Sinopse:CharlotteBrontë conseguiu em Jane Eyre uma fusão perfeita entre o realismo e o romance,incorporando dois temas que persistem no inconsistente colectivo porqueexpressam aspirações humanas permanentes: o mito de Cinderela, a rapariga pobree oprimida que casa com o príncipe poderoso, e o mito do sucesso: arecém-chegada sofre, persevera e triunfa da adversidade.
No entanto, Jane Eyre não é um mero romance de evasão, tem uma verdade e umrealismo totais; nos momentos mais empolgantes da acção, os detalhes, como navida real, são solidamente prosaicos e mesmo o triunfo final de Jane é umtriunfo incompleto, à escala humana.
O que caracteriza a arte desta grande romancista inglesa, e ainda hoje aimpõe à nossa admiração é, essencialmente, ter sabido descer ao mais profundodos seres, mostrando-nos, na sua verdade integral, o mau e o bom, o forte e ofraco, na complexidade das suas motivações e das paixões que os dominam, averdade e a profunda riqueza das figuras que construiu, assim como a violênciaque as agita, e a humanidade de que vibram e que, página após página, não cessade nos manter suspensos e ansiosos.
Opinião: Tendo lido anteriormente OMonte dos Vendavais da irmã da autora, Emily Brontë, e conhecendo o enredodesta obra graças ao filme protagonizado por Mia Wasikowska (2011), julguei quea Charlotte seria preterida à irmã. Confesso que o enredo não me interessavatanto, porque sou um bocado adversa ao que pende para o sobrenatural. Mas emboa verdade o livro - ao contrário do filme, que me emocionou mas que não ficouexactamente guardado no meu consciente - conquistou-me e superou, como aliás jáé hábito, o filme homónimo.
Estas duas irmãs são tão boas que, apesar da mesma época e do provávelmesmo contexto em que foram criadas e educadas, a Emily é uma criadora e aCharlotte é, inegavelmente, outra. A sensibilidade de ambas é impossível demisturar ou dissimular. Enquanto a Emily é crua e mexe com ventos exteriores eperturbadores, a Charlotte mergulha fundo nos motivos ocultos de cada um, sendoque ambas fornecem quadros precisos da natureza humana em estádios diferentes.
Em Jane Eyre acompanhamos alguns dos demónios de carácterque parecem presentes n’O Monte dos Vendavais que a sua irmãpublicou alguns anos depois. A natureza a exaltar-se contra o Homem. O carácterambíguo das pessoas de que nos rodeamos. Mas a escrita de Charlotte é menosintrincada, sendo o Jane Eyre mais fácil de apreender, mais suave (menosáspero) do que a obra-prima da Emily. Também fala em loucura mas, enquanto aque a irmã descreve fervilha, estridente, e povoa cada gesto das personagens, aloucura em Jane Eyre é clínica e fonte involuntária dedissabores.
Deixem-me explicar o enredo deste clássico da literatura inglesa... JaneEyre é uma órfã acolhida por um tio bondoso, que se torna um fardo para a tia eos primos quando o dito tio falece. Deste modo transforma-se numa criançadifícil, vítima inconformada dos maltratos psicológicos e físicos a que ésubmetida. Eventualmente, acaba por ser afastada da família e encerrada emLowood, uma escola rígida para meninas. Sendo as condições miseráveis - fome,frio, trabalhos e insensibilidades - também aqui Jane não é feliz.
O calor humano chega-lhe quando, tendo ensinado em Lowood ao formar-se, setorna Perceptora da pequena Adèle em Thornfield e conhece o dono do seu novolar - Mr. Edward Rochester.
Aqui entra o evidente talento de Charlotte para as relações humanas. Mr.Rochester é multidimensional, mantendo apenas a constância quanto à aura demistério que o envolve e a um peso incómodo que recai sobre cada um dos seusgestos ou palavras. Não tivesse assistido ao filme e - ignorante da realidadedas suas circunstâncias - consideraria que apenas hesita porque faz poucodaquela que se torna, ao longo da leitura, a nossa querida Jane.Também neste ponto a Charlotte difere da irmã no seu Monte dosVendavais, porque todas as personagens deste são absolutamentedesprezíveis. Fascinantes precisamente pelo quão desprezíveis são e peloquanto, mesmo assim, nos interessamos pelo seu futuro.
Ao contrário do rol de personagens d’O Monte dos Vendavais -amorais, egoístas, cruéis, vingativos, imparáveis - a Jane é determinada,decente, bondosa, caridosa, preocupada com o certo e o errado. É incapaz deinfringir mal ou de quebrar as regras da moral e dos bons costumes, inclusivequando sai prejudicada dessa escolha. Este altruismo e abnegação torna estaobra tão rica e única, mesmo quando comparada com o conteúdo de outro clássicoda mesma época, elaborado por um punho com quem a sua criadora partilha o ADN,as circunstâncias e a educação.
Apesar de ser irremediavelmente apaixonada pelo Monte dos Vendavais, aconselho igualmente a obra da sua irmã a todos, visto ser fonte de raciocínios pertinentes que tornam acondição humana em algo intemporal. Li algures que é uma primeira obra aemergir sob o signo da emancipação feminina e de facto é-o, na medida em que aJane está à frente do seu tempo, tanto quanto Charlotte Brontë estava aoacenar-nos lá de trás, da bruma do início do séc. XIX, com valores tão actuais.
«A consciência da minha vida estragada, do meu amor perdido, das minhas esperanças mortas, da minha fé aniquilada erguia-se diante de mim como uma montanha imensa, prestes a esmagar-me. Não encontro palavras para descrever aquelas horas de amargura. Como dizem as Escrituras: "As águas invadiram a minha alma, mergulhei no pélago profundo e as ondas tragaram-me".»
Ora o mês passado consegui fintar por completo o plano de leitura que eu mesma estabeleci. Posto isto verei como me comportarei em 2013... valerá a pena criar-me novos desafios apenas para me desafiar a contorná-los?
Há alguns livros que me fitam da estante e que me causam arrepios de prazer de expectativa...
São estes:
1. Luz Efémera (Volume III da Trilogia Langani)
~Trata-se daquilo que imagino ser a chave de ouro de uma trilogia deliciosa que começou nos anos 60 num Quénia dominado pelos Britânicos, a clamar por liberdade. Desenvolve os conceitos de «africânder», introduz-nos a algumas das tribos locais e, sobretudo, às vidas atribuladas de três amigas: Sarah (a minha favorita), Hannah (que me exaspera e irrita) e Camilla (tantas vezes só me apetece esbofeteá-la. A Sarah é descendente de irlandeses e é loucamente apaixonada pelo Piet, irmão da Hannah, no primeiro volume. No segundo volume, tendo superado (ou tentando superar) uma horrível prova de fogo que até a mim me arrepia e agonia, é uma fotógrafa profissional que vive numa reserva natural e acompanha manadas de elefantes. O Piet é apaixonado pela Camilla. A Camilla é apaixonada pelo guia de safaris Anthony - o gostosão mulherengo lá da área - e vive entre as passerelles de Londres e o cenário de sonho da sua infância. Hannah está determinada em manter o legado da sua família de africânderes e de desenvolver a reserva natural que o seu irmão tanto sonhara construir. Mas a ameaça dos nativos que os consideram intrusos ronda-lhes o espaço, compromete-lhes a vida e traz memórias de violências passadas, quando enormes atrocidades se cometeram do lado de ambas as nações num estado de sítio que guarda consequências para os seus descendentes.
2. O Aroma das Especiarias (Volume III da Trilogia do Chocolate)
~O Chocolate entranhou-se no meu imaginário desde que eu tinha doze ou treze anos. Um livro envolvente, emotivo, supersticioso, com um toque místico, personagens fortes e inesquecíveis - até hoje recordo a postura da Armande a beber chocolate quente na La Céleste Praline. Há um filme protagonizado pela Juliette Binoche e o Johnny Depp que deturpa um pouco o romance original, mas ainda assim penetra-me nos ossos. Há até musicais em torno dessa primeira magnifica obra que conta a história de uma mulher do mundo, mãe solteira de capa e sapatos vermelhos (Vianne) que corre o mundo ao sabor dos ventos do Norte. Ao chegar a Lansquenet-sur-Tânnes, decide abrir uma chocolataria no período da Quaresma, em que se fala de jejum e abnegação. Esta religiosidade cínica - retraída, reprimida - é marca presente nas obras da autora, como em Na Corda Bamba (no seu original Holy Fools). No Sapatos de Rebuçado Vianne e a sua pequena filha, Anouk, vivem novas aventuras, numa obra carregada da mesma fragrância doce e mística. E por último segue-se este regresso a Lansquenet... e eu ansiosa por voltar com ela.
3. Anna Karenina (Leo Tolstoi)
~Por favor, não pensem que descobri esta obra do Tolstoi aquando do remake do filme pelo meu adorado realizador Joe Wright (Orgulho e Preconceito, Expiação). Nem me recordo ao certo como ouvi falar desta obra, certo é que o adultério, a separação, o ostracismo e o século XIX em geral me interessam desde sempre. Após muito namorar esta obra, lá a adquiri (PVP 35,33€, conseguida com 50% de desconto numa daquelas campanhas mirabolantes da minha adorada/odiada Fnac). Agora está cá em casa, à espera que eu ganhe coragem para pegar nesta obra colossal que promete muitas emoções e que se adivinha sublime.
4. Servidão Humana (W. Somerset Maugham)
~Tendo corrido muito para o encontrar - escrevendo inclusive e-mails à Asa e perguntando pelo paradeiro dum último livro que pudesse ter sobrevivido ao stock - fui informada de que a edição estava esgotada e de que não sabiam quando a reporiam. Conclusão: na feira do livro de Almada, na Bertrand do Rio Sul e aos magotes na Fnac de Almada, lá anda esta obra do Maugham. O que espero dela? Existencialismo, dureza, lições de vida, reflexões profundas, algo a somar a quem sou, ao que conheço do mundo, das pessoas e da literatura em geral.
Sinopse: Esta é a história da aventura de um Baggins, que deu consigo a fazer e a dizer coisas completamente impensáveis…Bilbo Baggins é um hobbit que desfruta de uma vida confortável e sem qualquer ambição. Ele raramente se aventura em viagens, não indo mais longe do que até à dispensa de sua casa, no Fundo do Saco. Mas este conforto será perturbado por Gandalf, o feiticeiro, e por um grupo de treze anões, que num belo dia chegam para o levar numa viagem «de ida e volta». Eles têm um plano para pilhar o espantoso tesouro de Smaug, o Magnífico, um dragão enorme e extremamente perigoso. Encontros inesperados com elfos, gnomos e aranhas gigantes, um dragão que fala, e ainda a presença involuntária na Batalha dos Cinco Exércitos, são apenas algumas das experiências por que Bilbo passará.
"O Hobbit" é o prelúdio de "O Senhor dos Anéis" e já vendeu milhões de cópias desde a sua publicação, em 1937. É claramente um dos livros mais amados e influentes do século XX.
«Uma obra-prima incomparável.»
The Times
Opinião: Sabendoo que se segue (tendo lido o primeiro volume da Trilogia o Senhor dos Anéis esendo eu e a minha irmãzinha de 6 anos fãs incondicionais dos filmes doJackson), pensei que veria “O Hobbit” em retrospectiva. Isto é, com a percepçãode uma história contada ao calor da lareira sobre tempos passados. Devia teresperado muito mais do Tolkien.
Quando dei por mim, estava mergulhada atéaos ossos nesta aventura. Porque todo o livro é uma aventura; onde um pequenoHobbit descobre uma coragem que desconhecia, Galdalf surje vaidoso eenigmático, e treze anões se debatem entre os perigos do caminho e a fomeconstante que os martiriza. Pude rir-me, mas também se multiplicaram osmomentos de angústia. Um dragão que guarda um tesouro não parece uma premissanova para uma aventura, mas treze anões e um pequeno Hobbit não se afiguraminimigos à altura. Anima-me a pessoa em que me torno através da mestria da penado autor; tudo me parece, por c. 260 páginas, possível. Este mundo que ele nosapresenta parece-me tentador e apaixonante.
A imaginação de Tolkien é deliciosa.Senti-me parte de um conto muito bem contado, distendido e trabalhado aopormenor. Surpreendi-me por não encontrar violências gratuitas (nem uma únicamenção a sangue) nem cabeças a rolar, apesar da evidente crueldade e perversãode algumas das personagens. A isto chamo classe, porque o autor arrepia-nos epõe-nos alerta com o mero cheiro do perigo. A parte em que Gollum e Bilbodebatem as adivinhas gelou-me. Imaginava a vozinha da criatura - myprecioussss - a reproduzir-se na escuridão de uma gruta, ansioso por ferraro dente no Hobbit.
Em certos momentos achei-o e inventivoenquanto, noutras, detentor do sentido quase previsível – um tanto simplista -dos contos, cujo final se adivinha facilmente. Ainda assim é uma construção deexcelência que surpreende em certos momentos. Sobretudo as personagens sãoextremamente bem construídas e multifacetadas, multidimensionais e ricas emgeral. Não é fácil distinguir treze anões pelas suas particularidades, mas oTolkien consegue-o!
Muitas vezes me desencorajaram a ler oautor devido à “exaustão” com que se reproduzem as descrições ao longo da obra.Eu apreciei muitíssimo essas mesmas descrições, que adicionam substância a estemundo saído do seu imaginário, e acrescento que a minha maninha pequena sedeixou igualmente envolver pelos trechos que lhe fui lendo, assustando-se eanimando-se com os sustos e as vitórias das personagens. Não se deixem amedrontarpelos dizeres acerta de obstáculos à leitura destas obras. Mal posso esperarpara ler o II e o III volumes do Senhor dos Anéis.
PS - Adquiri o livro no dia 16 de Dez. a13,56€ no Continente, com 40% de desconto sobre preço de autor. Também o IVolume da Trilogia do Anel estava lá a 12,00€ e qualquer coisa. Vale bem apena!
PS II - Para o custo da edição, tem demasiadas gralhas!
PS III - Pergunto-me como pensam retalhar este livrinho em 3 filmes de 2 horas e meia cada...?
Sinopse:As Cinquenta Sombras de Grey é um romance obsessivo, viciante e que fica na nossa memória para sempre. Anastasia Steele é uma estudante de literatura jovem e inexperiente. Christian Grey é o temido e carismático presidente de uma poderosa corporação internacional. O destino levará Anastasia a entrevistá-lo para um jornal universitário. No ambiente sofisticado e luxuoso de um arranha-céus, ela descobre-se estranhamente atraída por aquele homem enigmático, sombrio, cuja beleza corta a respiração. Voltarão a encontrar-se dias mais tarde, por acaso ou talvez não. O implacável homem de negócios revela-se incapaz de resistir ao discreto charme da estudante. Ele quer desesperadamente possuí-la. Mas apenas se ela aceitar os bizarros termos que ele propõe... Anastasia hesita. Todo aquele poder a assusta – os aviões privados, os carros topo de gama, os guarda-costas... Mas teme ainda mais as peculiares inclinações de Grey, as suas exigências, a obsessão pelo controlo… E uma voracidade sexual que parece não conhecer quaisquer limites. Dividida entre os negros segredos que ele esconde e o seu próprio e irreprimível desejo, Anastasia vacila. Estará pronta para ceder? Para entrar finalmente no Quarto Vermelho da Dor?
Opinião:Visto que a minha melhor amiga - que costumam levar o seu tempo a ler um livro - leu este “Cinquenta Sombras” em meia dúzia de dias e o declarou de dificuldade 0, sucumbi à curiosidade. Já suspeitava de que o conteúdo seria uma tristeza pegada e imaginei-me a fazer uma review suculenta a respeito do facto de a senhora ter presenteado o mundo com uma obra medíocre (calma, medíocre significa de qualidade mediana) - miserável - e ter enriquecido desse modo. Porque o sexo vende. Porque o que é fácil é acessível a todos. Porque prometia “sombras”, um homem cativante e, talvez para alguns, porque é um fanfic do Twilight. Graças a isto fiquei mais rica como pessoa; agora sei o que é um fanfic. Mas sou obrigada a pedir que me perdoem por ter tido tão pouca resistência a este best-seller, e até por não ser capaz de destacar todos os momentos dignos de reparo na obra. Estava a fazer-me mal à saúde...
Eu desconfio sempre quando há muito frufru em redor de algo - porque o que é do acesso comum geralmente tem standards muito baixos. Adolescentes excitadas, mulheres casadas que consideraram um escândalo de secretismo e ousadia adquirirem esta obra e lê-la no barco a caminho do trabalho. E ao menos considero que a E.L.James ensinou muita gente a ler - ao menos isso!
Bom, desisti, como não poderia deixar de ser, porque senti que me torturava mentalmente, na página 20. Li conteúdos semelhantes no “I’m In Love With a Pop Star” da Margarida Rebelo Pinto, mas na altura tinha 13 anos e, mesmo a custo, lá acabei o livro. Agora, dez anos depois, sou incapaz de dedicar o meu precioso tempo a coisas que me magoam o intelecto, por muito que prometessem uma review hilariante.
Desfolhando o restante livro, descobri que a deusa interior da senhora dança salsa com passinhos de merengue e, com isto, retorci-me e fechei definitivamente o livro. O senhor é aquilo que os brasileiros chamam um “babaca”. Há muito que sei que o maior poder é o daquele que pode, mas não faz. Uma pessoa que dá ordens atrás de ordens tem graves problemas de autoridade e a sua personalidade berra que, outrora, o pisaram e bem. Não é preciso ser psicóloga para adivinhar isso acerca do Sr. Grey, nem forçar-me a 500 páginas de tortura mental.
Em conversa com a minha amiga descobri algumas coisas preocupantes e ridicularizantes, adversas à verdade ou já do campo da ficção surreal. A senhora tem um orgasmo na primeira vez? Hum. A senhora toma uma primeira pílula e remove imediatamente o preservativo das brincadeiras? Não me admira que hajam fatinhos de bebés a dizer “Há nove meses atrás a minha mãe leu o Fifty Shades of Grey”... Enfim. Dá que pensar.
Hoje fui amplamente surpreendidapor uma mensagem privada de um membro do Goodreads, que veio precisamente norescaldo de algumas conclusões que tirei ontem.O conteúdo do texto é o seguinte:
«Uma "escritora"que, independentemente do "bom" ou "mau" gosto dá 2 ao CemAnos de Solidão e que ainda tem a pretensão de dizer que nasceu para escrever.
Ri-me muito.»
Para quem não sabe, no Goodreads atribuem-se classificações de1/5 aos livros lidos, conforme os critérios de cada um. Qual é o meu espantoquando me dou conta das implicações que não gostar dum escritor que ganhou umNobel poderiam ter no meu percurso de (pretensiosa) “escritora”!
Quando li o Cem Anos de Solidãoteria quê? Quinze anos? Aos quinze anos um livro do Nicholas Sparks parecia-mesoberbo, enquanto um do Garcia Marquez poderia parecer-me facilmenteaborrecido. Poderia até tentar justificar o meu “2” ao Cem Anos de Solidãodeste modo. Mas a verdade é que este jovem veio estabelecer um pararelismoentre a minha incompetência como escritora – ter-me-á ele lido? – e o muito queo livro me exasperou. Nestes preâmbulos, e recordando-me bastante bem dasensação que o livro me passou, sou obrigada a confessar que a minha opiniãoquanto ao livro se espelha no seguinte comentário de um utilizador goodreadeano:
«So I know that I'm supposedto like this book because it is a classic and by the same author whowrote Love in the Time of Cholera. Unfortunately, I just think itis unbelievably boring with a jagged plot that seems interminable. Sure, thelanguage is interesting and the first line is the stuff of University Englishcourses. Sometimes I think books gettagged with the "classic" label because some academics read them anddidn't understand and so they hailed these books as genius. These sameacademics then make a sport of lookingdown their noses at readers who don't like these books for the very samereasons. (If this all sounds too specific, yes I had this conversationwith a professor of mine).
I know that other people love this book and morepower to them, I've tried to read it all the way through three different timesand never made it past 250 pages before Iget so bored keeping up with all the births, deaths, magical events andmythical legends. I'll put it this way, I don't like this book for thesame reason that I never took up smoking. IfI have to force myself to like it, what's the point. When I startcoughing and hacking on the first cigarette, that is my body telling me thisisn't good for me and I should quit right there. When I start nodding off onthe second page of One Hundred Years of Solitude that is mymind trying to tell me I should find a better way to pass my time.»
By Adam onGoodreads.
Assombrou-me a associação deideias deste jovem: agora apreciar um autor que uma qualquer entidade decultura designou como de qualidade é requisito para nós próprios virmos a teralgum valor na área? Teria o Da Vinci apreciado a arte do Picasso se os dois setivessem algum dia conhecido? Ou seria suficientemente mente aberta para dizer “Picasso,o teu Guernica é um 2 porque o abomino pessoalmente, e só é 2 porque tereconheço o génio”.
Mas, analisando algumas obraslidas pelo mesmo jovem, enveredo numa curiosa constatação: tendo lido quase sobretudo autoresclássicos (aqueles que “alguém” designou de bons e que ele acatou), omitiu asleituras dos “comuns mortais” ou, de facto (o que é ainda mais lamentável), nãoos leu. Tolstoi, Dostoievksy, Freud, Camões, Kafka, Neruda, Steinbeck, Pessoa –com todas estas leituras no seu currículo, não é difícil adivinhar que estamosperante alguém que se tem a si próprio como um intelectual. Não lhe chamemospretensioso, mas eu alerto para o risco de nos debruçarmos sobretudo – e depeito aberto – para aquilo que “alguém” designou que era bom. Para aquilo que “alguém”disse que deveríamos ler incontornavelmente. Porquê conceder a alguém – à sociedade,à tribuna dos Nobels que seja – o direito de nos designar os lugares literáriosa visitar? E porquê fecharmos a mente tão jovens àquilo que é a livre percepçãode cada um face a escritores que a maioria idolatra, quando a maioria estátantas vezes cega ou errada?
Com isto não pretendo questionara qualidade dos referidos autores/obras literárias. Quem sou eu para fazê-lo oupara enviar cartas ao Fernando Pessoa do início do século XX e dizer-lhe que,se não gosta de Tolstoi, jamais será alguém na escrita? Ainda para mais fiqueicom a percepção de que este jovem se tem certamente em muito boa conta e émuito orgulhoso da sua bagagem cultural. Espero que a idade o torne maisflexível e lhe abra a mente – já que tanta variedade de leituras só serviu paralhe dar a ideia errada de como funciona a arte e de lhe que as percepçõespessoais são questionáveis – e que páre de pensar que é não questionando Darwinque abrimos o nosso caminho no naturalismo.
Como aparte felicito a HelenaBarbagelata (21 anos) que venceu ontem o Prémio Literário de Poesia e Ficção deAlmada, vertente “Poesia” com “O Mar dos Deuses” (se não estou em erro). Tambéma ela lhe reconheço o génio, porque as palavras da sua autoria que foramcitadas durante a cerimónia soaram belas, arcaicas, quase exóticas, estranhas e de um talentoinegável. Eu, qual burra a olhar para o palácio, não compreendi uma linha – umareviravolta emocional – do que foi dito, mas houve muitas lágrimas eaplausos. Sendo obrigada a classificar a sua obra, dar-lhe-ei 5 porque nem soba mira de uma arma conseguiria imitar-lhe os trejeitos literários? Ou sereiobrigada a dar-lhe 2 porque a cultura, na minha modesta visão, deve ser obra decompreensão (democracia e acessibilidade) e não de cega admiração, e narealidade eu não senti nada?
A autora é jovem e multifacetada(pinta divinamente) e desejo-lhe toda a sorte do mundo, até porque engrandece onosso concelho de Almada. Espero que surjam todas as oportunidades adequadas àevidente imensidão do seu talento...