Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]

Castelos de Letras

Em torno das minhas leituras!

Castelos de Letras

Em torno das minhas leituras!

#156 MOYES, Jojo, Viver depois de ti

Sinopse: Lou Clark sabe muitas coisas. Sabe quantos passos deve darentre a paragem do autocarro e a sua casa. Sabe que trabalha na casa de chá TheButtered Bun e sabe que não está apaixonada pelo namorado, Patrick. O que elanão sabe é que vai perder o emprego e que todas as suas certezas vão ser postasem causa.
Will Traynor sabe que o acidente de motociclo lhetirou o desejo de viver. Sabe que agora tudo lhe parece triste e inútil e sabecomo pôr fim a este sofrimento. O que não sabe é que Lou vai irromper na suavida com toda a energia e vontade de viver. E nenhum deles sabe que as suasvidas vão mudar para sempre.
Em Viver depois de ti, Jojo Moyes aborda um tema difícil econtroverso com sensibilidade e realismo, obrigando-nos a refletir sobre odireito à liberdade de escolha e as suas consequências.

Opinião: "Ican't be the kind of man who just...accepts."

Namadrugada a seguir ao anúncio da eleição do José Rodrigues dos Santos como“melhor” escritor português, eu deito-me às 04:45 da manhã para ler, de umaenfiada só, o meu primeiro da Jojo Moyes.
Não li o livropor ter curiosidade na autora, mas sim porque saiu o trailer do “Me BeforeYou”, inspirado neste romance, com a Emilia Clarke (A Guerra dos Tronos) e SamClaflin (Love, Rosie). Isto significa que fui ao livro em busca daquilo que asua sinopse e o trailer do filme prometiam: uma jovem alegre e invulgar, cheiade vida, a cuidar de um tetraplégico pouco mais velho do que ela própria, e queperdeu a vontade de viver.
Espereialgumas coisas do livro – não sou daquelas autoras que adoram um twist, digamosque prefiro jogar pelo seguro. Acho que isso se nota também naquilo queescrevo… O meu coração não bate mais forte por causa da imprevisibilidade dascoisas. Eu sou mais do género de saber que alguém chegou ao ponto x e ficolouca de curiosidade para saber como foi lá parar.
Então, esabendo que saí de uma depressão há pouco tempo, atirei-me de cabeça. Eu, amanta, o candeeiro e os bichos em cima de mim. Passámos seis horas interruptasjuntos. Sabem o que isso significa, para mim? Que ainda sou capaz. Que, segostar mesmo muito, muito, de um livro, ainda consigo entregar-me de alma ecoração ao mesmo. Atenção, eu disse “se gostar muito, muito”, não disse “se umlivro for muito, muito bom”. É importante que se faça essa distinção. E, no meupeito, este livro ascendeu logo a um sólido 5*****. Não é o 5***** do E Tudo oVento Levou, nem do Servidão Humana, mas é o 5***** de alguém que, num dia desemana, não conseguiu desligar-se destas pessoas nem dos seus dilemas.
O livromexeu comigo a vários níveis. Primeiro, claro, o acidente. Eu sou daquelaspessoas que acham que devemos arriscar sempre que a vontade o exige, porquepode dar-se que acabamos atropelados por uma Scooter à porta de casa e sem tervivido. A Louisa Clark é uma rapariga da minha idade, com um namoro de seisanos e um emprego que lhe preenche as ambições num café local. Por precisar dese sentir segura, apesar de ser bastante estouvada, esse emprego mantinha-alivre de ânsias de maior. Não almejava um salário maior nem sair para conhecero mundo. Era feliz sabendo que fazia chás excepcionais e que trocava dois dedosde alegre cavaqueira com cada cliente. A sua família está a passar pordificuldades financeiras e, quando perde o emprego, é rapidamente catapultadapara Granta House, onde é paga para cuidar de um homem que ficara tetraplégicohá dois anos, na sequência de um atropelamento.
Estehomem é William Traynor, um homem que escalara o Kilimanjaro, mergulhara emrecifes de coral e fizera bungee jumping. Tudo isso antes de ter ficado preso auma cadeira de rodas. Lembrei-me, de imediato, das referências artísticas quetenho em assuntos do género: O Escafandro e a Borboleta, Million Dolar Baby, OsIntocáveis e Mar Adentro. Cada um é triste e revelador ao mesmo tempo. Põe-nosa pensar onde reside, realmente, a força de uma pessoa. Como é espantoso quealguém que apenas mexa a boca possa pintar ou escrever, enquanto outros, emplena posse das suas faculdades, se afastam das coisas mais simples por seconsiderarem incapacitados para isso à partida.
A jóia dolivro são, claro, as relações humanas. As emoções que nos tomam (não oferecigrande resistência, confesso) quando nos deparamos com os dilemas destaspessoas. Ficar ou não ficar? Deixar ir ou tentar manter? A definição de amornunca nos é atirada para a cara, tipo “amar é deixar o outro ir quando lhe éimpossível ficar”, mas está intrínseca em cada gesto. 
Lembro-mede, aqui há uns anos, andar muito angustiada a perguntar-me isto mesmo: seráque existe no mundo alguém que me ame tanto que me ajudasse a morrer, se euestivesse lúcida e viver me fosse já insuportavelmente doloroso?
A minhaavó disse que nunca me ajudaria nesse sentido, porque Deus Nosso Senhor não iaaprovar. Nunca me esqueci dessa justificação fácil para se sacudir a água docapote. Já anteriormente o disse: para mim, amar é estarmos dispostos a acabarcomo sofrimento do outro. 
E estelivro testa estas ideias ao limite. É tão diferente do esboço tosco do NicholasSparks, o “Uma Escolha por Amor”, que só me resta deitar a língua de fora quandopenso nos disparates que li no livreco do Nicholas.
Vida emorte. E, claro, amor. O amor aqui explorado no pináculo do desespero. 
Quando avida de Lou e Will colide, também o leitor é arrastado para os diversos prismasdesta circunstância infeliz. Se Will ama Lou, deve deixá-la livre para serfeliz com alguém em plena posse das suas capacidades, ou dispor-se a alegrá-lacom o que lhe pode oferecer? Se Lou ama Will, está disposta a limpar-lhe o raboe a mudar-lhe o cateter para o resto da vida? Ou, se o ama mais ainda do queisso, poderá deixá-lo ir-se embora? Quem sabe até lho perdoar? Se a mãe de Willama o filho, deve desistir de lutar por fazê-lo querer viver ou deve acatar erespeitar o seu desejo de alívio? 
Ri muito.Às duas da manhã ria-me que nem uma maluca. Há momentos tão bons, tão bonitosneste livro… E depois a eminência de um futuro sem floreados a pairar sobre oleitor, a cingir-lhe o peito num punho cerrado…
Depoischorei. Muito. Chorei porque a autora conseguiu meter-me, em simultâneo, napele da Lou e na do Will. E não queria ser um nem outro. Só de pensar sinto umaangústia, uma falta de ar, como se tivesse verdadeiramente vivido aquelas seishoras a partir de uma cadeira de rodas eléctrica.
Não é umlivro fácil. Acho impossível que alguém o leia e fique de coração leve.
Resta-merepensar a minha vida, entender que também eu tenho 26 anos e que estou cheiade vida e de opções. O que quero mesmo fazer com ela?
Prometo aestas personagens, que tanto o merecem, que vou pensar.
Bem seique a autora não é o Stefan Zweig, que o livro tem laivos de clichés, mas é tãoadulto e tão ponderado que me deixar embalar pelos seus ensinamentos, pelosseus cenários, pelos seus humanos inventados, e aqui estou… a suspirar.
É bempossível que volte a lê-lo um dia. Vai para a estante dos favoritos. Não queroler a continuação. Para mim acaba assim mesmo. Matou-me e vou deixar-me ficardeitada a escutar os ruídos do universo enquanto as energias e a vontade serealinham em mim.
Quando ofilme sair, vou com uma caixa de Kleenex para o cinema.
Umhorror, devia ser proibido fazerem isto às pessoas.

Classificação: 5/5*****