#130 CALDWELL, Erskine, A Estrada do Tabaco
Sinopse: O humor de Caldwell, como o de Mark Twain, tem como fonte a imaginação que agita as emoções do leitor. Durante a Grande Depressão americana, a família Lester não sabe como sobreviver à miséria que se avizinha. Residem e gerem os territórios rurais da Geórgia, cultivados com tabaco e algodão, mas já nem isso os salva. Debilitados pela pobreza ao ponto de atingirem um estado de ignorância e egoísmo cruel, os Lesters preocupam-se com a fome, os apetites sexuais que os devoram e o medo de que a hierarquia social os empurre para uma camada ainda mais desfavorecida. A pobreza, o racismo e a bestialidade dos homens são aqui postas a nu, despindo a sociedade americana dos anos 20 com crueza e violência, numa tragicomédia de mestre. A Estrada do Tabaco é um dos grandes clássicos americanos de Erskine Caldwell.
Opinião: Foi a capa que, uma vez mais, me levou até estelivro. Quando o recebi em mãos entendi que esta pequena obra de 200 páginasseria devorada com rapidez. Sucede que cada livro é uma caixinha de surpresas,e este não foi excepção... A psiquiatria, nascida na Alemanha, deu o braço avárias teorias de eriçar os pêlos no século XIX. Durante a Grande Depressão(que começou em Out 1929 na América), essa ciência relativamente recenteavaliada as capacidades das pessoas, a sua utilidade social. A "Eugenia",corrente da qual o próprio autor seria aficcionado, defende a esterilizaçãoinvoluntária daqueles que a Sociedade considere não aptos a reproduzirem-se.Persone non grate. Enfim... O certo é que "A Estrada do Tabaco" é umdesfile de algumas das personagens mais abomináveis que jamais li. ScarlettO'Hara era oportunista e fútil, mas também sensata e persistente. CathyEarnshaw é igualmente fútil, vaidosa, demasiado dramática, mas ama Heathcliff.Que dizer dos Lester? Ignorantes, interesseiros, preguiçosos, oportunistas...Sempre à espera que "deus" venha salvá-los e o dinheiro chova docéu... A Grande Depressão é retratada, neste romance, a partir do núcleo deLesters que vivem à beira da estrada do tabaco. Jeeter, o pai, Ada, a mãe, aavó Lester, Ellie May que tem uma fenda no lábio, de nascença, e Dude, um maleducado de 16 anos, desobediente e obtuso. Jeeter está"aferroado" ao terreno onde nasceu na Georgia, "the oldsouth", apenas setenta anos após o Norte industrial ocupar o sulalgodoeiro e libertar os negros. É preguiçoso e vive de procrastinação: amanháserá sempre o dia em que irá pedir uma mula emprestada, revolver o solo earranjar quem lhe conceda crédito para comprar sementes. A sociedade americana vivia de crédito:mesmo morto de fome Jeeter nunca pondera ir trabalhar para as fábricas, onde sediz que poderia ganhar até 25 dólares por semana, sendo que 2 bastariam paraalimentar a família durante esse mesmo período. Nada tem, por nada luta. Apenasse lamuria e culpabiliza terceiros (ou o próprio carro, por não poder levá-lo a Augusta) da situação de misériaextrema em que se encontra. Tanto ele quanto o filho acham que os ricosdeveriam abrir mão da sua riqueza para melhor a distribuir por quem nada tem.Ou, ao menos, conceder-lhes crédito. Desconfiam dos ricos, atribuem-lhes más qualidades, embora também se deixem deslumbrar pelas suas vidas e as invejem. A Irmã Bessie é uma hipócrita ignorante de 39anos que almeja casar-se com Dude (isso mesmo, o rapazinho de 16 anos). Estapersonagem sem nariz, de fé cega num deus evangélico que muito lhe convém, foio exemplo de como a religião, sob o signo do medo e a promessa de conforto ealívio, afasta os homens da Verdade. As situações que se seguem são bizarras,retrato de uma família sem qualquer luz de conhecimento, cheios de preguiça esonhos irrealizáveis que alimentam como pretexto para se manterem quietos. Oesbanjar do que não se tem, a má gestão, mau cálculo, o despojar-se dos filhose da avó porque em última instância são meras bocas para alimentar... A lei queexiste mas não é cumprida...
O absurdo do livro estarreceu-me. Fala-se emhumor negro mas não consigo discerni-lo nestas páginas, porque sei que houve eque há pessoas assim. Aconselho vivamente, ao contrário da glorificaçãoda humanidade em horas de aperto, o autor leva-nos ao grotesco da ausência dequaisquer princípios por imposição da fome.
Classificação: 4,5****/5