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Castelos de Letras

Em torno das minhas leituras!

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#1940 - ESTORIL



Estoril, 1940
            Naqueletempo, a única coisa que as distraía dos viajantes que não cessavam de chegareram os jantares multilinguísticos. Durante a tarde, vestiam-se com esmero,lavavam-se juntas e tacteavam ao longo das janelas sobre a baía sempre queouviam a buzina de um carro. Através dos vidros viam o porteiro a precipitar-separa o veículo e a recolher as malas que o motorista lhe passava com um acenode bom dia e uma cordialidade tácitos. Depois as senhoras surgiam: eram osmaridos quem lhes abria a porta e lhes estendiam a mão para que pisassem oEstoril. Estudavam o ambiente em redor, açambarcando nos olhos celestes ocasino, a praia, os veraneantes. Levantavam os queixos delicados, afastavam oscabelos claros e abraçavam o hotel com o olhar. O Plaza Estoril, cuja fachadaconheciam de tanto manusear os postais.
Da janela, Carlota eMercedes acenavam-lhes sem serem vistas. Depois, ao aviso da mamã, desapareciampara o andar térreo e iam posicionar-se no átrio de pavimento marmóreo, logoatrás do recepcionista, a fim de lhes aspirarem o perfume de estrangeiras.
            Nãodemorou muito para que as duas irmãs aprendessem a cumprimentar os hóspedes nassuas línguas maternas. Eram fluentes em português e castelhano, filhas de paimadrileno e mãe guardense. O irmão mais velho estudara alemão no liceu eensinara-lhes a lógica matemática da gramática germânica. Quanto às restanteslínguas, conseguiam sempre desviar Annie Abbot das revistas de moda quesubscrevia, ou o velho Étienne Claudel dos seus periódicos e das cartas quetanto manejava.
            Osjantares que a mãe dava na sua suite pessoal eram o ex-libris de uma fiada dedias sempre iguais, que começavam por acompanhar Sebastiana à lota de Cascais,pelo paredão, e que terminavam com os coquetéis no terraço do hotel, com o sola tingir-lhes os rostos de dourado. Carlota já fizera dezanove anos, pelo quefora autorizada pelo pai a beber um cálice de xerez, diluído numa pedra degelo, a fim de acompanhar os convivas nesses saraus. Mercedes bebia limonada, fingindo,apenas para si, que se atordoava de champanhe.
            Quandoo pai dava o dia por encerrado e se juntava aos comensais, por norma o sol jáse pusera. As filhas eram instigadas pela mãe a ir cumprimentá-lo com um beijono rosto. Carlota ria-se do seu bigode aguçado, mas Mercedes, que se sentiaintimidada por aquela presença severa, não se atrevia a rir. Emílio, o irmão,acenava ao pai, como se do encontro de dois diplomatas se tratasse. Aquelaformalidade entre os dois homens da família Muñoz enternecia a mãe, que continhao riso, quase perdendo os ares de senhora distinta.
            Foiassim que, ao longo do verão de 1940, as recepções se foram sucedendo sob a supervisãocada vez mais exigente da mamã e a carranca do papá, que a cada novo hóspede aferrolhavamais o cenho, como se a prosperidade do hotel fosse um percalço no panorama dosseus investimentos.