepção.As três irmãs de sangue estão acrescer e a emburrecer. Mais intolerantes, mais histéricas, mais dramáticas,menos práticas, mais emotivas, mais briguentas, mimadas e por vezes atéridículas. Os alvos principais dos seus rancores e mal humores são, como nãopoderia deixar de ser, primeiro os maridos e depois, quando a comunicação comeles já está quebrada - porque de súbito tanto a Sarah como a Hannah parecemter a idade mental de 12 anos - viram-se para os filhos (caso da Hannah) eoutras amigas (caso da Sarah, que se mete numa briga enorme com a Camilla). Foipara mim incomodativo observar pessoas que haviam passado por tanto e quesupostamente tinham crescido a comportarem-se como a minha irmã adolescente(felizmente as crises já lhe passaram) e a dizer atrocidades que magoavam osmaridos que, quanto mais as aturavam, mais eu gostava deles. O Lars e oRabrindrah merecem um altar.
A Suniva foi a minha personagem favorita neste livro,juntamente com o James. Ambos personificam um amor sólido e inabalável e amboslutam e abdicam do que for preciso em nome dessa ligação. São o espelho inversoda relação dos pais da Suniva, que parece degradada ao ponto de um deles quasese suicidar. O James também foi muito benéfico para o enredo deste últimolivro, pena que ambos não tivessem tido mais protagonismo.
A Camilla cresce finalmente. Por muito que tenha sidosempre a "irmã" que me aborrecia mais, neste livro é um sopro deequilíbrio e ar fresco. É abnegada e confiante (sem grandes crisesexistenciais, como as outras), prática e assertiva. Finalmente concretiza o seugrande amor com o Anthony (como a própria sinopse revela) e dedica-se-lhe a cempor cento. Fora um acto que lhe condeno, mas que ela própria também se condena,só precisava de mais sal para ter roubado a cena por completo.
A Hannah irritou-me sobremaneira no livro anterior. Quisesbofeteá-la umas quantas vezes. Neste livro detestei-a ainda mais, tornou-se,a meus olhos, uma vilã. Tiraniza o marido, negligencia a Suniva em prol doPiet, é amarga para com o James e hostiliza os sogros que são pessoas amorosas.Sem mencionar que é a sombra principal sobre o amor da Suniva e do James, sópor aí bastaria.
A Sarah enojou-me. Sempre foi, para mim, a personagemmais fiel a si mesma e mais sentimental. Mas neste livro tem uma fraqueza que,noutra personagem, associaria à natureza humana. Nela soa-me a inconsistênciado autor. Pareceu-me a Hannah em demasiados pontos, e acreditem que a Hannah é detestável. É inflexível para com ummarido admirável, está obcecada com ter um filho e neurótica. Mas há algo queela faz que me fez perder toda a fé nela, bem como parar de lhe desejar umfinal feliz.
O livro tem c. 750 páginas. Na página 690 as cenascomeçam a atropelar-se. Cinco anos passam, depois dez. Pessoas morrem, aparecemcom filhos, mudam de país, entregam casas, fogem de casa, pedem outras emcasamento. Num livro tão grande onde se enrolou tanto - houve momentos em que aobservações das chitas me fazia pensar num domingo de manhã a ver osdocumentários da BBC - e onde se deu tanta importância a insignificâncias, nãopodiam ter caprichado um bocadinho mais nestes desenvolvimentos finais?
A trilogia não foi encerrada com chave de ouro. Aspersonagens estavam, por vezes, irreconhecíveis. Há diálogos - personagens, até- situações e crises pointless, quevêm do nada e desaparecem no nada, sem nada acrescentarem ao romance. Confessoque pulei muitos parágrafos na leitura, já estava francamente exausta.

Vale a pena lerem porque o enredo, o fio condutor dahistória, é flawless. É aconsistência das personagens, o ritmo e o conteúdo, o modo como a história nosvai sendo estendida, ora numa lentidão agonizante ora tão rápida que ficamos"what the hell?", que nãofuncionou.
Classificação: 3***/*

Pág. 1/2